Coleção pessoal de EmOutrasPalavras
O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver o homem. (Bernardo Soares)
Sou, bem sei, uma voz que clama no deserto. Não se esqueça porém V. Ex.ª que a voz que clamou no deserto foi a que anunciou o Salvador.
Um artista forte mata em si próprio não só o amor e a piedade, mas as próprias sementes do amor e da piedade. Torna-se desumano devido ao seu grande amor pela humanidade — esse amor que o impele a criar a arte para o homem. O gênio é a maior maldição com que Deus pode abençoar um homem. Deve ser sofrido com o mínimo possível de gemidos e queixumes, com uma consciência tão grande quanto possível da sua divina tristeza.
(Aforismos e Afins)
Tao é eternamente silencioso, por isso realiza todas as coisas poderosas. É um silêncio dinâmico, como é o homem sábio, silenciosamente realizador.
Age pelo não-agir.
Haverá coisa mais frágil do que a água? Ela, que em pedra dura tanto dá até que fura? Onde não há água não há Vida; a Vida nasce e vive na água. Isso acontece até com as células do nosso corpo. A água é o símbolo da fraqueza poderosa, assim como a Vida é a onipotência da impotência.
Vida verdadeira é como a água:
Em silêncio se adapta ao nível inferior,
Que os homens desprezam.
Não se opõe a nada,
Serve a tudo.
Não exige nada,
Porque sua origem é da Fonte Imortal.
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Começar a existir como vivo é nascer, deixar de existir como vivo é morrer – mas o nascer e o morrer nada têm que ver com a Vida.
O vivo nasce quando emerge da Vida e morre quando mergulha novamente nessa Vida. A Vida é sem princípio nem fim, mas os vivos têm princípio e fim.
O nosso muito falar nos afasta de Deus, o nosso dinâmico calar atrai Deus a nós. Só quem se integra em Deus sabe o que é Deus.
Nenhuma inteligência analítica pode abranger a Realidade Infinita. Tudo que a inteligência explica, implica ou complica é desfeito, num instante, pela visão intuitiva da Realidade.
É importante manter a distância entre o governo e o povo. A democracia meramente horizontal é autodestruidora. Deve haver, na democracia, um princípio de hierarquia, de desnível; do contrário, o nivelamento entre governante e governados degenera em entropia paralisante – como um lago que não move uma turbina, porque lhe falta o desnível ectrópico da cachoeira. Sendo que o governo meramente democrático é o regime de ego para ego, sem nenhuma referência ao Eu, toda a democracia, sendo liberdade sem autoridade, acaba fatalmente num caos centrífugo, por falta de um princípio de coesão centrípeta. Verso sem Uno dá caos – somente Verso regido pelo Uno dá harmonia.
(sobre o cap.3 do Tao Te Ching)
Repressão é uma maneira de evitar o risco. Por exemplo, as pessoas são ensinadas a nunca terem raiva e acham que uma pessoa que nunca fica com raiva tende a ser muito afetuosa. Está errado. Uma pessoa que nunca fica com raiva também não será capaz de amar. Essas capacidades andam juntas, elas vêm no mesmo pacote. (O Livro dos Homens)
Não é realmente a tristeza que causa a dor às pessoas. É a interpretação de que a tristeza é errada que lhes provoca dor, e esta se torna um problema psicológico. Não é a raiva que é dolorosa. É a ideia de que a raiva é errada que cria ansiedade psicológica. É a interpretação, não o fato. O fato é sempre libertador.
(O Livro dos Homens)
Quando alguém reprime a verdade sobre si, ele se torna um impostor. E o impostor é apreciado pela sociedade. O impostor se transforma em santo, o impostor se torna o grande líder. E todos começam a seguir o impostor. O impostor passa a ser o ideal de todos. (O Livro dos Homens)
O homem só pode ser o que ele é, e nunca outra coisa. Uma vez aprofundada essa verdade, a de que “consigo ser apenas eu mesmo”, todos os ideais impostos desaparecem. Eles são descartados automaticamente. E quando não há ideal, encontra-se a realidade. Daí, então, os olhos estão voltados para o aqui e agora e, portanto, o homem está presente para o que ele é. A divisão desapareceu. O homem é um ser completo.
(de O Livro dos Homens)
Uma rosa é uma rosa, não há dúvidas de que seja alguma outra coisa. E a flor de lótus é uma flor de lótus. Nem a rosa tenta se tornar uma flor de lótus, nem a flor de lótus tenta se tornar uma rosa. Portanto, elas não são neuróticas. Não precisam de psiquiatra nem de qualquer psicanálise. A rosa é saudável porque simplesmente vive a sua própria realidade. E assim acontece com a existência como um todo, exceto com o homem. Apenas o homem tem ideais e deve fazer isso e aquilo. “Ele deve ser isso e aquilo”, e assim fica dividido contra seu próprio “ser”. “Dever” e “ser” são inimigos. E ele não pode ser nada que ele não seja. (de O Livro do Homem)
O inconformismo tem a vantagem de nos fazer sonhar e o inconveniente de, muitas vezes, transformar nossos sonhos em decepções.
O conformismo tem a vantagem de permitir que não nos estressemos mais do que o necessário e o inconveniente de nos deixar entediados.
Aqueles que conhecem seus limites e se ajustam a eles costumam ter uma vida saudável, mesmo que às vezes ela lhes pareça um tanto sem brilho. Os que ultrapassam os próprios limites podem conseguir coisas extraordinárias, embora a maioria desista no meio do caminho.