Coleção pessoal de jacque_alves
CANÇÃO EXCÊNTRICA
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.
Andorinha lá fora está dizendo:
-Passei o dia à toa, à toa.
Andorinha, andorinha, minha canção é mais triste:
-Passei a vida à toa, à toa.
“Absinto nos canaviais”
Folhas de sabedoria,
Expande todo absinto...
Quão feitiço!
Tentações ao chão limpo.
Embriaga-se quem bebe...
Bebida de ler!
Água ardente de pele...
Contém chamas do prazer.
Canaviais... Esquentam!
Fogo ao açúcar a fazer...
Linhas temperadas que tentam,
Traz-me aos olhos prazer!
Absinto dessas terras...
Letras cursadas em punho!
Feiticeira de cheiro e ervas...
É a poesia que sinto em sonhos.
Lá se vão as nossas vistas
... Linha dos canaviais em controversas rimadas,
na ramificação daquelas poesias disfarça,
amores - conjunto de paródias... servidão...
... Sou o veneno em tuas veias, lhe enlouquecem,
pois bem, se vós sois benigna - maligna disritmia,
no seu coração me palpito, ponho... palavras,
nunca usadas, mas que jamais fostes descartada...
- Esses momentos juntos nos formaram, mar - amar,
passei fome na espera de uma palavra sua,
pois bem... no seu jejum quem faleceu fui eu,
na espera das sobras debaixo da mesa,
chumbo se fundiu á minh'alma desapegada,
na sementeira sordidez se desfez em duras penas...
Eu sou mato seco, cachaça ralé, o lixo do beco de uma rua qualquer; e tudo mais o que for inútil e pegue fogo
Vento seco.
O vento seco que corre
pela seca que avança
e o jumento que socorre
é bicho que não descança
aqui quase tudo morre
só não morre a esperança.
CERRADO SECO (soneto)
Ah! plangente cerrado, quente, sequioso
Ventos abafados, denodados, e ao vento
Dormente melancolia, e tão portentoso
Murmurejante e, navegante de lamento
Sol queimoso, unguinoso, tal moroso
Que no seu firmamento vagar é lento
Inventando no tempo variegado iroso
Parindo nuvens dum cinzento natento
Securas secas, e que secam ardoroso
Veludos galhos, veludosos e poeirento
Que racham sedentos num ardor ditoso
Ah! cerrado seco, de ávido encantamento
De um luar num esplendor esplendoroso
Da lua de contornos, no céu monumento
Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
Março de 2017
Cerrado goiano
E fiquei por horas ali
Deitado no capim
Me enchendo de saudades
Antes mesmo de ir...
Tornei-me emoção
As lágrimas se esvaindo ao chão
De testemunha um cão
Fiel à solidão.
Lá e cá
No sertão a vida é assim
é desse jeito seu moço
há dias que brota capim
as vezes já seca o poço
no meio desse descarne
um dia se come a carne
no outro só rói o osso.
Um lugar de paz
O cheiro de capim cortado exala e permeia todo o ar em derredor, até os cachorros farejam mais de perto tentando sentir o cheiro com mais intensidade.
O vento, as plantas e a calmaria fazem do lugar um lugar suave, leve, um lugar de paz.
Ao fundo, o som do cortador de grama que se mistura com os cantos das mulheres, que por sua vez se mistura com o som das crianças brincando.
O pássaro não pára de assobiar, nem os cachorros de me cheirar, eis aí um lugar suave, leve, um lugar de paz.
Quero ser seu querubim...
Para passear pelo seu jardim
verde capim
Que arvora dentro de mim
Como uma imensidão sem fim
Um tiro feriu o silêncio
de pedra;
o homem caiu aos pés do capim
tingido agora de rubro
O sol no horizonte definhou…
de repente
encobriu-se sem nuvens no céu
O vento deixou de se ouvir…
nem sequer aquela brisa
breve
suave
que às vezes nos trazia de longe
o cheiro da catinga
denunciando-nos o inimigo
De repente tudo escureceu…
o sol morreu
e o homem deixou de o ver
para sempre
In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta
Minas
Se eu pudesse
Congelar o sol por detrás da semente de capim
Num momento de cor laranja
Subindo a montanha
Cheia de orvalho
Se eu pudesse
Guardar o cheiro de terra molhada
Se eu pudesse
Guardar a umidade nos meus dedos que tocam as plantas
Se eu pudesse
Guardar tudo isso num poema
Talvez não caberia
Pois se guardo isso tudo
Tenho que adicionar a saudade
Que é grande demais.§