Coleção pessoal de gisekrav
Presentes diários
Lembro na casa de minha avó, que existia uma sala de visitas. Nós, crianças, não podíamos brincar lá. Aliás, não fazíamos refeições lá também apesar da grande mesa. Quando em família nem os adultos lá comiam. Era um espaço reservado para as visitas. Que sinceramente, nunca vi sendo usado, porque as tais visitas nunca apareceram enquanto eu estava por lá. E no ambiente havia enfeites, sofás, cristaleira, tudo muito bonito, preparado para receber as tais pessoas, mas nada realmente funcional ou, na minha opinião, agradável. Era uma fachada de coisas bonitas mas inúteis, que estavam ali acho apenas para impressionar os outros.
Interessante como muitos de nós têm essa mania de reservar em nossas casas e em nossas vidas aquilo que só será usado com as tais visitas. São louças, talheres, salas inteiras, reservadas para os outros.
Mas isso não é só em coisas da casa. Tenho amigas que compram jóias caras para usar só em festas, só para os outros verem. E são apaixonadas por suas jóias, mas as deixam guardadas na caixa, para os dias “especiais”.
Bem, eu nunca entendi muito isso.
Penso que seríamos muito mais felizes se aprendêssemos a agradar à nós mesmos e àqueles mais próximos de nós, e a fazermos coisas pelo simples prazer de as vivenciarmos. Essa idéia de termos que aparentar mais do que curtir o nosso dia a dia me parece receita para o insucesso pessoal e familiar.
Uso os cristais sempre que me dá vontade, organizo minha casa para que todas as salas sejam de estar, não de visitas. Voto que devemos dividir com quem amamos o melhor de nós, não com estranhos.
Não é realmente proveitoso reservarmos espaços apenas para aparências. Compro jóias se pretendo usá-las no dia a dia. Não as compro para guardá-las no armário. Organizo minha casa para que meu filho possa nela brincar com segurança, mas para que tenha a liberdade de usá-la da maneira que mais lhe fará feliz.
O cuidado excessivo com coisas nos tira de foco o que realmente importa: as pessoas.
Os sofás, os enfeites, isso tudo pode ser reposto. Se gastar, compra-se outro. Pior seria terminar os dias com os objetos novos em folha, jogos completos de tudo, mas sem ter aproveitado. Sem ter dividido momentos de felicidade com a família e com os amigos. Ricos em contas bancárias, mas pobres em experiências e oportunidades aproveitadas.
Aprendi com meus pais a viver e não apenas acumular coisas. À gastar com aquilo que nos dá prazer, ainda que para os outros pareça besteira. Viagens, carros, brinquedos de crianças e de adultos... Aprendi à guardar para ter segurança financeira mas não me tornar vítima do trabalho e do dinheiro.
Porque no final, o que resta se tornará herança para alguém. E quem sabe essa outra pessoa lhe dê algum valor. Quem sabe jogue fora. Por isso, não fique guardando o melhor de você para os outros verem só nas festas. Aproveite a vida e as coisas. Todos os dias. Aprenda a ser feliz com o que você tem. E lembre-se: Não existe aparência mais bonita do que a da felicidade!
Isso de entregar-se por inteiro às misérias de cada dia que passa é coisa inconcebível e intolerável para mim...precisamente um lutador é quem mais tem que esforçar-se para ver as coisas de cima, caso não queira encarar a cada passo todas as mesquinharias e misérias..., sempre e quando, naturalmente, se trate de um lutador de verdade...
Eu não existo sem você
Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você
Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor...
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior...
Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu...
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!
Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim...
Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!
Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, - quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim...
Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
- não tens culpa se te amo... se me iludo,
se a vida para mim é que foi má...
Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga...
Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
- pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for...
Pensa que tudo foi uma tolice...
Só mais tarde, bem sei, - compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor... que não direi jamais!
Notícias ruins, bons resultados
Esses dias, num seriado, vi uma frase que me impressionou: “notícias ruins nos fazem sofrer momentaneamente, mas a esperança é paralisante.” Na idéia apresentada, esperança é ruim, notícia ruim é que é bom.
Que inversão, certo? Mas se pararmos para pensar e colocarmos no contexto, até que o personagem tinha razão.
Em nossas vidas existem momentos que temos que deixar coisas para trás. É triste, é sofrido, mas termina. O encerramento de certas histórias é indispensável para criarmos espaços para coisas novas. Sejam elas relacionamentos, empregos, vínculos de qualquer tipo.
A "morte" de uma situação significa uma oportunidade de recomeço.
Mas às vezes, a querida e bem cotada esperança nos mantém enlaçados à pessoas e coisas que já não deviam mais estar ali. É a famosa idéia de tentar sempre, ainda que na infinita só “mais uma vez”... E a má notícia, aquela que anuncia o fim, essa nos liberta.
Nada como um grande acontecimento, um momento marcante, ainda que ruim, para nos dar aquele último empurrão, aquela força para irmos em frente e pararmos de olhar para trás.
É o Big Bang da vida. Explode-se o conhecido, surge o novo!
Só que muitas vezes ficamos tão envolvidos com a idéia de consertar tudo que não temos a coragem de iniciar a explosão. O mundo então nos dá uma forcinha. São as más notícias atuando em nosso favor. Mas sejamos justos, as boas notícias também podem ter essa vocação transformadora.
Uma promoção, uma vitória, uma loteria, o início de um novo ano, enfim, qualquer motivador serve, desde que seja para nos levar para frente.
E entenda-se, aqui não estou falando de desistir. Perceber o fim não é fraqueza. Somente os fortes enfrentam as derrotas de forma proveitosa e criadora. Os fracos se contentam, se acomodam, e seguem no mesmo caminho, insistindo nos mesmos erros, porque mudar dá medo. Escolher outro caminho, repaginar a vida, reorganizar projetos não é desistir. É aprender, é crescer.
Portanto, concordo plenamente. Em muitos casos, a esperança é ruim, amarra-nos. E a má notícia, essa nos liberta.
AS RAZÕES QUE O AMOR DESCONHECE
Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes do Ettore Scola, dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de
viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine al pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem namorado?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do Cupido do que por uma ficha limpa.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele só escuta Egberto Gismonti e Sivuca. Não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama esse cara? Não pergunte pra mim.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou-a para conhecer sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano-Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.
Julho de 1998
Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
Eu carente sou insana
Eu malandra sou fresca
Eu seca sou vazia
Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
Eu santa sou gelada
Eu salgada sou crua
Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
Eu à toa sou tua.
Strip-Tease
Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".
Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."
Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".
Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: "Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.
Um bom professor percebe que ele também é um estudante e seu objetivo não é impor respostas, mas estimular a criatividade.
[A religião é] um sistema de doutrinas e promessas que, por um lado, lhe explicam os enigmas deste mundo com perfeição invejável e que, por outro lado, lhe garantem que uma Providência cuidadosa velará por sua vida e o compensará, numa existência futura, de quaisquer frustrações que tenha experimentado aqui. O homem comum só pode imaginar essa Providência sob a figura de um pai ilimitadamente engrandecido. Apenas um ser desse tipo pode compreender as necessidades dos filhos dos homens, enternecer-se com suas preces e aplacar-se com os sinais de seu remorso. Tudo é tão patentemente infantil, tão estranho à realidade, que, para qualquer pessoa que manifeste uma atitude amistosa em relação à humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar essa visão da vida. Mais humilhante ainda é descobrir como é vasto o número de pessoas de hoje que não podem deixar de perceber que essa religião é insustentável e, não obstante isso, tentam defendê-la, item por item, numa série de lamentáveis atos retrógrados.
Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
~ Soneto 35 ~
Não chores mais o erro cometido;
Na fonte, há lodo; a rosa tem espinho;
O sol no eclipse é sol obscurecido;
Na flor também o inseto faz seu ninho;
Erram todos, eu mesmo errei já tanto,
Que te sobram razões de compensar
Com essas faltas minhas tudo quanto
Não terás tu somente a resgatar;
Os sentidos traíram-te, e meu senso
De parte adversa é mais teu defensor,
Se contra mim te escuso, e me convenço
Na batalha do ódio com o amor:
Vítima e cúmplice do criminoso,
Dou-me ao ladrão amado e amoroso.
Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.