Coleção pessoal de HermesFernandes
Trégua
Chega o momento em que
o que se quer é uma trégua
Hastear bandeira branca,
Cessar fogo, acordo de paz
Sobra o lamento de que
o que se impõe é uma régua
Exigências de quem banca
Dita o jogo, faz e desfaz
O melhor procedimento é que
se ande a segunda légua
Mesmo com a justiça manca
O pedagogo sabe o que faz
Pode até parecer covardia
Um desprezível pedido de arrego
Então, diga por que outra via
Se poderia garantir o sossego?
E se eu te disser que vitória
se conquista é na rendição?
Se eu te disser que a história
Não passa de uma versão?
A de quem venceu no grito
Que impôs suas verdades
O dito pelo não dito
Ditadura de vaidades
Quem ergueu bandeira branca
Não se rendeu por render
Sua esperança não se estanca
Jorra sob o manto do poder
Se infiltra nas engrenagens
Percorre caminhos sutis
Flui quieta pelas margens
Incólume entre os hostis
Mais forte que tanques de guerra
É o sonho teimoso de um povo
Que o ciclo de ódio encerra
Gestando em si um mundo novo
Viva e deixe viver
Já sabe a desculpa que dará a si mesmo?
Como lidar com a dor de ter deixado a vida escapar?
Quanto tempo perdeu atirando a esmo?
Não ouse pensar que você vai se safar
E se quem você foi um dia viesse de súbito lhe visitar?
Que surpresa teria ao verificar no que você se tornou?
Se aquela criança lhe fitasse os olhos sem desviar
Vergonha ou orgulho teria do sonho que lhe forjou?
Não me venha com esta de que a vida é uma questão de sorte
Não escolhemos os sonhos, são eles que nos elegem
E o pior pesadelo não tem a ver com o medo da morte
Mas descobrir que não fez jus aos princípios que à vida regem
Viva e deixe viver, eis um princípio a que me refiro
Ame e deixe-se amar, é sem dúvida aquele que eu prefiro
Se tiver que se arrepender, então, faça-o sem paranoia
Arrepender-se para valer não é lamento, mas metanoia
Expansão da consciência. Desistir? Uma pinoia!
Quanto mais na companhia de quem ama e lhe apoia
A propósito, qual foi mesmo a última vez
que você fez algo pela primeira vez?
No pain, no gain
Te encontrei quando cheguei
Mas você não era minha
Assustado, estrebuchei
Sem saber logo o que vinha
Não demorou até que alguém
lhe apresentasse enfim a mim
Quer saber, nem lembro bem
se falou grego ou latim
Desde então, vira e mexe
Não importa onde esteja,
Você sempre aparece
Como taça na bandeja
Por uma noite apenas
Ou por dias a fio
Umas vezes, só acenas
Outras, pareces no cio
Vai chegando devagar
Como quem nada pretende
Cá estou a ofegar...
Quem me ouve não entende
Tudo fica tão intenso
Nem respeita minha pressa
Mesmo frágil, sempre penso
Quem tão ágil que lhe impeça?
Sempre me tira do sério
Faz-me suar e até gemer
Dos meus lábios, impropérios
Sem juízo, sem querer
Em busca de alívio
Xingo, uivo, esperneio
Não lhe quero em meu convívio
Nem mesmo que a passeio
Pra perdê-la de uma vez
Hei de perder meus sentidos
Sem a minha lucidez
Meus botões são iludidos
Fora isso, só um jeito
Livrar-me do que lhe provoca
Assim sendo, dito e feito
Ou ser comida de minhoca
Certas vezes você vem
muito bem acompanhada
mas humilde, fica aquém
sua presença é ofuscada
Tô pra ver quem lhe detém
Quem lhe ganha na jogada
Sim, já sei: No pain, no gain!
Indolor é fazer nada
Cê dedura o que há escondido
Que me devora sem alarde
Não sei nem o que teria sido
Se me contasse bem mais tarde
Sinto ter lhe desprezado
Não ter lhe dado ouvido
De quanta coisa fui poupado
Sem nem ter me apercebido
Que ingrato sei que fui,
toda vez que me atingiu
Pois sensato é quem conclui:
Coisa pior de mim fugiu
Não me julgue por ciumento
Mas detesto lhe ver com alguém
Ao ouvir o seu justo lamento
Por respeito minha voz se detém
O que pra mim é insuportável
É ser a causa de você estar ali
Por mais que incomparável
Seja a alegria ainda por vir.
Posso até lhe suportar
Com você ir mais além
Mas me recuso lhe causar
Nem por mal, nem para o bem
Gemidos da criação
A terra treme
Os mares rugem
Nossos tesouros viraram ferrugem
De nossa cidade restaram escombros
Nossa coragem tornou-se assombro
Os ventos são Seus mensageiros
anunciando “tudo é passageiro”
Desta mudança, o que virá?
Nossa lembrança, como apagar?
Não é o fim dos tempos
Como alguém sugere
Seus pensamentos não há quem altere
A natureza está gestante
A hora do parto virá num instante
Tragédias são as contrações
a despertarem os corações
Em sua defesa quem clamará?
e com gentileza a conduzirá?
Os seus gemidos se intensificam
nossos anseios se multiplicam
Afinal… o que será?
Nosso futuro não será abortado
Todo este mundo será restaurado
Estou seguro, Deus não volta atrás
Em um segundo, Ele pode, Ele faz
Mas Ele conta com aquele que crê
que em meio a tragédia é capaz de ver
Disposto a trabalhar
sem duvidar
que o Renovo virá
e não tardará
o Renovo virá
Não tardará
O Supremo Obstetra
o parto fará
Novo céu, nova terra
à luz trará
O Amor entre os povos
triunfará
A Justiça do Reino
se implantará
Obsoleto – 28/4/2016
Lá vou eu, sem despedidas
Arrastando-me, numa marcha que descarta
Galopes de quem tem pressa de chegar
Ateu de deuses homicidas
Resta-me esta graça que me farta
Trafego a estrada que me aparta
Ao sabor do que o destino reservar
Corajoso, do chão me afasto, me articulo
Ajusto o foco ou me anulo
Só vejo tudo se inverter
Urgência aqui é algo nulo
Lamento o quanto me estimulo
O sol parece não vencer
Beirando a morte, ninguém sequer se intrometa
Obcecado por uma vida obsoleta
Retiro-me a fim de me metamorfosear
Bocejando enquanto rompo a mureta
Olhando firme a silhueta
Lampejo de um novo mundo a explorar
Estreio um novo ser sem etiqueta
Tal qual, meu sonho é só gorjeta
Abro as asas para da liberdade desfrutar
O GRITO DOS BRAVOS
Onde se testou nossa bravura?
Onde se esgotou a vã doçura?
Onde se expôs tanta loucura
Capaz de destilar tão vil agrura?
Não, não foi nos campos de batalha
Onde o ódio se esvai, fogo de palha
Como nos tornamos desumanos?
Tão sagrados, tão profanos.
Tão sensatos, tão insanos.
D’onde vêm os gemidos que ouço?
Ecos vindos de um frio calabouço
Nada excede a frieza e a feiura
De quem covarde aos seus dedura
Que beleza pode haver na captura?
Na verdade extraída sem lisura?
Requintes de crueldade
"Espero poder ajudar a levantar os mil que caírem ao meu lado, e os dez mil prostrados à minha direita. Somente isso justificaria o fato de não haver sido atingido."
SEM PERDER A DOÇURA
Não me deixe perder a doçura
Não se apague de mim tal centelha
Que a raiz de qualquer amargura
Nem me faça franzir a sobrancelha
Não me deixe enganar por quem jura
Mas esconde de mim o ferrão
Se deixar de fazer o meu mel
Sobra tempo para até ser cruel
Não me deixe perder a postura
Quem protege a colmeia é o zangão
Que com toda a sua bravura
Sua melhor ideia é ação
Só reflexo, sem reflexão
Tão complexo feito um bufão
Como o alfa de uma alcateia
Sua vida é guardar a colmeia
Mas colmeia existe pra quê?
Senão pra oferecer o seu mel
Inundar o paladar de prazer
Adoçar até lábios de réu
Eu não passo de uma abelha
Pelo néctar sempre à procura
Na doçura da flor se espelha
Para nunca perder a ternura
Sem colmeia se vive ao léu
Ao sabor de qualquer aventura
Liberdade é feito um troféu
Só pra quem tem jogo de cintura
O beija-flor é atraído pelo perfume das flores. O abutre pelo fedor da carniça. Quando vemos urubus sobrevoando um terreno, o que podemos esperar encontrar lá?
Não há intimidade sem liberdade, nem liberdade sem confiança, nem confiança sem conquista, nem conquista sem amor.
Adoraria perceber que os cristãos valorizam tanto os ensinos de Jesus quanto valorizam Sua Pessoa e Sua obra salvífica. Tenho dificuldade em admitir que Ele é Salvador e Senhor de quem não seja também Mestre.
Inquietação
Quem nunca sentiu saudade de ter saudade?
Quem jamais sentiu culpa por não se sentir culpado?
E quem não se arrependeu de haver se arrependido?
Quem se orgulhou de não ter do que se orgulhar?
Quem se sentiu vencido por haver vencido?
Quem se envergonhou de se envergonhar?
Quem já se esqueceu de se esquecer?
Quem se viu triste por estar alegre
ou alegre por poder se entristecer?
Quem ignorou o quanto ignorava?
Quem soube que não sabia?
Quem achou que havia achado?
Quem desistiu de desistir?
Quem não desejou desejar?
Quem não odiou odiar?
Quem não amou amar?
Assim como a Verdade em Cristo, a mentira também se faz carne quando dissimulamos o que realmente somos ou simulamos ser o que jamais fomos.
Há verdades sanduíches. Duas fatias de verdade recheadas de mentira. A premissa é verdadeira, a conclusão também, mas o caminho tomado é falacioso.
Há raciocínios verdadeiros construídos a partir de premissas falsas. Há raciocínios falsos construídos a partir de premissas verdadeiras. A verdadeira verdade tem que ser verdadeira do início ao fim.
A maioria das mentiras é filha do amor próprio. Geralmente, mente-se para se promover ou para se preservar. A verdade nos liberta de tal sentimento, na medida em que nos remove dos ombros o fardo de ter que provar algo a alguém.