Coleção pessoal de ivalentim
Tem aqueles pequenos momentos tristes, no meio de uma conversa boba, de uma risada, de uma leitura, em que eu lembro de você. Descubro que eu não sei mais como respirar. Sempre foi difícil assim puxar o ar pra dentro dos pulmões? E não sei mais como me movimentar. Todo o meu corpo parece dez vezes mais pesado e mais lento. E não sei como fazer parar a dor. E não entendo que dor é essa, não sei onde começa, nem onde termina. Só sei que dói. Uma dor que não te faz gritar, mas te faz ficar em silêncio. E essa parece ser a pior. Descubro que não sei ser normal e não sei ser nada, além de saudade. A voz não sai porque tem um nó maldito na minha garganta. E não entendo como eu posso ser uma pessoa completa sem você. O que me resta e o que eu aprendi a fazer, é só ficar parada, respirando fundo e esperando esse tal momento passar. E passa. Sempre passa. Mas você não passa nunca.
Perdoa todo o mal humor, rabugice, ceticismo e o endurecimento de ultimamente. Não encontrei outro jeito de mascarar a tristeza. Preciso me incomodar com a pessoa respirando ao meu lado pra não estar pelos cantos sendo melancólica e dramática.
Como ir com calma e não criar muitas expectativas se tudo o que eu sei fazer é fechar os olhos me atirar com tudo, em tudo? Eu tento ser pé no chão, mas não passo de uma criança na véspera de natal que ainda acredita em papai noel.
E eu te conto um segredo, baixinho: não há ninguém como você. Nem no meu passado, nem no meu futuro. Você conseguiu calar todos os meus traumas e medos. Todo o passado, agora, é só uma lembrança embaçada e sem graça de uma vida pré-você. Todos os fantasmas foram embora. Toda a complicação deu espaço pra essa coisa boba de ser feliz por nada. E não existe alguém comparado à você, amor. E não vai existir, disso eu tenho certeza. É só você. Você, que tratou de ocupar todos os espaços que estavam faltando na minha vida. Que me fez querer ser uma pessoa melhor. Que me faz sorrir sozinha por imaginar como tudo ficou tão simples desde que você chegou.
Te vejo e me desmonto e me quebro em mil pedacinhos, como se eu fosse a coisa mais frágil do universo perto de você. Te vejo e percebo como você me tem fácil demais e como sou vulnerável quando você está. Mas você me abraça e eu me sinto no lugar mais seguro do planeta, instantaneamente. E todos os meus pedacinhos que antes estavam dispersos pelo universo se juntam, se encaixam, se completam, acham o seu lugar no mundo. E eu acho o meu lugar no mundo.
É que eu nunca vi um sorriso igual ao seu. Não é um sorriso comum. Você não é uma pessoa comum. É um ser diabólico enviado para me deixar uma pessoa mais idiota que repara em sorrisos. Você sorri com os olhos e com o corpo e seu sorriso é mais caloroso que qualquer abraço. Você sorri com simplicidade e cumplicidade, é sorriso de gente que apronta, de criança levada, com os olhos brilhantes. Não é só um sorriso. É o meu sorriso preferido. Da minha pessoa preferida.
É sempre bom ter alguém por você no mundo. Alguém que te socorre, te apoia e te acompanha em qualquer circunstância. Seja irmão, amiga, namorado, não importa. Saber que pode contar com alguém não tem preço.
É que eu nunca quero o que eu acho que queria, sabe? Nunca me basto, nunca me bastam. Tem sempre algo faltando quando nada deveria estar faltando. Eu quero mais, eu quero tudo, eu quero o mundo. Não só a metade de alguma coisa, um sentimento morno, algo normal. Quero o que eu ainda nem sei se existe, e de vez enquanto dá um desanimo tremendo de procurar. E se no final for só isso mesmo? Essa busca inalcançável por algo que não tem nome, algo que seja suficiente pra mim, que baste. Nadar e nadar e morrer na praia.
Eu te disse uma noite que tu era a pior pessoa que eu já conheci. E você, no dia seguinte, ainda estava lá por mim. Sempre esteve. Mesmo depois de uma briga dos infernos e de umas mil pragas que eu rogava. Mesmo que eu já tenha te mandado embora mil vezes. Você sempre volta mil e uma vezes. E no fim, é isso que sempre vai importar pra mim: saber que não importa o que tenha acontecido, o que tenha mudado, o que tenha se passado na nossa vida, a gente sempre vai voltar pro mesmo lugar de sempre.
É que quando eu perco uma pessoa, eu perco uma parte de mim também. Não importa o tamanho do amor, da intimidade ou do tempo que eu passava com ela, uma parte de mim também vai junto. Da mesma forma, quando conheço alguém, acabo pegando algumas manias, hábitos e gostos da pessoa. É quase imperceptível esses tipos de mudanças. Mas nesse vai e vem de gente em nossa vida a gente vai e vem também. Será que é isso? Será que o grande segredo da humanidade é que nós somos feitos das pessoas que nos cercam?
É triste porque, em pequenos lapsos de memória, penso em te mandar uma mensagem. Na verdade, penso que a gente está bem, como éramos. Quero só fazer alguma piadinha sobre estar comendo na pizzaria que a gente via baratas. Calabresa com baratas é o meu sabor preferido, e o seu? Acho que acabei de ver um rato passar. Esse lugar nunca perde o luxo, heim? Ou somente avisar que o filme que você gosta está passando na TV. E se não colocar no canal agora você perde a Megan Fox naquela pose escrota em cima da moto. Escrevo alguma bobagem dessas e coloco seu número. Quase aperto em enviar, até perceber que estamos longe demais pra fazer isso. Mesmo que sua casa seja à vinte minutos de distância. Não é sobre essa distância. Até porque, você quase morou aqui nos fins de semana ou em dias que você não tinha nada pra fazer em casa. “Tô indo aí”, você mandava por mensagem, já salva nos rascunhos. Só apertava e enviava. E eu só te esperava, como sempre. E me sentia em casa com você. Mesmo estando perdida e desesperada, numa rua qualquer no outro lado da cidade. Era só olhar pro lado pra me sentir aliviada e segura. Em casa. Sentia que poderia tudo com você. Você era a minha pessoa no mundo. E hoje. O que é hoje? É a lembrança perdida. É o número que eu acidentalmente digito por rotina. É o que foi pra mim, e não o que é. É um silêncio. Um pequeno e desconfortável silêncio antes de eu me recompor e responder os que me perguntam onde você está. “Está bem, eu acho. Não nos falamos tanto…”. “Mas vocês eram tão…”. Sorrio timidamente. Éramos, éramos, éramos. Eu odeio essa conjugação. “É a vida, né?”. É a vida, mesmo? Não é a vida. É errado e estranho. Mas a gente consegue seguir em frente. Sempre envio a mensagem que queria te enviar pra outra pessoa. Ou dez. Não me faltam pessoas, eu penso. Só falta a pessoa que você queria mandar essa mensagem, meu subconsciente retruca. Mas os outros também vão achar engraçado e também gostam do filme, então tanto faz. Mas não vão dar a sua risada de urso lendo a mensagem. Nem fazer um comentário irônico e sexual na resposta. Mas tanto faz. Tanto faz. Foi só um lapso de memória. A saudade só me inunda nos meus pequenos lapsos de memória.
Ando sempre cansada. Só quero passar o dia no meu quarto com as janelas trancadas e a sensação de estar fora de sintonia com o mundo lá fora. Minha mãe resmunga: como essa menina pode estar cansada? Nunca faz nada! Queria explicar pra ela que meu cansaço não é físico. É mental. Mas como falar disso sem parecer fora de órbita ou cheia de tendências sociopatas? Na verdade, queria explicar isso pra mim mesma. Como eu posso preferir passar meus dias mudando de canais na TV à sair com meus amigos pra jogar boliche? E sempre dando as mesmas desculpas. Deixa pra outro dia. Hoje não. Tá chovendo. Na próxima, eu com certeza vou. E nunca vou. E sempre quero ficar no meu quarto por mais um tempo. Talvez pra não encarar a realidade. Já disse como é difícil? Já disse como é esmagadora a sensação de o mundo não ser exatamente como o esperado? Aliás, nada é como esperado. Seus sonhos são desfeitos. A vida te acorda, te dá uma rasteira e você tem só que se ajustar à ela. Duas palavras a resumem: adaptação e contentamento. Não é como você esperou, mas é como aconteceu. E você não pode simplesmente surtar e fazer com que seja do jeito que você quer. Nunca é do jeito que você quer. Talvez seja por isso. No meu quarto a vida sempre parece bem mais distante da realidade do que lá fora.
Por mim eu já estaria a quilômetros daqui. Longe de todas essas pessoas indo e vindo fisicamente enquanto a mente e a vida delas ficam estagnadas num só lugar. Longe de todas essas cobranças do que eu deveria ser, sempre na mesma ladainha: faculdade, casar, ter filhos. E se eu não quiser? E se eu quiser sair daqui agora pra qualquer lugar do mundo? Fazer tatuagem, ir numa praia de nudismo, plantar uma árvore, virar vegetariana por dois dias, namorar um surfista com dreads, sair pelo mundo, ser feliz, ser simples, ser eu mesma. Por que a vida não te dá essa escolha?
No meio do nosso caminho eu simplesmente soube que não iria dar certo. Mas quem disse que eu quis pular fora do barco? Na verdade, a gente sempre sabe quando uma coisa não é pra ser. E não importa as tentativas frustrantes de mascarar ou salvar uma relação com prazo de validade. Quando tem que acabar, não há otimismo ou conselho que resolva. Fiquei até o fim porque sou teimosa mesmo. Gosto de bagunça. Mas, baby, saber que não é certo, eu sempre sei. Mas gosto de pagar pra ver.
Ser forte, na verdade, não é ser indestrutível e impenetrável. É saber lidar com sua fraqueza. E viver, mesmo sabendo que a vida, eventualmente, pode te deixar em pedaços. E que esses pedaços nunca serão consertados ou refeitos. No máximo, serão colados e, mesmo assim, nunca serão como antes. Ser forte é abraçar esses pedaços remendados e saber que são eles que definem quem você é.
Dois minutos a mais para ela se levantar da mesa e ele não esbarraria nela. Uma escolha errada de título para ela ler enquanto toma café e ele não falaria que já leu esse livro e que é bom demais. Ela não convidaria ele para sentar se a amiga não tivesse furado ou se ele não tivesse cortado o cabelo semana passada. Ela achava que caras de cabelo comprido eram idiotas. Maior atenção ao deitar na cama semana passada a faria não quebrar o óculos e ela não estaria piscando sem parar por causa das lentes. Ele não acharia que ela estava flertando com ele. Não se encorajaria pra pedir o número, o e-mail, o facebook. Se não fosse a preguiça de procurar outra bolsa pela manhã, ele não repararia que a bolsa surrada dela é cheia de bótons das bandas preferidas dele. Eles têm muito em comum, ele pensou. Ela notou a blusa de banda dele e aprovou mentalmente. Coldplay. Ele comprou seis meses atrás e ela estava perdida embaixo das roupas sujas. Nem era a banda preferida dele. Mas tinha que usar alguma hora. Ele a olhou de perto e ela piscou de novo pra ele. Tá tão na sua, cara! Combinaram de se encontrar às 18h no cinema. Se não fosse o atraso dela, eles nunca iam perder a sessão, nunca teriam outro encontro porque no cinema ele ficaria sem reação e ela acharia ele um bobo. Nunca iriam pra praça à duas quadras de lá e ririam até doer o estômago porque ele tinha se sujado todo com o molho de cachorro quente. Ela limpou o canto da boca dele com o guardanapo dela enquanto ele a olhava fixamente. 1, 2, 3. Estava apaixonado pelas sardas e pelos olhos verdes e grandes dela. Na volta pra casa ele lhe emprestou o casaco e passou o braço ao redor dela depois de ter contado uma piada sem graça. 1, 2, 3. Ela também estava apaixonada. Chamem isso do que quiser. Minha palavra preferida é: destino.
Sempre arrumava o armário quando ficava frustrada. Ou, simplificando, tirava todas as roupas e as colocava de novo pra dentro. Sentia quase um falso dever cumprido em pensar que estava fazendo algo. Mas não fazia nada. Não mudava nada. As roupas nem tinham organização. Cor, tipo, uso, estação. Nada. Era uma completa bagunça, a vida e o guarda-roupa dela. Lotados de coisas que nem servem mais, nem se usam mais, histórias mal terminadas, empurradas com a barriga, relacionamentos com prazo de validade já vencidos e blusas horrorosas. Por mais velha e rasgada que a blusa estivesse, não tinha coragem de tirá-la de lá. Por mais sufocante que uma relação estivesse, também não conseguia se desligar. Talvez pela lembrança do que foi um dia. Uma linda blusa, um lindo amor. Ambos desgastados, surrados, inutilizáveis. Só acumulando espaço. Por mais cafona que a calça fosse, sempre tinha esperança de que talvez, sei lá, ela voltasse a ser bonita aos seus olhos. E que talvez, sei lá, as coisas poderiam mudar. Pessoas poderiam mudar. Seguir em frente não era uma opção. Odiava partidas, até dos seus shorts. Guardava tudo e não permitia que nada saísse da sua vida. Acabava presa no passado, tentando consertar amores, remendar amizades, incapaz de desatar os nós, com o guarda-roupa lotado e a vida estancada. Chanel disse uma vez que o menos é mais. Levo isso pra vida. Menos é mais, garota. Anota. Tirar coisas e deixar pessoas irem embora da sua vida talvez seja o menos que é mais na sua vida.
A gente vai se ver de novo, eu vou te ver de novo, nós vamos dar certo em outro momento ― eu falava baixinho enquanto te via dobrar a esquina. Fechei os olhos e desejei intensamente acreditar em destino, caminhos cruzados, alma gêmea e essas coisas. Só pra acreditar um pouquinho que a gente iria ser pra sempre. Só pra me enganar mais um pouquinho sobre nós enquanto te via indo embora da minha vida.