Coleção pessoal de Eliot

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Eu Sou o Último de Mim Mesmo -

Eu sou o último de
mim mesmo
que sucede a outro
que me habitou,
antecipado e frio,
sem vontade de viver!

Eu sou o último de
mim mesmo
que traz nas costas
o peso de um passado,
que ainda me persegue,
longo e rejeitado!

Eu sou o último de
mim mesmo
nascido de uma morte
de um veneno apetecido
de uma escrita indecifrável
vaga e baça!

Eu sou o último de
mim mesmo
o que vivi depois de mim
sem querer nem desejar
a Linhagem dos Poetas,
a rejeitada descendência!

Eu sou o último de mim mesmo,
o último depois de mim ...

O Sangue Apodrecido -

O Sangue apodrecido nas
minhas veias
não me deixa cantar a Alma!

Trago fome nos meus dedos.

O vazio que me veste o corpo
não me deixa amar a vida!

Mas outros dias virão...

Eu sou um moribundo!
Descalço de amarguras,
despido de ilusões.

Sou o batente de uma casa,
a baldraga de uma porta,
o erro de um ditado,
um verso por ser verso
que é tonto e rejeitado ..

Sonhos sobre o Mar -

Tantos são os sonhos que persigo,
Com eles, a ilusão de alcançá-los,
Só eu sei, na verdade, porque o digo,
Hei-de um dia, sobre o mar, deixá-los!

Vem o vento! Nas suas asas subo!
E ascendo ao anseio de voar-me ...
O sonho é voar! E isso é tudo.
A alegria de poder cantar-me ...

É longa a viagem do Poeta
Porque vem de fundos, longe de si,
Não sabe o seu destino, a sua meta,
E as suas ilusões não tem fim.

Talvez um dia possa ultrapassar
A vida que vai e vem sem jeito
Talvez possa pôr os sonhos sobre o mar
E guardar os versos no seu peito.

Poema Triste -

Há uma musica triste, distante,
um quase silêncio
que me toca no rosto
que me acaricia a Alma,
uma angústia fria e vaga
uma sombra profunda
um grito cansado
um destino por viver
um sonho por sonhar.

Há uma voz doce, presente,
uma quase alegria
que me envolve o coração
um triturar de gestos quentes
um quase vento de asas
um leve entendimento
uma breve lonjura
um poema que acaba de nascer!

Serei Sempre -

Serei sempre um pobre Poeta
sem destino,
um deserdado dos outros,
um esquecido, abandonado,
filho do silêncio
sem vontade de viver!

Serei sempre um triste
que só sabe fazer versos
com garras frias, contra a vida
negando o coração ...
Terra mordida de Sol ...
Noite vivida de Lua ...
Morto que procura a solidão ...

Confissões em Cruz -

Apetece-me gritar ao vento que
estou vivo! (Ou não ...)
Apetece-me gritar que não sinto
o corpo ...
A minha morte veio, agora, intima,
embebida em lençóis de madrugada!
Estou cansado ...
Minha cama, meu dossel, minha carne
junto ao osso, coração de marinheiro
afogado no mar alto.
Trago uma cruz ao peito!
Apetece-me chorar, dizer adeus e não
partir,
não ter que chegar a lugar nenhum ...
Mar de mágoas sem destino,
rio de sangue sobre pedras,
meu corpo, minhas veias,
Minh'Alma de Poeta!

Não deixes Mãe que me fechem os olhos -

Por trás de cada espelho há um olhar
Por trás de cada corpo há uma Alma
Por trás de cada ilusão há um sonho ...

Olha Mãe, quando a morte vier e
virá cedo,
não deixes fecharem-me os olhos
nem porem-me as mãos em cruz
sobre o peito.

Não pode a vida negar-se a quem a
Viveu - obscura - dia-após-dia ...

Quero ir de olhos abertos para a terra
com as mãos livres para os versos ...

Eu sei que hei-de morrer como quem vive!
Não deixes Mãe que me fechem os olhos!

Nos lábios e nos dedos -

Trago suspensa nos lábios
A palavra poesia,
Trago, na ponta dos dedos,
Todos os versos por escrever,
Nos olhos, trago estrofes,
Métricas, rimas e tercetos ...

Tantas quadras d'ilusão
Que na forma nunca rimam
Mas que enquadram um sentir
Vasto e profundo,
Cheio de sucalcos no caminho,
À beira de um abismo!

Existo p'ra sofrer em minha
Própria dor,
Destruo-me e renasço
A cada instante, para em seguida,
Voltar a morrer e depois a renascer!

Sou assim em cada verso!
Porque trago suspensa, nos lábios,
A palavra poesia e na ponta dos dedos
Todos os versos por escrever ...

Deixem os Poetas -

Deixem-se de palavras vãs
Aos ouvidos rebeldes
Dos poetas renegados!

O mundo está velho,
Os homens cansados,
A carne está gasta ...

Deixem os poetas ao vento.
Que gritem liberdade
P'ra lá dos muros da prisão!

A esperança perdeu-se,
A fé caiu por terra,
Não há sonhos nem vontades ...

Caem silêncios infinitos por
Sobre as Almas ...
E nada é verdadeiro além de
Sermos nós frente ao mundo ...
Porque só os poetas vivem para
sempre!

Uma Rosa, um Suspiro e um Silêncio -

Entre uma memória e outra
O teu olhar é neutro!
Toco-te no rosto com mãos
De vento
E o teu corpo delira ...

Tudo o que me deres,
Te devolvo, sem pensar,
A ganância de um olhar
O gúme de uma espada
A pena de uma ave
Uma rosa e um Silêncio!

E quando nada restar de
Nada,
Quando o último momento
Me chegar ,
Antecipado e vago,
Cheio de vingança
Num impeto de morte,
Será por ti o meu
Último suspiro!

Visão Errante -

Meu Amor, quando chegas como um sonho na noite pálida,
caído sobre os braços da madrugada,
debruçado sobre o mundo,
trazes o silêncio das horas
num bater descompassado do coração,
a fecundar de poesia as nossas vidas
ignoradas ...
Horas e horas a fio esperando
amargamente por ti
e quando finalmente vens, que pena,
não passas, meu amor, de uma visão
errante ...

À hora do Silêncio -

À hora do Silêncio,
num vago entardecer,
permaneço estático e indiferente,
tudo é vago e monótono,
o vento passa frio,
tocando-me no rosto,
a rua está deserta,
tudo está cansado de existir!

Não me metam em formas apertadas
porque eu não caibo nas formas deste
Mundo ...

Eu sou à conta, à justa, das palavras
que penso, digo e escrevo!
Só caibo na forma dos meus sonhos
que é não ter sonhos nenhuns ...

Que me Amarrem ao poste dos condenados!

Sombras mudas -

Vim ao mundo p'ra estar só!
Sou o primeiro e último poeta depois
de mim ...
Diluido como estou no ser e nas coisas
sou resto de mim mesmo!
Mordo as palavras como quem as beija,
abraço os versos como quem os ama.
Palavras, gestos, olhares impolutos,
infinitamente longos, eternamente
tristes.
Lançado ao fogo, sou figueira estéril,
Alma descarnada e nua sem brilho
no olhar ...
A noite cobriu-me o ser de um mar de
trevas.
Estou farto de sombras mudas
encostadas ao destino ...

Mãe entre Ciprestes -

Mãe que vives entre ciprestes e ventos
intacta como o silêncio ...

Mãe-terra, na terra serena,
adornada de mim,
feita de noites e Sóis
beijada pela Lua!

Mãe das pálpebras caídas
que não arde nem fala ...

Mãe do azul que nos legou
sob um mar de ventanias,
agreste e verde,
com vontade de ficar!

Mãe pura sobre os sonhos
com passos de andorinhas
cansadas de voar ...

Mãe! Intacta e casta como a água
que cai de todos os silêncios
sob as lousas frias, brancas,
que se fecham em saudades ...

Ó minha mãe ... minha Mãe ...

(Dedicando à tia Maria Eduarda Salgueiro estes versos, neste novo estar, da sua vida ... agora!)

Dispersão -

Vivo num dissolver-me constante
dos Versos que escrevo ...
Pássaro cansado de voar,
parado a meio do tempo
sem vontade de ficar!

Cai a tarde ...
A noite não dempra ...
Vem a madrugada ...
Chega outro dia ...

A vida é mentira!
Uma roda cruel sem
desejos de infinito ...

E a jeito de nos ultrapassar,
tudo chega ao fim,
pois vivemos cada dia
de mão dada com a morte.

Quero dormir ...
Não quero pensar ...
Quero escrever ...
Não quero chorar ...
Só quero morrer ...

Mistério Vulnerável -

Trago uma vaga saudade
Um queixume abandonado
Um mistério vulnerável
Uma pequena ondulação,
cheia de vento e de maré,
que me invade o corpo
que me acorrenta a Alma!

Trago o luar na minha mão
Trago o Sol e trago a chuva
Todos os sonhos do mundo
Todas as esperanças perdidas
Uma vida transformada em morte
Uma morte que se faz vida
num silêncio absurdo e impreciso!

Trago tanta coisa em mim
que não sei bem o que sou
nem o que faço neste mundo!

⁠Dos Silêncios e das Grades -

Às vezes tenho pena dos versos
que escrevo!
Não porque os escrevo mas como
os sinto ...
Meus versos são eu continuando-me
em silêncio ...
Porque faço eco de vozes passadas e
gestos cortantes que se espraiam nas
madrugadas dos meus sonhos.
Há rios de luz no meu olhar!
De tanto sonhar perdi-me no tempo
sem perder-me de mim!
Versos trago-os aos molhos ...
E os meus dias nascem, desde então,
dos silêncios e das grades!

Como estou triste -

Como estou triste na indiferença deste amor,
Na alegria desta dor que me fez por ti sofrer,
Na lonjura das Marés, num turpor
Tão imenso que me faz anoitecer ...

Como estou triste por não ver o teu olhar
A passear-se no silêncio das manhãs,
Por não saber se algum dia irás voltar
Ou por sentir que a minha esperança é coisa vã.

Como estou triste, ó Deus, como estou triste,
Por tudo o que vivi, por tudo a que me dei ...
E porque teimas coração, porque insistes
Que continue a passar por aquilo que passei?!

Como estou triste p'la aurora que não chega,
P'la noite que não finda, por este mar
Que nos separa , p'lo amor que não sobeja ...
Como estou triste por não saber se irás chegar!

Passaste por aqui -

Passaste por aqui! Sei que passaste ...
Pelo aroma que ficou espalhado pela rua ...
As casas, os caminhos, as pedras que pisaste,
tudo mais intenso, transparente, à luz da lua.

Eras tu! Por certo que eras tu!
O amor das madrugadas por viver,
com aquele olhar que, por instantes, me deixava nú,
sem respirar, sem que eu consseguisse perceber.

Até as Primaveras acabadas de chegar reclinavam
ante o paladar da tua boca
e as flores, ao vento, até bailavam ...

Bailavam os olivais das pradarias,
as brisas eram feitas da voz roca
de um só vento, e tu, meu amor, a cada gesto renascias!

Entre a noite e a madrugada -

Entre a noite e a madrugada
Foste embora como um louco
Eu segui por outra estrada
E despedi-me do teu corpo.

Disse adeus à nossa história
Toda feita de jasmim
Hei-de tê-la na memória
Num compasso que há em mim.

Há em mim tanta saudade
Do que fomos um p'ro outro
Na madrugada da cidade
Despedi-me do teu corpo.

Vesti dias de saudade
Vesti noites sem passado
No silêncio e na verdade
Minha vida é cor do fado.

Guardo em mim aquele olhar
A nossa vida já passada
E p'ra sempre hei-de cantar
Entre a noite e a madrugada.