Coleção pessoal de Epifaniasurbanas
Ser pai é mais que um destino traçado; é uma missão tecida nos fios invisíveis do tempo. Não se trata apenas de perpetuar a vida, mas de adentrar as profundezas da própria alma, onde os mistérios da existência se entrelaçam com os laços do amor. Os filhos, esses seres que nos atravessam, não precisam necessariamente brotar de nossa carne, mas devem cruzar o nosso caminho, tocando-nos e sendo tocados por nós. É quando o belo se revela, quando o inesperado se concretiza, e almas destinadas a não ser acabam se tornando.
A paternidade é um processo singular, forjado no calor das alegrias e no frio das dificuldades. Reconhecido, sim, mas quase sempre silencioso, escondido nos gestos simples e nas palavras não ditas. Em cada uma das suas ações, os pais, com o seu jeito finito de ser Deus, nos revelam o Divino que se faz homem. Semelhante a Ele nas tangentes da vida, por vezes invisível aos olhos, mas sempre presente, sustentando nosso mundo.
Talvez o maior pecado dos pais seja a ausência, essa escolha silenciosa de prover o bem-estar que, paradoxalmente, impõe a distância. E assim, de herói a vilão, transita o pai a cada repreensão, a cada tentativa de moldar o caráter, sem perceber que, em sua finitude, é reflexo de algo maior.
No entanto, é justamente nesse dilema que reside a grandeza da paternidade. Pois ser pai é caminhar na corda bamba entre a presença e a ausência, entre o querer proteger e o precisar deixar ir. É viver no eterno dilema de dar o melhor de si, mesmo sabendo que o melhor nem sempre é suficiente. Divergir, e por vezes reconhecer que o ideal nem sempre é o necessário. Mas, acima de tudo, é aprender que a grandeza de ser pai não está na perfeição, mas no amor que, mesmo imperfeito, é capaz de construir pontes onde só havia abismos e de transformar o vazio em plenitude.
E assim, na vastidão desse papel, o pai descobre que ser grande é dissernir entre o estar perto e se fazer próximo, saber que, mesmo na ausência física, sua essência perdura, enraizada no coração e nas ações daqueles que, passaram e se eternizaram por ele.
A grandeza e o dilema de ser pai
Ser pai é destino, missão que se trama,
Nos fios do tempo, oculto, a se entrelaçar,
Não é só a vida que se deve perpetuar,
Mas a alma que, em silêncio, se inflama.
Os filhos, seres que nos atravessam,
Não nascem apenas do corpo, mas do sentir,
Cruzam nosso caminho, e ao nos invadir,
Transformam o vazio que em nós cessa.
É nesse encontro que o belo se revela,
Quando o inesperado faz-se em ser,
Almas que, de não ser, passam a viver,
Forjadas no calor que o tempo sela.
Paternidade, processo singular,
Feito de alegrias e de dor calada,
Reconhecida, mas quase sempre velada,
Nos gestos simples, nas palavras a silenciar.
Em cada ação, o pai, com jeito finito,
Revela o divino que em nós habita,
Semelhante a Ele, na tangente da vida,
Invisível, mas presente, o mundo infinito.
Talvez o pecado maior seja a ausência,
Escolha silenciosa que a distância impõe,
De herói a vilão, o pai assim se põe,
No desejo de moldar, com severa paciência.
Mas é nesse dilema que a grandeza reside,
Caminhar entre a presença e o deixar ir,
Dar o melhor de si, sem nunca mentir,
Que o amor, mesmo imperfeito, é o que nos divide.
E assim, no vasto papel que o pai assume,
Descobre-se que ser grande não é só estar,
Mas que, mesmo ausente, pode perdurar,
Sua essência, no coração que o resuma.
A Costura do Tempo
No concerto do tempo, onde a memória ressoa,
a roda da costura torna-se volante,
em mãos infantis, nervosas de esperança.
Ali, sob a mesa antiga de madeira,
um mundo se desenha em trilhas e trilhos,
na imaginação fértil que a tudo acolhe.
De ferro e linhas, nascem sonhos motorizados,
o silêncio da máquina transforma-se em estrada,
levando a alma a paragens nunca dantes vistas.
A cada giro, a promessa de um novo destino,
na simplicidade do brincar, a vastidão do universo.
Ah, os primeiros carros, feitos de nada
e de tudo que o coração de uma criança possui.
Éramos inventores, pilotos, aventureiros,
com um fragmento de mundo nas mãos,
tecendo histórias que o tempo jamais apagará.
A criança antevê a felicidade,
não espera que ela chegue para ser feliz.
Hoje, ao lembrar desse recinto sagrado,
onde o riso desafiava o impossível,
sinto a saudade suave como brisa estival,
acariciando o peito, evocando a magia
de quando podia costurar o tempo no chão da sala, meu infinito caminho.
Ansiedade em Verso,
A cada esquina da mente, dançam sombras incessantes,
A ansiedade, sutil, tece seus fios de inquietação.
É um labirinto íntimo, sem jardim, sem findar,
Onde o pensamento se perde em constante aflição.
O coração bate descompassado, respiração ofegante,
Cada instante, um mar revolto, turbilhão interno.
Na ânsia de um não ter querer, sincero.
A vida, peça onde sou figurante,
Interpretando o papel da busca pelo eterno.
Há dias em que o sol não aquece, apenas brilha,
E as noites são abismos de silêncio e dor.
A alma cansada, curva-se, vacila,
Na esperança de um alívio, um gesto de amor.
Mas, na tormenta, encontro força oculta,
Nos versos que escrevo, busco compreensão.
Na luta contra a maré, a alma exulta,
Descobrindo na poesia, a chave da libertação.
Assim, navego nas águas do ser, profundo,
Entre medos e sonhos, perda e ganho.
Na jornada de viver, só neste mundo,
Tentando, dia após dia, encontrar meu tamanho.
Carrego nas costas algumas décadas e, no peito, a certeza de que há muito a caminhar. Desejo ainda ser lido, mesmo depois de, enfim encontrar minhas origens. Até lá, espero que meus olhos pareçam mais sábios aos que me descobrirem. Não sou proprietário do que é meu. Tudo o que tenho e fiz só faz sentido se puder ser apropriado pelos outros, de alguma forma. Sou poeta, e a poesia não tem dono; cada um que a ressignifica torna-se coautor. Essa é a forma que encontrei para me tornar eterno, cada vez que for recontado.
Ecos de uma Nova Estação
É inverno, e sinto o frio se aproximar.
Há um sussurro gelado que dança nas folhas que restam,
como se as árvores se vestissem de ausências,
despindo-se de folhas, como almas diante do inevitável.
Suas sombras alongam-se,
guardiãs de um silêncio que só o inverno traz.
Os pássaros emigram,
levando sonhos e canções para terras distantes,
enquanto nós, aqui, envoltos em mantos e lembranças,
esperamos a temperatura cair,
como quem espera o nascer de um poema.
Os bancos do parque, agora vazios,
guardam histórias de verões passados,
memórias aquecidas pelos sorrisos que se foram,
tal qual lembranças escondidas em caixas de sapatos.
E há, sempre, a estátua do herói,
imóvel em seu bronze e sua glória,
silenciosa testemunha de nossa transição,
do calor para o gélido aconchego das novas manhãs.
Nas ruas, a pressa dos passos se transforma em lentidão,
como se o frio pedisse um compasso diferente,
um momento para refletir,
para sentir a terra e o tempo.
Internamente, ecos de uma nova estação.
Chove bastante aqui dentro,
venta forte e inverno-me.
Mas, ao invés de praguejar, varro as folhas caídas,
agradeço o beijo da brisa,
e tento preservar os galhos,
até o meu próximo florescer.
Além das Sombras de Ontem
Não me julgues pelo ontem,
onde sombras habitavam um passado distante,
como uma saudade que não sabe ser presente.
Não moro mais lá,
meu ser se desvencilhou das correntes antigas,
como a lua se liberta da noite.
Ao meu passado,
devo o saber e a ignorância,
as necessidades e relações,
a cultura que o moldou e o corpo que me guia,
como um rio que aprende a ser mar.
Não sou mais escravo de seus ecos,
nem de suas sombras persistentes,
que tentam se fazer eternas.
Hoje, sou um novo começo,
liberto dos grilhões que já me prenderam,
caminho firme na estrada presente,
sem olhar para trás, apenas em frente,
como um sonho que aprende a ser real.
Voei
Foi assim:
Coração acelerado, isso ocorreu perto das dez.
Quando o avião decolou,
eu subi junto.
A alma foi atrás.
Quanto mais alto ele ia,
menos medo eu sentia.
Foi a primeira vez que não me senti ameaçado pelo medo.
Abriu a porta,
12.000 pés.
Engraçado como tudo fica pequeno daqui.
Tudo fica...
Na aparente loucura causada pela adrenalina, fiz as pazes com a lucidez.
Saltei
e, mesmo no ar,
relutei.
Quando percebi que não tinha mais chão,
voei.
Logo, nós três éramos apenas um:
eu, a alma e o ar.
Engraçado,
tudo fica tão pequeno daqui.
De repente, um grito!
Mudo.
Apesar do maxilar travado, dava para sentir o eco reverberando em minha cavidade torácica.
Qualquer som silencia diante dos céus.
Engraçado como tudo fica pequeno dali.
Foi lá que percebi algumas coisas:
Que o amor não é gaiola e céu,
que é para o alto que nascemos
e que o colo de Deus é infinito.
Não foi salto,
foi entrega,
foi retorno.
Quando o sonho alcança o céu
A poeira atesta a vontade do chão
de ganhar os céus em sua lida.
A flor realiza-se em seu pólen vão,
pegando carona nas abelhas.
Seu fruto não nasce sem antes sentir
a suave sensação dos ares.
O mar aspira também aos céus,
nas ondas que se erguem e depois caem.
Cada gota sonha em ser nuvem,
renascer no ciclo eterno da criação,
flutuar e chover liberdade.
E nas noites claras, onde estrelas brilham,
meus sonhos se elevam em constelações,
buscando no alto o brilho eterno,
a essência pura das canções.
É quando o sonho alcança o céu.
Tudo que existe anseia às alturas.
Assim, meu coração entrega-se ao vento,
em versos que ao vento se lançam,
tentando tocar o infinito,
onde reside o teu pensamento.
Meu pensamento criou asas,
fez minha alma ao alto voar.
Minhas palavras, essas sim, caminham.
Por isso, no poema, quando você é o tema,
nunca sei se vou ou se voo.
Um aroma úmido,
um pequeno nada,
exala o singular cheiro de terra molhada.
Composto de chão de terra, britas e
fragmentos do cotidiano.
O perfume da chuva
tem aroma de óleo de sândalo,
restaura lembranças
ao passo que apaga os rabiscos do chão.
Perfuma o vento
no entardecer das cores,
limpa a lousa da calçada e da vida,
hidrata nossa esperança
e restaura nossos sonhos.
Fotossíntese
Assim que a vida floresce, dissipa-se a névoa,
Sentimento de raiz, movimento de folha.
Aprofunda-se na terra, água e sais. Embriaga-se e se perde em si.
No tocar dos raios, folha e fruto,
A luz que amadurece o verde,
Alimenta a distância. Clorofila.
As folhas umedecem as margens.
Deixe-as,
Em silêncio, crescendo.
A luz não carrega limites. Transcende e vira sentido. Sacralidade.
Para a savana de herbívoros pastando,
Alimento. Para um rio sem correnteza, Continuidade.
Serve de abrigo nas copas,
Sombra em seus meios.
Em feixes e cores, no desabrigo de Imagens encontra-se o manto verde.
Estrela
Ah,
como são belos esses fragmentos de luz própria
que insistem em brilhar mesmo já findos há muito.
Estrela,
enganas o tempo,
este que a tudo destrói menos teu brilho.
Tu,
luzeiro meu,
tal qual tapete celeste,
és aquilo que termina, mas em mim nunca acaba.
Entre águas e encantos
O Boto
Deslizando
Entre águas e encantos
Sigo navegando pelo Solimões
Não estou bicho nem homem
Estou
À tua espera
Num tempo
Suspenso na correnteza
Remos parados no momento
De tua ausência
Não preciso de rede
A me prender
Tua falta é corrente mais eficaz
A me segurar
Sou soma de encantos
Amontoado de lendas
Esperanças e sombras
Tudo o que me resta
Pesado numa balança
De um só prato
Seguindo
O curso de um rio de histórias
Não desisto
De te buscar entre as águas
Teu amor
É o que me leva a existir
A Virgem
Meus passos ecoam as margens do Rio Negro
Minha voz já é parte da floresta
Meu coração habita entre vitórias-régias
Busca-me
Perco-me em ti
Para me tornar inteira
O espetáculo
Na junção de nossas águas
Lenda viva
Amazonas
Existiremos
Como o encanto perfeito
Horizontal
Assim como o rio que rasga a floresta
Nossa fertilidade
Garantida
Na umidade dos dias
Ecos de canções
Rios, igarapés e os guardiões da flora serão testemunhas
Os peixes e as feras verão
Nosso mistério
Existo, existiremos
Apressa-te,
Leva-me
Para dentro da lenda
Amor à primeira vista, mistério súbito,
Que surge sem aviso, como um sopro,
E, de repente, tudo é novo e mágico,
Mas, ah!, quando só um sente, há um hiato.
No encontro breve, o coração se abre,
Um fio invisível que não se explica,
Mas às vezes só um ama, e o silêncio invade,
Do outro é um vazio que tudo avisa.
Ó amor, que nasce num único olhar,
E nos deixa, às vezes, perdidos no ar,
Na doce e dolorosa ilusão de um solitário desejo.
À margem, aguardo o repouso do rio.
Ao ouvir o murmúrio de suas águas, aquieto-me.
Sinto um amalgama de esperanças futuras
e temores imediatos.
Transbordo.
Rompo diques, mas nunca é o suficiente.
Estou exausto!
Reprimo-me.
Sustento um pequeno universo.
Será que algum dia alcançarei minha margem?
E, ao lá chegar, poderei finalmente descansar?
E, nesse merecido repouso, encontrarei
ouvidos ávidos por meus murmúrios, com o intuito de descobrir neles a sua própria serenidade?
À margem, aguardo o repouso do rio...
Esperança é um menino de pés descalços brincando entre nós. Não se contenta em esperar, mas age com a simplicidade dos pequenos gestos. Vive o presente como quem descobre um inseto no quintal, agradecendo ao passado sem se deixar aprisionar por ele. O passado é um rio. A vida segue. O futuro deve ser olhado com a calma de quem observa nuvens. Algumas coisas mudam com nossas mãos; outras, como o tempo, nos cabe aceitar. Isso é esperança.
Um passarinho na janela
Era uma manhã como tantas outras, quando minha atenção foi capturada por um pequeno pássaro que, com graça e leveza, pousou na janela de minha casa. O passarinho, em sua serena vivacidade, parecia trazer consigo um mundo de reflexões.
Suas asas delicadas tocavam o vidro com a leveza de quem afaga o próprio destino, e seus olhos, dois pontos brilhantes, refletiam a quietude de um espírito livre, como quem tem um céu inteiro dentro de si. A presença daquele pássaro revelou-se como um oráculo silencioso, sugerindo-me que a vida, em sua essência, é uma eterna contemplação do invisível.
Enquanto o passarinho perscrutava o horizonte, pensei nas vezes em que nós, humanos, presos em nossas angústias, deixamos de perceber as belezas simples que nos cercam. Ignorância é acharmos que pássaros, só porque têm asas, não caem ou que nunca descansam nos tapetes de Deus durante o seu percurso. Essa liberdade não tem nada a ver com invencibilidade.
O pássaro, em sua graciosa indiferença, ensinava-me a arte da quietude, a contemplação do instante presente, a sabedoria de viver sem pressa.
E assim, naquele encontro fortuito, compreendi que a janela não era apenas uma barreira física, mas uma metáfora da alma, uma passagem para a introspecção e para o entendimento do nosso lugar no mundo. O passarinho, ao pousar na janela, não apenas a tocava, mas convidava-me a abrir as portas do meu próprio coração para as sutilezas da vida.
O dia 14 de maio
Acordei, no dia 14 de maio, esperançoso de auroras resplandecentes. Liberto, sim, mas ainda preso. Meu nome, outrora oculto nas sombras da escravidão, ansiava por um reconhecimento que jamais parecia chegar. Caminhei pelas ruas, indiferentes à minha nova condição de homem livre. A liberdade, dizem, é a mais preciosa das conquistas; todavia, ela se apresentava como uma dama esquiva, vestida de promessas que não se cumpriam.
Eu, que trazia a senzala na alma, vi-me entre o cortiço e a favela. Estes novos lares eram apenas novas formas de cativeiro, onde as correntes invisíveis da miséria continuavam a me atar à dura realidade. Subi as encostas na esperança de um dia descer, mas a promessa de descida era tão ilusória quanto a liberdade conquistada na véspera. Sem nome, sem identidade, sem retrato, eu era um espectro vivo; do lema da bandeira, conheci apenas as vielas do progresso.
No dia 14 de maio, ninguém me deu bola. Tornei-me mestre na arte da sobrevivência, fazendo do trabalho árduo meu sustento em um campo onde o futuro se mostrava tão incerto quanto o destino dos muitos que, como eu, foram libertos na letra, mas não na vida. A escola, um sonho distante, fechava suas portas, negando-me a instrução necessária para ascender aos degraus da dignidade.
Minha alma, contudo, resistia. Meu corpo, acostumado à luta, sabia que o bom, o justo, também deveriam ser meus. A certeza de minha própria existência, de minha identidade, tornou-se a âncora que me impedia de sucumbir às tempestades da indiferença. Mudanças só nos anos; sinto que ainda vivo no dia seguinte à abolição.
Não culpe os ventos; são eles que possibilitam a contínua dança das flores. A chuva, além de lavar o ar e reviver o chão, é água que conta história. O escoamento das águas, sempre ignorado, é como o leito de um rio que sonha. E o luar, esse é o poeta dos mares, que escreve versos nas marés e determina suas próprias beiras e bordas. A natureza é fúria e afeto, início e fim. Importante para nós é aprender a viver em harmonia com os segredos das árvores e das pedras, pois quando o assunto é o meio ambiente, a única opção além de coexistir é desaparecer.