Coleção pessoal de Eliot

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⁠Conversa Fiada -

Não me venhas com conversas
que eu já não te quero amar
só quero que tu me esqueças
que eu vou p'la vida a cantar.

Aqueles versos que me deste
faziam tantas promessas
os versos que tu fizeste
rasguei-os ontem à pressa.

Talvez te lembres dos meus olhos
chorando por não te ver
agora choram aos molhos
só já te querem esquecer.

Só tenho mágoa no meu peito
por não te ver como eras
agora é tudo ao meu jeito
só quero que tu me esqueças.

⁠Teus -

Teus olhos, meu amor,
dois dolentes madrigais
que me inebriam de pavor
por não saber aonde vais!

Teus lábios, meu amor,
duas rosas em botão
que secam ao calor
no canteiro do coração!

Teus versos, meu amor,
são os ecos do agoiro
de um agoiro bem maior!

E teus cabelos, meu thesoiro,
os cordões da minha dor,
mais finos que o fio de oiro!

⁠De Poema em Poema -

Fui de poema em poema
à procura da razão
que me fazia ter por tema
a dor, a morte e a solidão.

Mas os versos não sabiam
o porquê dessa loucura,
só falavam, só diziam,
sempre cheios de amargura.

Digo aos gritos sem pudor
que meus versos são um pranto!
Mas o porquê de tanta dor,
tanta morte no seu canto?!

Talvez devesse procurar
a razão dessa agonia,
não nos versos, a chorar,
mas em mim, no dia a dia...

⁠Miragem de Morrer -

Hoje o dia está cansado
dos meus versos de saudade,
oiço um canto, é um fado
e há silêncio na cidade.

Hoje a noite está perdida
em palavras de amargura
e minh'Alma tão esquecida
no passar da noite escura.

Hoje a morte é só miragem!
P'ra quem tem sorte de morrer
a vida é triste imagem
na vontade de viver ...

Meu destino, nao ter casa,
foi a vida a que me dei,
hoje sinto, não sou nada,
porque o sinto eu nao sei!

⁠Sozinho -

Ando na vida sozinho,
à deriva, como um louco,
meu olhar, coitadinho,
do destino sabe pouco.

Ando na vida sem assento,
por capricho ou solidão,
estou vencido, não há tempo,
meu cansado coração.

Ando na vida sem rumo,
à procura de um caminho,
estou perdido mas assumo,
anďo na vida sozinho!

⁠Amor Inútil -

Meu amor porque partiste
meu amor tu nem sentiste
quanta dor ficou em mim,
meu amor porque fugiste
nem de mim te despediste
hei-de amar-te até ao fim.

Sou aquele que te escreve
que te ama, que se atreve
a procurar teu coração,
meu amor a vida é breve
meu amor tão ao de leve
me deixaste sem razão.

Ainda assim por ti esperei
foste tu a quem me dei
sou um grito de saudade,
meu amor não morrerei
sem dizer quanto te amei
no silêncio da cidade.

⁠Queixas de um Mendigo -

Sou um grito de revolta
na voz de um condenado
um passaro sem rota
um mendigo desprezado.

Sou a cal da sepultura
no enterro da solidão
alguém morto, sem ternura
esquecido num caixão.

O dia quente que morreu
a noite fria que chegou
mataram quem esqueceu
de esquecer o que chorou.

Foi em vão a minha vida
foi em vão acreditar
foi minh'Alma proibida
da alegria de sonhar!

⁠Quadrantes -

Trago a a alma quase morta
na raiz do pensamento
de palavras e revolta
num rimar de sofrimento.

Trago a vida indiferente
- sem ternuras nem amor -
aos olhares desta gente
que me deram tanta dor.

Trago em mim tantos cansaços!
Silêncio triste que me arrasta
na ausência dos teus braços ...

Trago em mim o que sonhei,
o que sonhei e nunca tive
e o que tive mas não dei!

⁠Apátrida -

Trago a vida de um vencido
neste corpo de mortal
um sonho em vão, perdido,
de ser alguém em Portugal!

Nunca fui - qu'importa tal?!
Porém, desde o berço até à morte,
ser poeta, triste sorte,
de um povo que me quer mal ...

E o que fazer ao que sonhei?!
Guardar no coração - talvez!
Destino ou maldição - não sei!

É expectativa despojada!
É dor que ninguém vê
numa voz indesejada ...

⁠Pequena Ode à Solidão -

Ó tristeza! Ó miséria!
Tudo o que fui e ainda sou ...
Alguém que chegou e não sorriu.
Que partiu e não voltou.
Sonhos proibidos - então -
homens ocultos, dores em vão ...
Noites sem vida - diz quem viu!
Dias vazios, calados, sem água ...
Iguais às noites, iguais aos dias,
distantes do possivel - como cal -,
do eterno, do real!
E vós - ausentes, perdidos também-
fingindo- mas sós ... tão sós ...

⁠Aceita a Vida -

Quando a vida está cansada
dá-lhe espaço p'ra te ver
porque a alma vem do nada
exausta de sofrer.

Onde há dor e amargura
só há luto e solidão
não há espaço p'ra ternura
nem lugar p'ro coração.

Não te esqueças que é loucura
insistir no que não deu
dar valor ao que não dura
é viver do que morreu.

Esquece os sonhos que perdeste
acredita no que virá
esquece a vida que não tiveste
e aceita aquilo que ela dá.

⁠Estranhas Mágoas -

Ó poeta exasperado numa mágoa adormecida
que estranha solidão te adorna a fria fronte?!
Talvez seja a dor dos versos, consentida
em teu corpo, de onde jorram como fonte!

Os teus olhos são janelas de amargura
de onde espreitam cansaços, solidões,
teus olhos são negros, chorando, que loucura,
procurando amar na raiz dos corações.

Poeta! Este mundo não é teu ...
Não queiras fazer dele o que não é,
aceita aquilo que esta vida não te deu!

Aceita que o amor te vem apenas da cabeça,
acredita que p'ra ti não há outro real, perde a fé
e aguarda que um dia a vida te adormeça!

⁠Eu vi minha Avó -

Eu vi minha avó chorando
aos pés da virgem Santa
e vi a santa deixando
nos seus olhos nova esperança.

Eu vi minha avó secando
suas lágrimas de dor
nas estrelas fixas do manto
da virgem cheia de amor.

Eu vi minha avó pedindo
mirando o rosto de Maria
e a virgem Santa, ouvindo
as rezas que ela tecia.

Eu vi minha avó partindo,
serena, pela estrada,
ia ao encontro, sorrindo,
da Senhora da Orada.

⁠Muito Tarde -

Já era tarde, muito tarde,
quando a solidão me abandonou,
era noite, madugada e a saudade
fez de mim quem hoje sou!

Já era tarde, muito tarde
quando a revolta se calou
passou o tempo e a idade
mas a calma não chegou ...

Não sou mais do que a lonjura que me habita
neste passo de silêncio em agreste solidão,
que avança, dia a dia, que me fala, que me grita!

Era tarde para amar neste precipício de saudade!
E a morte enfim chegou! Parou meu coração!
Era noite, madrugada, era tarde, muito tarde ...

⁠Fronteiras -

Trago cansaços ocultos dos sonhos que já tive!
Sonhos que perdi, cansaços qu'inda tenho ...
E o vazio que me ficou é dor que ainda vive
parada, sem andar, no caminho de onde venho.

E venho de onde? Que sonhos?! Que cansaços?!
Venho de ervas, tristezas, arrelias
e traições, venho de palavras sem abraços,
frio, das fronteiras dos meus dias!

Venho do silêncio das noites sem luar,
venho das fontes, secas, sem amor
e dos olhos dos amantes que se querem separar!

Venho das palavras que nunca foram ditas,
venho da saudade, do lamento e do pavor
que só espero meu amor que nunca sintas!

⁠Cegueira -

Entre a dor que sentimos
e a solidão que vivemos
às vezes descobrimos
que da vida nos perdemos.

Na ausência que deixamos
no vazio que remoemos
afinal o que esperamos
da vida que não temos?!

A que temos e não queremos,
silencio cáustico onde vais? ...
A que temos porque a temos?!
Tendo muito queremos mais!

E o tempo passa, vai passando,
a vida é longa, prolongada,
alguém nos ama, vai amando,
e nós não vemos, não vemos nada ...

⁠Saudade Parada -

Trago a alma já cansada
no viver da madrugada
num sonho que morreu,
trago ao peito uma loucura
no esperar de uma ternura
que da vida se perdeu.

Levo no corpo a solidão
vazio e dor na minha mão
num passar de despedida,
ai minha vida sem nada
minha saudade parada
numa sombra esquecida.

E em cada noite escura
sinto em mim outra amargura
na cama onde me deito,
e adormeço a persistência
de sentir a tua ausência
à deriva no meu peito.

⁠Esquece-te de mim -

Esquece-te de mim que eu já perdi a esperança
que me fez acreditar um dia em ti
esquece-te de mim e recorda como herança
que meus olhos vão chorando só por mim.

Esquece-te de mim em horas de abandono
como o mundo de ti também se esquece
já não és a alegria dos meus sonhos
esquece-te de mim, que em mim nada acontece.

Esquece-te de mim na cama onde dormes
que essa cama já não é onde me deito
esquece meu amor e nunca mais acordes
o meu corpo que já não volta ao teu leito.

Foram tantas as promessas que fizeste
as alegrias que tivemos sem fim
aqueles versos de amor que tu disseste
não te esqueças meu amor, esquece-te de mim.

⁠Fui -

Fui da vida um deserdado
sem ter terra p'ra pisar,
um mendigo tão cansado
sem ter colo p'ra chorar.

Fui da vida um aborto,
um filho indesejado,
um barco sem ter porto,
à deriva, ancorado.

Um filho da madrugada!
Um filho da noite escura
a quem a vida não deu nada ...

Inda assim vivi a vida!
E fui um passo de loucura
num passar de despedida ...

⁠No Berço da Cidade -

Cinco letras tem o nome
da cidade onde nasci
é palavra que não dorme
nesse berço onde cresci.

Ó Évora cantada,
pelas águas da fonte,
és Évora, doirada,
erguida num monte.

Oito ruas tem a Praça
oito bicas tem a fonte
e à quina do Arcada
está a igreja de fronte.

Entre portas e janelas,
oito entradas na igreja,
cinco grades moram nelas
Santo Antão as proteja.

Também há oito solidões
p'ra quem vive de saudade
é a dor dos corações
neste Berço da Cidade.