Coleção pessoal de FabricioHundou
RE(VOLTA)
"Por enquanto, vão encontrar apenas um grande oco, um eco que sai do esôfago sem esforço e charme algum. Eu só volto quando ganhar mais quilos, quando a lua nascer no meu umbigo e os meus cabelos tocarem os mapas nos meus joelhos. Algum calendário quer me abraçar."
SURRA POÉTICA
Levei uma surra poética
Que me fez menos osso
E menos patética
Que me pôs a chorar em rimas
E soluçar em soluções salinas
Que não me fez nobre
Nem pobre
Apenas apanhei das letras
Lapidei a carne com certezas
Uma surra surreal
Que me fez pingar
Até a vela apagar
E escurecer tudo
Em pleno dia
TRATANDO DE MIM
"Quando se trata de mim, eu mesmo dou um trago e dano a boca a falar ainda qu'eu tenha medo, da criança que nina entre os meus dedos, acordar e não parar de sonhar. Livrai-me, Deus, dessa doidice. Eu tenho medo dela contar como dançam tristes as lembranças do meu último sorriso. Isso não é segredo - eu duvido. E me tratando, sempre me curo em outro beijo ou na falta de juízo."
ESTAÇÃO
Em algum vagão
Enrijeço a minha nuca de desdém
Não vago em vão e não alugo peito
Não penso em mais ninguém
Só num pronto-abraço que me espera
Na estação mais farta que a primavera
Aonde o meu desembarcar
Pisa efêmero nos trilhos
Em que vou descarrilar
O meu breve juízo
Outra vez
TRAVESSO
"Quero um peito travesseiro, que cheire a capim-limão, em que se possa atravessar o mundo inteiro - ser onde sonho e faço de chão. Desejo que, qualquer planeta que orbite ao redor de mim, deixe o medo para o fim ou até que a lua volte. Subirei em minhas sobrancelhas para ver o meu amor passar naquela rua, até o gosto me vir à boca, e eu sorrir sem respirar. Pois, do ventre donde que saí, hoje há parreiras e vinho etílico. Preu - que sou travesso - já não o meu lugar."
Fabrício Hundou
SALVADOR
"O sal tempera a carne negra, fosca, a pele crioula exala algum cheiro. Nada se repele no caminhar ligeiro dessa gente provida. Usam dendê e fazem cor e corais para as luzes que flambam os dias em temperaturas tão mais elevadas que, do alto, enxergam as léguas do amor egresso. Nesta cidade, meu bem, em cada rua que entro a sombra do vento é que me guia às pupilas de mães, pais e filhos órfãos - cujos sotaques têm o mesmo timbre das marés altas. Aqui, o farol acende o seu riso, me salvaguardando de toda a dor."
C(ÉU): SOL É TEU
"Trocaria os meus óculos pelos teus ósculos. Minha boca dando eco, um abismo a dentro, hospeda uma saudade em paredes de mucosas rosas - divide a inflamação com o sol que quara as tardes sem ti. Tenho o dom da melhor promessa. Quero misturar as cores de todos os céus que já vi. Voarei sem pressa e cantarei com os bem-te-vis".
LIVRO EM PELE
Em frente
Ou inversos
Leia
Da primeira
À última pele
Releia-se
Da primeira
À última
Pele
Frente
Verso
DORES NO VARAL
"Desta vez, os degraus são de vento e, na queda boçal, quem me ampara é o tempo. Sem saber o que me dói, fiz o nome dele perpassar por entre os dentes, fazer um deserto em toda falta de saliva. Mesmo macio, disto fiz a minha dor. Ele - todo e próprio - é muita razão para a alegria que me pendura nos varais mais altos da extensão da vida. Perdoe por culpar o vento - é apenas amor."
FUTURO DE ALUGUEL
Me diga qual é o preço
Para morar no futuro
Que é pra ver se eu parto
Ou continuo com tudo
Me diga quanto quanto é
Já faz tempo
Eu estou pronto
Se custar mais alguns dias
Vou nem que seja
Pra alugar
ALFA(F)ETO
Quem colocou as letras
Em ordem
Metodizando a distância do "A" ao "Z"
Por favor me ajude
Pois pra esse amor
Eu não sei mais
O que dizer
AS ÂNCORAS VOAM
"Passa um navio, na minha avenida, navalhando - em garatujas - todo o piso que se estende. Navega sem levantar poeira, mas se anuncia em buzinadas de timbre marítimo, tão alto que, quem grita, só se ver por lágrimas. Nele, que nunca lhe disse antes, agora embarca o único que sabe bem dos meus segredos. No entanto, se o segredo vai embora, já não há de se existir. As âncoras voam, lá vai o meu peso se partir. E se, desse remorso, ainda houver motricidade, que seja para que o meu navio só naufrague quando chegar ao céu."