Coleção pessoal de jessebarbosa1827
A PROSPECÇÃO DA PAISAGEM
Quando deixamos de ser etérea manhã,
Ainda no átrio da estrada,
Tornamo-nos presa
Da fome precoce do inexorável ocaso:
A latitude do céu,
Que pensávamos infinita,
Revela-se cria de um universo volátil.
Ah, e o nosso mar nos mostra
A sua lídima índole:
A ferocidade do vórtice do ódio
Aflora-lhe do bojo,
Domando progressiva
E plenamente
Todo o seu aqualino corpo.
A terra,
Que compõe a nossa pele,
Liquefaz-se em córregos do pus
Incarcomível:
A chaga se transforma
Em um novo tegumento,
Agora, irremovível!
Então o que reina
É uma paisagem de água:
Empedernida, rocha insoçobrável,
Mármore entalhado no oceano da passional sáfara.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
POETA MINERAL
(ODE A JOÃO CABRAL DE MELO NETO)
Vicejara da sáfara, da pedra
Um girassol que se esconde
No túmulo do empedernido.
Odeia o transbordamento da cálida água:
Acha-a frívola;
Prefere a rasteira tapeçaria, o afagar
Da mão do cimento e a metálica alvenaria do parco gesto do engendro.
Pinta a grandeza da secura:
Exaltando a plasticidade que a molda;
O aquoso, mádido, translúcido e gélido fogo
Que flui na corrente sanguínea
Das estóicas coisas ou pessoas hialinas.
A poética da observação obsessiva,
Para ele,
É plena da mais sábia epifania:
Ela fica postada
No píncaro maior
Da visão cristalina, acuidosa, concisa, plástica, vítrea!
Não,
Ele não é exangue oceania.
Não,
Ele não é apenas a pétrea açucena que rebenta altiva.
Não,
Ele não é tão-só o penedo, o ferino espelho, o Cerrado,
A Caatinga, o Sertão sem lua nem estrelas, a acrimoniosa SINFONIA.
Não mesmo, meus queridos amigos.
Na verdade,
Embora ele, quando vivo, veementemente refutasse,
O líquido poeta degusta sim o lirismo:
O lirismo presente na contemplação sóbria,
Onde os indistintos matizes do invisível se realçam;
O lirismo contido na profundidade que aflora
Da imagem da viril leveza do andaluzo toureiro
Ou da acre imponência da pernambucana e betúmica cabra;
O lirismo que se denota na narrativa da fluência de um rio
Ou que se ressuma na fluidez da serena revolta
Ora dum povo severino, ora duma gente maganês,
Que ama, apesar da dureza da navalha,
Deverasmente a sua lavra.
Ah, mais do que nunca eu acredito
Que o árido bardo, compositor da ode ao sol albino,
É, de fato,
Um radioso e magnífico
Poeta lírico!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
OUTRAS GALÁXIAS FORA DE MIM
Preciso prementemente
Fazer uma viagem para fora de mim:
Contemplar as paisagens exógenas sem fim,
Que bradam loucamente,
Ansiando acuidosamente
Por gente qual as leia, as fotografe, as narre,
As incorpore depois que as deguste
Com os dentes e a língua da mente.
Ah, a mente: o mágico lugar onde habita
A fonte da libertária vivacidade ardente, ígnea!
Não é que eu não saia;
Eu saio:
Tropego pelas execráveis alamedas
Do rolo-compressor, da perfídia,
Dos físicos e mentais desertos da reta irmanativa;
Caminho ebriamente
Pela estrada da vida bucólica
Como se o fauno fosse privado
De ser cultuado na Roma do Augusto Otávio;
Afinal, passeio pela avenida
Da estranha alegria estuprada e sofrida,
Mas sempre animosa, aguerrida da jocosa nação mestiça.
Ah, por que não proceder tal Sidarta Gautama
Que se tresmalhara das garras
Da inexpugnável fortaleza da patranha
Para esquadrinhar, conhecer a legítima face do mundo
Ao singrar as alamedas e ruelas da desesperança,
Que molda, cimenta, reveste, concreta
A antiga Índia sofisticadamente cibernética.
É, talvez eu devesse, como ele,
Abrenunciar á bem-querência
Que nutro ao egoísmo da matéria:
Pregar desprendimento, benevolência, humildade
E ficar concentrado por meses ou anos
Á sombra de uma árvore gigantesca,
A fim de que eu possa captar,
Me transformar na respiração
Da água, do fogo, do ar, da Argila-Terra-Planeta;
E, ao flutuar além das nuvens, da celeste abóboda da pureza,
Poder lograr o glorioso Nirvana:
A Extática Paz Imorredoura da Certeza!
Não, não tenho esta pujança:
Na verdade,
Sou fado malogrado,
Plenilúnio dos inválidos,
Criatura pusilânime
E o inexorável sol do vácuo
Continuamente amanhecendo radioso, soberano, impávido!
Finalmente,
Depois de horas a fio sob a sádica e sodômica luz da ilusão,
Sorumbático e desalentado,
Regresso ao cancerante conforto da minha egocêntrica mansão.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
CÓRREGOS DE EPIFANIA
Sinto Frida Khalo
Passear pela pradaria dos meus pensamentos:
Na tela de mim,
Ela pinta uma mulher sem rosto
Que faz verter sangue
Das tetas cor de rubro.
E do fluido vividamente vermelho
Assoma e fulgura
Um cavalo radiosamente negro
A trotar airosamente ligeiro.
Ele é um corcel
Que viaja sob o signo
Da velocidade da luz:
O colossal e galhardo quadrúpede
Traz impresso sobre o seu rutilante lombo
A imagem de uma velhaca águia gigante voando.
Ela, a águia,
Expele vórtices de fogo
E sorve o betúmico oceano caudaloso;
Ela, a águia,
Semeia espigas de ouro,
Colhendo para si o alcoólico dínamo suntuoso
E fomentando a fome para o infausto povo;
Ela, a águia,
E as outras magnas aves de rapina
Subjugam o mundo vivaz, pleno, maravilhoso
E deixam como legado
O caos, o crepúsculo, a dantesca mansão do vácuo para todos.
Ah, mas eu só pude sentir
A supernova do nosso milenar planetário
Quando a Frida Khalo
Fez da minha viagem
Á inefável esfera dos sonhos
Seu mais belo, eloquente e audacioso quadro novo.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA