Coleção pessoal de IrineuMagalhaes

41 - 60 do total de 272 pensamentos na coleção de IrineuMagalhaes

Essas coisas, você sabe. Parece que não consigo entrar em nada. Tudo travado. Todas as cartas tomadas. Eu não me ligo em política nem religião, nem seja lá o que for. Realmente não sei o que está acontecendo por aí. Não tenho TV, não leio jornais, nada disso. Não sei quem está certo ou errado, se é que isso existe.

O Coração Risonho

A tua vida é a tua vida
Não a deixes ser dividida em submissão fria.
Está atento
Há outros caminhos,
Há uma luz algures.
Pode não ser muita luz mas
vence a escuridão.
Está atento.
Os deuses oferecer-te-ão hipóteses.
Conhece-las.
Agarra-las.
Não podes vencer a morte mas
podes vencer a morte em vida, às vezes.
E quanto mais o aprendes a fazê-lo,
mais luz haverá.
A tua vida é a tua vida.
Memoriza-o enquanto a tens.
És magnífico.
Os deuses esperam por se deliciarem
em ti.

Nunca fui elegante. Minhas camisas eram todas desbotadas, encolhidas, surradas, e já tinham cinco ou seis anos. Minhas calças, a mesma coisa. Detestava as grandes lojas, detestava os vendedores, eles se faziam de superiores, pareciam conhecer o sentido da vida, tinham uma segurança que me faltava. Meus sapatos eram sempre velhos e estropiados, e eu detestava lojas de sapatos também. Nunca comprava nada de novo, a menos que as minhas coisas já estivessem completamente inutilizadas - automóveis inclusive. Não era questão de economia; é que eu não era tolerava ser um comprador na dependência dos vendedores, aqueles caras tão altivos e superiores. Além disso, eu perdia tempo, um tempo em que eu podia muito bem estar de papo pro ar, bebendo.

então queres ser um escritor?

(Tradução: Manuel A. Domingos)

se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
— devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.

quatro e meia da manhã

(Tradução: Jorge Wanderley)

os barulhos do mundo
com passarinhos vermelhos,
são quatro e meia da
manhã,
são sempre

quatro e meia da manhã,
e eu escuto
meus amigos:
os lixeiros
e os ladrões
e gatos sonhando com
minhocas,
e minhocas sonhando
os ossos
do meu amor,
e eu não posso dormir
e logo vai amanhecer,
os trabalhadores vão se levantar
e eles vão procurar por mim
no estaleiro
e dirão:
“ele tá bêbado de novo”,
mas eu estarei adormecido,
finalmente, no meio das garrafas e
da luz do sol,
toda a escuridão acabada,
os braços abertos como
uma cruz,
os passarinhos vermelhos
voando,
voando,
rosas se abrindo no fumo
e
como algo esfaqueado e
cicatrizando,
como 40 páginas de um romance ruim,
um sorriso bem na
minha cara de idiota.

poema nos meus 43 anos

(Tradução: Jorge Wanderley)

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida—
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.

uma palavrinha sobre os fazedores de poemas rápidos e modernos

(Tradução: Jorge Wanderley)

é muito fácil parecer moderno
enquanto se é o maior idiota jamais nascido;
eu sei; eu joguei fora um material horrível
mas não tão horrível como o que leio nas revistas;
eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais
que não me deixará fingir que sou
uma coisa que não sou —
o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa
na poesia
e o fracasso de uma pessoa
na vida.
e quando você falha na poesia
você erra a vida,
e quando você falha na vida
você nunca nasceu
não importa o nome que sua mãe lhe deu.
as arquibancadas estão cheias de mortos
aclamando um vencedor
esperando um número que os carregue de volta
para a vida,
mas não é tão fácil assim—
tal como no poema
se você está morto
você podia também ser enterrado
e jogar fora a máquina de escrever
e parar de se enganar com
poemas cavalos mulheres a vida:
você está entulhando a saída — portanto saia logo
e desista das
poucas preciosas
páginas.

outra cama

(Tradução: Pedro Gonzaga)

outra cama
outra mulher

mais cortinas
outro banheiro
outra cozinha

outros olhos
outro cabelo
outros
pés e dedos.

todos à procura.
a busca eterna.

você fica na cama
ela se veste para o trabalho
e você se pergunta o que aconteceu
à última
e à outra antes dela…
é tudo tão confortável —
esse fazer amor
esse dormir juntos
a suave delicadeza…

após ela sair você se levanta e usa
o banheiro dela,
é tudo tão intimidante e estranho.
você retorna para a cama e
dorme mais uma hora.

quando você vai embora é com tristeza
mas você a verá novamente
quer funcione, quer não.

você dirige até a praia e fica sentado
em seu carro. é meio-dia.

— outra cama, outras orelhas, outros
brincos, outras bocas, outros chinelos, outros
vestidos
cores, portas, números de telefone.

você foi, certa vez, suficientemente forte para viver sozinho.
para um homem beirando os sessenta você deveria ser mais
sensato.

você dá a partida no carro e engata a primeira,
pensando, vou telefonar para janie logo que chegar,
não a vejo desde sexta-feira.

Encurralado

(Tradução: Pedro Gonzaga)

bem, eles diziam que tudo terminaria
assim: velho. o talento perdido. tateando às cegas em busca
da palavra

ouvindo os passos
na escuridão, volto-me
para olhar atrás de mim…

ainda não, velho cão…
logo em breve.

agora
eles se sentam falando sobre
mim: “sim, acontece, ele já
era… é
triste…”

“ele nunca teve muito, não é
mesmo?”

“bem, não, mas agora…”

agora
eles celebram minha derrocada
em tavernas que há muito já não
frequento.

agora
bebo sozinho
junto a essa máquina que mal
funciona

enquanto as sombras assumem
formas

combato retirando-me
lentamente

agora
minha antiga promessa
definha
definha

agora
acendendo novos cigarros
servido mais
bebidas

tem sido um belo
combate

ainda
é.

Confissão

à espera da morte
como um gato
que saltará sobre a
cama

sinto terrivelmente por
minha esposa

ela verá este
corpo
duro e
branco

vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:

"Hank!"

Hank não
responderá.

não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.

quero
no entando
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado

que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas

e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:

Eu te
amo.

Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?

Nos últimos e dramáticos acontecimentos, perdi uma magnífica oportunidade de ficar calado.

Quando o primeiro espertalhão encontrou o primeiro imbecil, nasceu o primeiro deus

Dizem que quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito.

Assim, desajeitados,
Carinho ocasional
Sem projeto final
Nem sonhos à distância
Sem sombra ao sol,
Também sem ânsia,
Soneto (a meu modo e maneira)

Apenas companheiros de estrada
Ruas, valas, alguns quintais,
Dias, noites, noites e dias,
Sol e chuva ocasionais
Vamos.
Onde as paralelas se encontram,
Lá,
Nos separamos.

Poeminha de Louvor ao "Strip-tease" Secular

Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;

Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:

Quase nuas.

E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno

Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!

Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão, a internet, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto.

Que foi isso, de repente? Nada; dez anos se passaram. Não diga! Se somaram? Se perderam? Algumas relações se aprofundaram? Se esgarçaram? Onde estávamos? Onde estamos? E... aonde vamos? O tempo, em lugar nenhum e em silêncio, passa. É inegável - todos temos mais dez anos agora. Ainda bem, poderíamos ter menos dez. Tudo nos aconteceu. Amamos, disso temos certeza. E fomos amados - onde encontrar a certeza? Avançamos aqui materialmente, ali não, nos realizamos neste ponto, em outros queríamos mais, algumas coisas tivemos mais do que pretendíamos ou merecíamos - mas isso é difícil de reconhecer. Perdemos alguém - "Viver é perder amigos". No meio do feio e do amargo, no tumulto e no desgaste, tivemos mil diminutos de felicidade, no ar, no olhar, na palavra de afeto inesperado, que sei? Espera, eu sei. É a única lição que tenho a dar; a vida é pequena, breve, e perto. Muito perto - é preciso estar atento.

Desculpe a meninada, mas fomos nós, da nossa geração, que conquistamos a permissividade. Claro, vocês não têm a menor idéia de como isso era antes. O que se fez, depois de nós, foi apenas atingir a promiscuidade, o ninguém é de ninguém, o não privilegiamento de nenhuma pessoa como ser humano especial (amor). Mas, quando qualquer um vai pra cama com qualquer um, sem nenhum interesse anterior ou posterior (no sentido cronológico!), uma coisa é certa reconquistamos apenas a animalidade. Cachorro faz igualzinho. E não procura psicanalista.

SEM MARGEM A DÚVIDAS

Se você ainda mantém
A intenção moral-visual
De só encarar homens de bem
Segue este meu conselho:
Sai da rua,
Vai pra casa,
Tranca a porta
E quebra o espelho.