Coleção pessoal de ingridcsb

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Poema de aniversário

Procurei no dicionário,
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:

"Aniversário: espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado."

Minha melhor opção é ser só, sem ninguém.
Melhor do que ser só opção de alguém.

Não sei se te falaram, mas se você estivesse comigo, você seria mais feliz. Deu na TV, no horóscopo e nos livros que ando lendo.

O telefone grita e eu logo penso ser meus amigos novamente. Trancado num sábado inteiro, detestando a TV, os insetos, as manchas na parede da sala e, cada vez mais, amando o meu sofá, meu cão e o cheiro de casa desarrumada. Mas aí eu atendo e é ela. É, ela com teu tom de voz misterioso e com um jeito de, só pelo telefone, já saber que eu não almocei direito, que eu nã
o corto minhas unhas e que minha barba está por fazer há dias. “Quero te ver”, ela diz. “Venha”, eu resmungo.

Ela diz que está vindo e eu já começo a arrumar a casa, a cara e até penso em dar um banho no cachorro. Espalho alguma essência pela sala, abro as janelas e tento, da minha forma torta, disfarçar qualquer solidão que me acompanha nesses dias de junho. Ela chega, sobe e o porteiro nem avisa mais. Abre a porta que insisto em deixar aberta e me pega de surpresa olhando CDs legais. Me pede para colocar Pink Floyd e deixar rolar a tal "nossa música". Eu sorrio e tento disfarçar qualquer vontade de agarrá-la de saudade.

Começa a tocar “Wish you were here” e eu digo que escolhemos uma música muito ruim para o nosso caso. Ela diz que tudo é real em nosso pseudo-relacionamento e que canções de saudades nunca saem de moda. Eu desconverso, numa eterna tentativa de não deixá-la saber que canto como um louco esta nossa canção em noites de frio, vodca e cânhamo.

Ela se deita. Elogia minha coleção de cervejas importadas e diz que meu cachorro precisa passear um pouco. Depois, transamos, trepamos ou algo assim. Tudo, menos amor. A gente se ajeita no sofá-cama, na blusa flanelada, no edredom velho e nas rodas de ciranda. Mas nunca no “amor”. Amor é palavra besta que fugiu do nosso dicionário e uma ilha desconhecida que não pertence ao nosso mapa-múndi.

Ela volta aqui como quem nunca saiu. Como quem brinca de se esconder em meus vinis. Como quem se veste dos meus quadros. Como quem se disfarça nos meus livros. Volta aqui sabendo que irá embora de novo. Ela sempre vai. Sempre vem. Volta com novidades e se vai com meus beijos e algumas queixas por tuas ausências. Nós seríamos um ótimo caso de amor veraneio. Mas sem as juras eternas de saudade e com a distância inventada.

Se gosto de alguém, todas as outras ficam em preto-e-branco e sem sal. Como se daltonismo não fosse um problema da vista, mas, sim, uma mensagem que o coração manda quando já está ocupado pelas cores de alguém.

"Mulheres nervosas precisam de espaço. Mas precisam de presença também. É confuso, eu sei."

Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho
Vivo tranquilo, a liberdade é quem me faz carinho

A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho.

Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis.

Meu coração tá ferido de amar errado.

Acho espantoso viver, acumular memórias, afetos.

É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado.

Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém.

Quem diria que viver ia dar nisso?

Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir. Voltar, depois, quase impossível.

Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável.

Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.

A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro.

Lúcifer e os lúcidos

"Lúcido deve ser parente de Lúcifer
a faculdade de ver deve ser coisa do demônio
lucidez custa os olhos da cara."

Estou embriagada pelos novos poemas de Viviane Mosé. Esta é só uma palhinha de Pensamento Chão, um livro essencial nesses tempos em que já sabemos que não convém circular de Rolex por aí, já sabemos que certos políticos nunca ouviram falar em honra, já sabemos que o verão vai ser sufocante e só nos resta olhar um pouco para dentro de nós, o único lugar onde ainda encontramos alguma novidade.

Essa visão inusitada que Viviane nos oferece sobre lucidez, por exemplo, é um convite para a reflexão. Em tempos insanos, de tanta gente maluca por vaidade, maluca por juventude, maluca por dinheiro, maluca por poder, os lúcidos destacam-se pela raridade. São aqueles que não inventam personagens de si mesmos, não se trapaceiam, não criam fantasias, ao contrário: se comprometem com a verdade. E se envolver assim com a transparência dos fatos requer uma integridade diabólica. Para olhar o bicho nos olhos é preciso ser bicho também. Enfrentar a verdade é quase um ato de selvageria.

Mas que verdade é essa, afinal? É aí que o demônio apresenta sua conta, pois o lúcido tem que se confrontar com uma verdade desestabilizadora: a de que não existe verdade absoluta. Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo. Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado. O lúcido organiza sua loucura, acondiciona o que está solto no ar, interliga várias idéias independentes para que, agarradas umas nas outras, não se dispersem, estejam ao alcance da mente. Quanto mais o lúcido pensa, mais percebe que lucidez plena não existe, o que existe são suposições, algumas até coerentes, o que nos mantêm no eixo. Lúcido é aquele que sabe que lucidez é uma falácia, e não pira com isso. Recebe a conta das mãos do demônio, calcula os ganhos e os prejuízos, e paga. Custa sim, Viviane, os olhos da cara, esse vício de pensar e repensar, pensar e compensar, pensar, pensar, pensar e morrer do mesmo jeito. Por isso achei tão interessante seu poema. Você matou a charada: Lúcifer é uma espécie de padroeiro dos lúcidos - e lúcido é só um outro nome para louco. O louco que tem a cabeça no lugar demais.

Não quero trocar ideias - ou almas.

Crer é muito monótono, a dúvida é apaixonante.

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui para satisfazer as dela.

Temos que nos bastar. Nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.

As pessoas não se precisam, elas se completam. Não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Pessoas são interessantes só na minha imaginação. A partir do momento que elas passam a ter vida própria, sinto vontade de jogá-las pela minha janela.

E você não sabe quantos sorrisos eu já dei só de pensar em você.

Tem coisas da gente que não são defeito nem erro: são só jeito da gente ser.

Quando todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso.

Toda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então,
esta regra também tem exceção e deve haver, perdida por aí,
uma regra absolutamente sem exceção.

O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece.

Poesia exploratória a você

Quem alisa meus cabelos?
Quem me tira o paletó?
Quem, à noite, antes do sono,
acarinha meu corpo cansado?
Quem cuida da minha roupa?
Quem me vê sempre nos sonhos?
Quem pensa que sou o rei desta pobre criação?
Quem nunca se aborrece de ouvir minha voz?
Quem paga meu cinema, seja de dia ou de noite?
Quem calça meus sapatos e acha meus pés tão lindos?
Eu mesmo.