Coleção pessoal de FabricioHundou
BRASILIENSES
Abram suas rodas
Desarmem os braços
Afetem-se por abraços
Sem medo de quem chega
Tampouco de quem vai embora
Poupem-se de logradouros
Perguntem o ofício da alegria
Olhem o céu dos meus olhos
IDADE
"Sou eu quem zombo da minha própria insanidade; quem mais lapida cada volta de minhas curvas, morros e penhascos. Sou dono e proprietário único - do que for e vier. Envelheço, todo domingo, nesta cidade: o mar só me traz saudade."
AQUÁRIO
Pose de conforto
Piano de chuva
Os vultos da minha rua
A tosse de um carro
A vida desses livros
Tomam conta do meu quarto
ERIÇO FÁCIL
Preto,
Não te encostes
Qu'eu sou de pólvora
Pavio de músculos trançados
Em mim
Circuita todos os volts
Eriço fácil
Dou ombro e peito
A sorrisos como os teus
RACIONAMENTO
A mingua atinge a todos
Que se declaram meus vizinhos.
Nalgum dia dos dias
Falta água em minha casa.
Quem tem sede,
Já não encontra torneira aberta
Em meus olhos.
Donde sou,
Racionamento não poupa
Nem a quem não tem.
Como eu que,
Desde que o calendário
Ganhou ligeireza,
Não ajunto
Em meu corpo
Nada que não seja tão meu,
Nenhum grão.
Mesmo no tempo em que me falta,
Sob horário de verão,
Ganho e perco horas.
Nem bolso eu tenho
Pra guardar poliqueixosos.
Não entesouro mágoas,
Tampouco guardo águas,
Pra tomar e lavar as dores
De amores
Que só a vida
Há de lhe
Economizar.
O CARNAVAL DA CAPITAL
"Vista sua fantasia, saia de sua Satélite, procure uma vaga próxima para estacionar. Olha o selfie! - quanta alegria. O Carnaval de Brasília vai começar. Não economize no purpurina meu bem, pois, de mixarias, nesta folia é o que mais tem. Ainda tem o vizinho, amigo de escola, inimigo de Facebook, o ex-professor e você – que, de longe, os avistou e apenas pensou. Não quis a ninguém cumprimentar. Afinal, se ébrio está, é melhor se controlar, tal como o limite dos decibéis que só ecoam com um alvará. Abram vossas rodas de amigos e grupelhos típicos, caros brasilienses. Vamos lá! Abram espaço, a ala da AGEFIS vai passar. A marchinha do relógio não é lenta. Pontualmente, à meia noite, o som vira hiato, a luz se apaga, a serpentina acaba e temos de ir a outro lugar. 'Entrepassando' pelos foliões, ouve-se a nítido e claro som: “se fosse em Salvador...”. A fantasia não é para tanto. Entre prantos e poucos beijos, eis o Carnaval da capital – o bonito é se encaretar."
GOELA
GOELA
"Os meus braços balançavam.
Como um pêndulo,
Os meus braços balançavam.
Remando em antagonismos,
Meus barcos não iam,
Nem voltavam.
Meus olhos vasculhavam:
Do embrulho no estômago
Aos mares das pálpebras.
E o meu cais virava caos,
Revirava todo o chão do mundo
Até achar sementes,
Raízes, ramas ou, somente,
As palavras enterradas
A sete palmos
Em minha goela."
ELAS POR ELAS
Das mulheres que se perdem
Em teus lençóis,
Eis, em teu colo,
A única que lhe faz
Cama, chão e torpor
A mulher em teu colo,
Pede com sede,
Cada janela dos teus olhos,
Elas são elos,
Mas, só uma,
Geme sem dor
A mulher em teu colo
Cruza ventos e suspiros
Para ter os teus ósculos;
Ela sabe a rua do ir e do voltar
É sujeito de seu próprio verbo,
Sujeitando-se ao delírio e
à doidice
De comprar horas
Pra te amar
LER-ME É LEI
"Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui.
Cursivo,
Bem grafado,
Devidamente acentuado.
Todavia, gramaticalmente
Despenteado.
Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui
E agora, consegue?
Não conseguiu.
Tá amuado,
Sabe que até um desvairado vê,
E idem o pobre iletrado.
Deixe-me chegar mais perto...
Fique parado!
Não afrouxe as córneas,
Não pule palavras.
Minha couraça em páginas...
Leia lauda por lauda.
Ainda não consegues?
Fiquemos bem!
É tudo esboço,
Se tá turvo,
Não tá borrado.
Tobogãs venosos
Escorrem ´liquid paper´.
Omiti ou tá apagado.
Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui.
Há muita luz em mim,
Não sou de fins,
Muito pouco de abismo.
Se não consegues me ler,
É miopa - ou astigmatismo."
CIDADES ONÍRICAS
"Gosto de tudo o que sou, enquanto caminho para o sono, naquele instante de repouso em que sou apenas mais um tom de vulto. Sou bom em ouvir vento varrendo ruas, em pensar na turbulência dos acasos e em fugir de insônias autorais. Refaço as costuras dos panos que me embrulham, em pensamentos desajuizados, desenfreados. Quando, por fim, durmo, acordo em cidades oníricas e tomo café da manhã com a minha bendita inconsciência."
CAIXA DE FÓSFORO
Pobre deu que sou de calores
Fervor, cama, leito e aconchego
Fui me atear nesse mundo de dois vértices
Sem saber
Que pro meu fogo
Gente desse bioma
Se esquiva
Pobre de quem não é febril
Perde a fé e o brio
De se inflamar nesses meus braços
Sem saber
Que nessa caixa de fósforo
Nem espirro
Eu posso dar
CHEIRO SEM NEXO
Quando chove em minha casa
Telha exala as horas
Eu não sei que horas são
Em espelhos de janela
Ladro ao primeiro vento que vier
A chinela emborcada
Desde que deitei
Testou minha fé
Ninguém sabe a oração
Se amanhã eu parir só rimas
Minhas metáforas
Adestradas pela vergonha na cara
Virão abraçar as tuas silhuetas
E na mesma cena e palco
Saberá que o equilíbrio ensaboado
Escorregou do meu meu corpo
E foi parar no ralo
Pelos logradouros que passou
Deixou o rastro
Não promete retornar.
Ai, que cheiro que deixou...!
SONS SEM GAIOLAS
Ali, naquele galho retorcido
Repousam pássaros
Em ninhos ornamentados
Pequenas flautas com asas
Por si, são embelezados
Pelo torpor da existência
Ali, átrios e ventrículos se contorcem
O som tem insônia
O eco toca campainhas em hiatos
Sem perturbar nenhum átomo
E, a melodia mais bonita, foi cantada
Com saudade
Se conseguir ouvir
Diga-me que SIMbemol
Um par de asas
Um par de orelhas
Batem com muita fugacidade
Para ouvir a tua voz
O teu sorriso é um piano completo
Cada tecla me desafina
Me retoca o batom
Sei que meu pássaro logo passará
Esteja isento de ingressos
Ingressa-te livremente
No paraíso dos meus sons
Onde não há serpente
Nem maçãs
Só há pássaros vermelhos
Que passam nos meus lábios
E entram em espelhos
Espanto os corvos bons
Não me deixe em pausas
Contorça-me em teus tons