Coleção pessoal de FrancisIacona
Troque as correntes que lhe dão segurança por uma livre caminhada lado a lado, somando cada instinto e cada perspectiva.
Não precisamos ser medrosos, claro, mas devemos saber que o medo é uma defesa que nos mantém a salvo das possíveis agressões do mundo que nos cerca. Ou seja: o medo nos informa. Por isso, temos que aprender com ele e nos manter no ponto de equilíbrio entre a coragem e a prudência.
Para o marinheiro, há algo mais perigoso do que o canto da sereia. O silêncio é pior para aquele que conhece demasiadamente bem o caminho, já que seu rumo se torna previsível e ele pode dormir, fazendo o navio encalhar.
O tempo passa e o mundo parece cada vez menor para nós... Teríamos deixado de nos identificar com o papel que representamos nele?
Crescemos e nos damos conta de que nosso ambiente continua tão estreito quanto antes. O jeito é procurar outro ambiente adequado à nossa medida.
“Ai de mim!”, disse o camundongo, “o mundo está ficando menor a cada dia. No início era tão grande que me assustava, eu tinha de estar sempre correndo e correndo, e ficava contente quando via muros distantes à esquerda e à direita, mas essas paredes se estreitaram tão rapidamente que agora estou no último cômodo, e ali no canto está a ratoeira em que irei cair.” “Você só precisa mudar de direção”, disse o gato, e o comeu.
Ainda percebo atitudes do falso eu em muitas áreas da minha vida. Com um grupo de amigos ajo de determinada forma e, com outro, comporto-me de maneira bem diferente. Por que é assim? Por que não ajo do mesmo jeito com todos? Por que não consigo ser eu mesmo? É porque ainda existe uma máscara, uma couraça que tenta manter distância, proteger-se para não ser ferida.
Na parábola abaixo, contada por Cristo, acho que o homem rico condenado ao Inferno, não era, pelo fato de ser rico, um homem perverso. Observe que ele pede a Deus que mande alguém (Lázaro ou algum dos mortos) à sua casa para alertar seus familiares a não seguirem seu exemplo e ter o mesmo destino. Ora, quem está na pior e sem esperança de sair da situação que é definitiva, não pensa no bem de quem quer que seja, pelo contrário, parece ter satisfação em ver outros desgraçados chegarem para fazer-lhe companhia. Seu pedido espontâneo em favor dos familiares ainda vivos demonstra que era capaz de amar seus semelhantes. Condenado em primeira instância ele merecia uma segunda instância...
O RICO E O POBRE - 19 «Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e dava banquete todos os dias. 20 E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à porta do rico. 21 Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E ainda vinham os cachorros lamber-lhe as feridas. 22 Aconteceu que o pobre morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico, e foi enterrado. 23 No inferno, em meio aos tormentos, o rico levantou os olhos, e viu de longe Abraão, com Lázaro a seu lado. 24 Então o rico gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque este fogo me atormenta’. 25 Mas Abraão respondeu: ‘Lembre-se, filho: você recebeu seus bens durante a vida, enquanto Lázaro recebeu males. Agora, porém, ele encontra consolo aqui, e você é atormentado. 26 Além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, nunca poderia passar daqui para junto de vocês, nem os daí poderiam atravessar até nós’. 27 O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa de meu pai, 28 porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não acabem também eles vindo para este lugar de tormento’. 29 Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os profetas: que os escutem!’ 30 O rico insistiu: ‘Não, pai Abraão! Se um dos mortos for até eles, eles vão se converter’. 31 Mas Abraão lhe disse: ‘Se eles não escutam a Moisés e aos profetas, mesmo que um dos mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos’.» (Lucas, cap.16)
Ser. É o mais importante de tudo, já que a vida é um relâmpago entre as trevas que nos precederam e as que se seguirão a nós. Devemos aproveitar nosso momento de luz.
O ser indestrutível. O que habita em nós e não se pode destruir? Talvez a resposta se encontre no provérbio indiano que diz: “Só possuímos aquilo que não se pode perder em um naufrágio.”
Libertar-se. É soltar o lastro de tudo aquilo de que não necessitamos para existir, prescindir das correntes que não se baseiam no afeto ou na cooperação, superar o vício da opinião dos outros.
Da importância do Crer:
Se confiarmos em nossos próprios recursos e na existência em si poderemos viver com sentido e realização.
Mesmo nas mais graves situações, temos a possibilidade de não nos deixar levar e manter intacta nossa dignidade e nossa liberdade interior.
Pode-se arrancar tudo do homem, menos uma coisa, a última das liberdades humanas: a escolha da atitude pessoal diante das circunstâncias que vão definir seu próprio caminho.
"Ao despontar a aurora, faça estas considerações prévias:
Depararei com um inconveniente, com um ingrato, com um insolente, com um mentiroso, com um invejoso, com um solitário. Tudo isso lhes acontece por ignorância do que é bom e do que é mal. Mas eu, que observei que a natureza do bem é o belo, que a natureza do mal é o vergonhoso, que a natureza do pecador é parente da minha própria natureza, porque participa não do mesmo sangue ou da mesma semente, mas da inteligência e de uma parcela da divindade, não posso sofrer dano de nenhum deles, pois nenhum me cobrirá de vergonha; nem posso zangar-me com meu parente nem odiá-lo […]. Agirmos, pois, como adversários uns dos outros é contrário à natureza. E o fato de manifestar indignação e repulsa é atuar como adversários". (Marco Aurélio, imperador)
Quando nos sentimos perdidos em um mar de dúvidas e inseguranças, o problema pode estar em fazermos as perguntas erradas.
[Para alcançar a sabedoria basta] “escutar, estar tranquilo, silencioso e solitário. Livremente, o mundo se oferecerá a você sem máscara, sem escolha, se abrirá em êxtase a seus pés”.
Cometi o pior dos pecados que um homem pode cometer. Não fui feliz. Que as geleiras do esquecimento me arrastem e me levem, sem piedade. Meus pais me engendraram para o belo e arriscado jogo da vida, para a terra, a água, o ar, o fogo. Eu os decepcionei. Não fui feliz. Não cumpri sua vontade. Minha mente se dedicou às perfídias da arte, que tece inutilidades. Legaram-me coragem. Não fui valente. A sombra de minha infelicidade está sempre ao meu lado." (texto extraído do livro "Kafka para sobrecarregados" de Allan Percy, atribuido a Jorge Luís Borges)