Coleção pessoal de Fabio02
Como eu gosto de gente com emoção, que ri alto, que chora, que vibra, que exterioriza espontaneamente, que não represa sentimentos, que grita, que surpreende. Gente apática, antipática, faz mal, gente exageradamente comedida, um poste, um poço, extremamente formal. Gente estúpida, grossa, que engrossam as fileiras dos rabugentos, abomino. Gente delicada, educada, que se comove, que pede perdão ao mesmo tempo que a gente, não tem preço. Gente gente, não uma pretensão, uma prepotência, de muita fala e pouca ação.
Se a gente se entristece muito, fica deprimido; se se preocupa demais, fica ansioso, estressado; se nada acontece fica entediando e pode ficar deprimido ou estressado. Complicado.
TIA MARIA
Minha tia Maria, uma figura! Um dia minha irmã resolver dar a ela, no seu aniversário, uma televisão pequeninha, que dizer era o menor tamanho na época, daquelas antigas do Paraguai, que só tinha em preto e branco que eu saiba, que os muambeiros traziam. Minha tia, que morava sozinha e não tinha, agradeceu pela lembrança nessa data querida, mas, disse que não queria... ? A TV era muito pequena, tela deste tamanhinho, coisa e tal, ia querer não, estava muito agradecida pela lembrança, de coração, mas, que ela vendesse, rifasse, mas não ia ficar. Se ficasse deixaria num canto, não assistiria, não ia ter serventia.
Às vezes, quando eu comento por ai, as pessoas ficam escandalizadas, chegam a perguntar se era ela doida. Ai eu pergunto o que você faria? Os caras dizem: - Sua tia não soube nem fazer. Receberia e guardaria, mesmo não gostando, e daria depois de presente a outro, numa futura festividade igual, de parabéns. Ai eu pergunto: - E se quem presenteou perguntasse depois pela TV? Respondem: - Ótima! Que imagem, Ô! Todo dia eu assisto, diriam, desenrolados. (Santa hipocrisia, tia Maria, perdoe-lhes eles não sabem o que fazem!).
Uma vez tia Maria foi morar numa casa alugada na Bomba do Hemetério, dias depois, descobriu que na casa em frente a sua vivia, melhor, vegetava, uma senhora em cima de uma cama, olhos fixos no teto, vitimada por derrame, num estado total de penúria, abandonada. Ali mesmo fazia as necessidades fisiológicas, imaginem vocês, em cima da cama, tava tudo irritado. Descobriu que ela tinha parente próximo o marido que já vivia com outra e morava na casa ao lado da sua, o proprietário de sua casa Condoída, tia Maria, procurou o marido da moribunda esposa e propôs cuidar dela em troca da inserção do aluguel e de um prato de comida unicamente, nada mais, era enfermeira inclusive. Ele aceitou. Tia Maria passou então a cuidar dela e foi morar na casa em frente. Passava um pano úmido nas partes, já que ela não podia se locomover ao banheiro, botava talco pra ficar cheirosa, trocava as roupas e ficava ao lado daquele ser inerte,"tudo só quer zelo", dizem. Até que um dia, como acontece com todos, bons e maus, sadios ou não, vir a falecer, devido as complicações do mal que ao corpo a aprisionava definitivamente. Uma coisa não se pode negar, tia Maria era uma mulher de atitude e personalidade
DIÁRIO DE BORDO
Tudo é um milagre cotidiano, inesperado, se olhamos com olhos de um menino, nesse instante nascido, como um estrangeiro de um país distante, descobrindo nuances, detalhes, paisagens, pontos turísticos que já nos acostumamos. Tudo agora podia não ter acontecido, ser um vácuo inimaginável, improvável, um breu impenetrável. "Faça-se a luz"... Um dia alguém apertou um mega interruptor e tudo acendeu, ganhou cor, aspecto, contornos, formas definidas, ficaram palpáveis, visível no inimaginável caos. Outros dizem que foi uma explosão ao acaso, um acaso inteligente, um acaso parecendo algo, uma explosão sem pólvora que só serviu pra acender a velha questão de quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha. Sendo assim, o que gerou a bomba de Hiroshima? Já pensei em comprar um saco de bombas em festa junina e solta-las no quintal uma a uma, umas cem talvez, cem tentativas... E ver o que sai. Uma lagartixa correndo, uma barata queimada, uma minhoca derretendo, escorrendo numa pasta gelatinosa. Um ser asqueroso qualquer, alguma coisa que se mova. Asqueroso... A propósito, só mato baratas em ultimo caso, dentro de casa, numa luta franca, ela ou eu, melhor dizendo. Na rua deixo-as passar, não as piso... Tudo é vida, é pulsar, é dor, é prazer, é cor, é algo que não foi feito a esquadro, nem lixado, pintado, já estava lá. O homem só faz imitar o que vê na natureza. O avião tem a forma de um pássaro, senão nunca voaria, nem pousaria com graciosidade, aerodinâmica, dizem os “inventores”. Um famoso cientista Stephen Hawking, considerado o mais novo Einstein, diz que existem outras dimensões, gente igual à gente noutro canto, gente que já se foi daqui e continua lá, replicando, resistindo, existindo. Vultos que saem do nada, mas, não são fantasmas, fantasmas não existem, diz ele, alguém de outra dimensão, que resolveu passar por aqui, dar um olá e dimensionar-se de novo. Já se admite até a possibilidade de destino, "teoria do caos", uma sucessão de acasos que concorre pra uma conclusão, que obedece a um padrão, um comando qualquer. É que as coisas não são tão simples assim de explicar, a vida surpreende, às vezes: um tsunami, uma enchente, um asteroide a cair na Rússia... E foge ao controle de quem pensa que pode tudo, que a tudo pode explicar. Tudo tem uma razão de ser, uma poça d’água suja na rua, estagnada, tá viva, é um microcosmo, um universo em profusão, é um verso sujo a incomodar nossa estética dominante, determinante. Tudo é perfeito, sincronizado, os dias e as noites, não atrasam, nem adiantam, mesma hora todo dia, tudo é percebido, pouco explicado. Não pedimos pra nascer, fomos aqui lançados. Reparo tudo às vezes, viajo, pelas janelas dos meus olhos como se aqui nunca estivesse estado.
Não entendo de solitude, só entendo de solidão. Solitude é gostar de sua própria companhia, se bastar, dizem. Não vejo graça nisso, não vejo risco, muito cômodo ou incomodo. Gostar de mim próprio eu já gosto desde que nasci. Conquistar, isso é motivante, envolvente, estimulante, dialogar, encontrar-se, dividir, compartilhar, interagir, se perder no outro, também se achar, somar. Trocar experiências, risos, descobrir o encanto noutro canto, se encantar. Medo de se entregar, se envolver, criar laços, se apegar, fingir-se ilha, fugir, isso sim... O homem não nasceu pra ser só.
Não me venha com indiretas, meias palavras, entrelinhas, que o tempo urge. Chegue logo, o tempo é agora. Sorver cada gota de orvalho nas folhagens, recolher miragens, depois verificar se é de verdade. Na duvida? A vida frequentemente nos trai, ora um bonito artefato, um arranjo florido atrás do muro nos atrai, distrai, quando vê, um murro na boca do estômago, ao virar a esquina. É toda hora uma corrida de obstáculos, aço congelando no sereno, paraísos e paraísos artificiais que inventamos, pra sobreviver, pra ver, pegar fôlego. Taí o sol lá fora, que não me deixa mentir, isso já seria suficiente, mas a gente quer mais, não temos o imediatismo dos animais, temos razão, sempre temos. Como se isso fosse uma vantagem, os animais são mais felizes porque não buscam, não esperam nada, não se desesperam, nem sabem da felicidade, são felizes e não sabem.