Coleção pessoal de Flama
Aqueles que se amam e são separados podem viver sua dor, mas isso não é desespero: eles sabem que o amor existe.
De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)
Dormir com alguém é a intimidade maior. Não é fazer amor. Dormir, isso que é íntimo. Um homem dorme nos braços de mulher e sua alma se transfere de vez. Nunca mais ele encontra suas interioridades
Toda a vida acreditei:
amor é os dois se duplicarem em UM.
Mas hoje sinto: ser um é ainda muito.
De mais.
Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada,
Ninguém no plural.
- Ninguéns. -
BIOFAGIA
É vitalício: comer a Vida
deitando-a entontecida
sobre o linho do idioma.
Nesse leito transverso
dispo-a com um só verso.
Até chegar ao fim da voz.
Até ser um corpo sem foz.
Para Ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
SAUDADE
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
Alguns homens você precisa de anos de Rivotril pra esquecer. Outros, um dia de vermífugo já resolve.
E não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi.
Conto De Fadas.
Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Com que sarei a minha própria dor.
Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...
Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.
Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa de conto: "Era uma vez..."
Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir – esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade
Tenta Esquecer-me
Tenta esquecer-me...
Ser lembrado é como evocar
Um fantasma... Deixa-me ser o que sou,
O que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão a mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
As imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!
Afinal, se coisas boas se vão é para que coisas melhores possam vir. Esqueça o passado, desapego é o segredo!
Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu...
Era um dêsses sentimentos puros que não embaraçam a marcha da vida, que se conservam porque são raros, cuja perda ocasionaria dor maior que o regojizo da posse.
Acabou pensando nele como jamais imaginara que se pudesse pensar em alguém, pressentindo-o onde não estava, desejando-o onde não podia estar, acordando de súbito com a sensação física de que ele a contemplava na escuridão enquanto ela dormia, de maneira que na tarde em que sentiu seus passos resolutos no tapete de folhas amarelas da pracinha custou a crer que não fosse outro embuste da sua fantasia.