Coleção pessoal de geradotinoco
A vida novamente bateu a minha porta
Para mostrar quem era.
Levou toda a minha tranquilidade
Que pensei ter conquistado para sempre.
Ela bateu a minha porta
Tomou conta da minha energia
Para mostrar de perto o meu drama.
Eu, homem formado,
Deitei na cama como um menino.
Porém, naquele momento,
O tempo tinha me levado muitas pessoas
Nem colo eu tinha
Olhei para a única coisa que me restava:
Uma janela.
Através dela eu vi o lixeiro,
Vi o vendedor e uma pessoa que atravessava a rua.
Num primeiro momento, tive pena da minha fragilidade.
Mas, a força da fé e da honra me fez levantar.
Com a humildade apreendida,
Pude fazer como homem:
Que mesmo sem saber o que fazer
Escuta seu coração
Sem perguntar por que bate.§
Você que faz do ponto de ônibus
A sua sala de estar
Dos pedestres
Estranhos dentro de sua casa
Você que deseja
E não pode ter
Você que não tem idade para contrapor aos instintos corporais.
Você, sem tempo para semear sabedoria
Você que teme por sua saúde
Não tem em quem confiar e para onde ir
Você de sorriso banguela
De esperança cansada
Você de olhos sem brilho
Você medroso do assalto
Você que é parte do futuro
Você a quem o tempo não pertence
Você que vive só do presente
Você que não sonha
Você que deseja morar numa próxima estação
Que machuca sem saber
Você que é só pedra
Pra quem não quer te ver.§
O meio fio
Que divide em dúvida a lembrança
Faz do homem um romeiro
O azedume
Fê-lo sério em brincadeira
Crente no in-crível
Ele acredita na vida velha
Deseja que sua tigela
Apague da barriga a ideia da fome
Na última estação
O passageiro espera
Que passe trem
Chamado esperança.§
Queria continuar um poema de Gullar
A Adélia falou que não,
Deixou claro que no trem não cabia,
Era sentimento demais.
Drummond concordou,
Falou que José era um chato e não gostava de passeio.
Pessoa chegou com Eros
E mostrou para Camões, que estava cansado do amor.
Neruda tentou ajudar,
Mas Wilde, com toda rebeldia,
Fez o poema correr.
Blake, com sabedoria,
Capturou tudo num pincel
E me deu de graça e sem explicação.
E eu flertei com a tinta,
Por causa de um sorriso. §
Nasci
Nu da razão
Tenho muito para agradecer
A tantas pessoas.
Vestiram-me com amor
Com a arte da paciência
Ensinaram-me
Sobre a luz e as trevas
Ensinaram-me a caminhar
Gastaram seu tempo
Tempo é vida
E a cada gasto
Um pouquinho a mais que se morre.
Tenho tanto para agradecer
A tantas pessoas
Que sou o que sou
Graças a boa intenção
De muitos.§
Achei tudo muito infantil
Porém em um mundo onde os dados são jogados as escuras
O ato pôde ser tolerável§
O infinito
É mais que finito
Para quem sabe sonhar
As estrelas são contáveis
Para quem tem tempo
Para imaginar
É de cegar os olhos
Tanta massa e concreto
E velocidade
Da uma felicidade
Ir para o meio do mato
E saber que elas estão sempre ali
E sempre estiveram
Ganha-se tempo
Para perdê-lo
Que prazer enorme
Parar para recontar
Quantas estrelas tem no céu.§
Meu casamento veio com as águas de Março
Escondido dos ventos de Abril
Protegeu-me do frio de Maio
Velou-me pelo solstício de Junho
Meu casamento se desfez na secura de Julho
Sofri pelo azar de Agosto
Ensaiei meu primeiro sorriso com os brotos de Setembro
Dancei com as primeiras gotas de chuva de Outubro
Renovei minhas esperanças em Novembro
Rezei todo Dezembro
Em Janeiro renasci
Em Fevereiro encontrei um novo amor
Meu casamento veio com as águas de Março.§
A memória
É a coisa mais linda
Quando guardada e relida
Pelo coração
Sobre o passado
É depositado um sentimento
Quando olho para os olhos da memória
Vejo um amor que já foi vivo,
Fisicamente,
E hoje é vivo eternamente.
Quando olho novamente para seus olhos
Sinto saudade e gratidão,
Qual é o preço para recompor um segundo?
O que a memória faz de graça,
O universo não faz gastando mil estrelas.§
João e o Oceano
Nasci com o sorriso do meu pai
E nos braços da minha mãe.
Ela teve que ir embora cedo,
Disseram que foi cuidar de uns anjos lá no céu.
Quando criança, aprendi a trabáia,
Aprendi a ser forte até quando o corpo não aguenta o peso do esforço.
Parei de contar as gotas do meu suor
Quando toda aquela água represô e virô um rio.
Meu pai não se demorô pra ir embora
Fiquei triste, mas aliviado em saber que minha mãe tinha uma companhia.
Não aprendi a ler porque não tive tempo,
E o pouco que me restava mal dava pra descansar à noite.
Ai, quando tudo pareceu ficar sem sentido
Apareceu uma companheira, trabalhadeira igual eu.
Não tinha medo de pegar pesado
E o rio dela se encontro com o meu.
A gente era jovem quando arrumamos um emprego
Na fazenda de um sinhô.
Tínha casa e trabaio não faltava.
A pele da cara tava tão grossa que nem o sol a gente sentia mais.
Eu fui feliz e sabia.
A dignidade me deu filhos
E ao contrário dos pais, eles foram para escola,
Depois para a universidade.
Nuunca tiveram que trabaiá até então.
Eu acostumei a dormir pouco e fazer o dinheiro render.
Nas férias dos estudos, eles nem vinham nos visitar
Colocavam a culpa no tédio
Dizem que roça num tem festa
Ficô eu e minha muié, de novo, sozinhos.
Tenho medo do tempo passar
E às vezes penso que meu pai e minha mãe
Estão em algum lugar a me esperar.
Mas sabe de uma coisa?
Nessa altura, juntando todo o meu suor com o da minha muié
Já dá pra fazer um oceano
Que deixo pros meus filhos
E o azul é tão bonito
Que dá até vontade chorar.§
Mergulho neste azul
De sentimentos
Afogo-me
Neste oceano
Bravo
Com o pouco ar que me resta
Mergulho mais fundo
Bem no fundo
De um lugar que ainda desconheço
Não sei o por quê
Para onde ir?
Mergulho
Mergulho
Mergulho
Não tem chão
Tampouco fundo
Por todos os lados
Uma linha infinita
Que não alcança a visão
Por ser bom jogador
Contrariar as possíveis regras da física é um bom movimento
Não tem nenhum lugar, qual rumo?
O combustível é só de ida (não tem volta)
Melhor é adiante
Rangem os dentes
Os músculos viram pedras
O rosto toma uma só expressão
Mais fundo e mais fundo
Demasiada é a pressão
É preciso continuar
Mais fundo
Mais fundo
Mais fundo
Já não preciso do ar
Fico bem
Os pensamentos são desnecessários
O Azul toma conta de todo meu corpo
Aquele mar bravo que me falava grosseiramente
Agora é manso
Chegamos!?§