Coleção pessoal de Eliot

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⁠E conforta-me saber
que não Somos deste mundo
que há algo maior que o ter,
mais eterno, mais profundo ...

Se aqui a VIDA não começa
nem tampouco aqui termina
p'ra quê ter tanta pressa
em viver numa rotina?!

E se um dia Voltaremos
ao sitio de onde Somos
o que temos perderemos
já não pomos nem dispomos!

Mas quantas vezes pela dor
passará nosso destino
até voltarmos com Amor
a seguir esse Caminho?!


Nos teus olhos há coisas que não leio
mar alto sem ondas nem maré,
fortuna, amor que quis mas nunca veio
e continuamente me tem tirado a fé.

Em mim há uma fadiga que se instala,
um lamento, uma agonia que se inscreve,
a musica por fim já não me embala
e a falta do teu toque não é leve.

Só penso no teu beijo amargo e quente ...
... ái ... aquele instante doce e morno
onde nada do que foi é já presente
e vive o pensamento ao abandono .

Se tu pudesses ver o que não vês
as lágrimas inundam a nossa cama
só lembram nossos corpos na nudez
entrelaçados em gestos de quem ama.

Fica entre nós algo vazio que nunca é
dois olhos que se tocam num enleio
a tua perna encostada no meu pé
a minh'Alma reclinada no teu seio.

⁠Toque Brando -

Eu não sei se morro ou vivo
quando o teu olhar toca no meu
- minha casa, meu silêncio, paraiso -
mas se o meu olhar toca no teu
sinto que o meu sonho está cumprido.

Talvez te prometa um toque brando
meu corpo frio, ágil, louco
minh'Alma de quando em quando
tudo o que trago, um grito rouco
talvez te prometa um verso branco.

Sonho-te a dormir num longo abraço
mar salgado de bruma e espanto
e prometo que passo a passo
te hei-de ser um doce canto
p'ra me aconchegar em teu regaço.

Não te prometo nada do que disse
meu pássaro de sangue, rio de medo
talvez se fosse outro o não sentisse
mas digo-te e digo-te em segredo,
não volto a repetir o que já disse.

⁠Eu sou livre -

Eu sou livre como os pássaros
como as bandeiras ao vento
que trazem barcos e poetas
e na memória dos Bárbaros
é na passagem do tempo
que permaneço como brecha!

Eu sou livre como a morte
como dois apaixonados
que se amam e se destroem
e lembro-me, por sorte,
daqueles dias cansados
que por doerem já não doem!

Eu sou livre como a chuva
como as folhas ao vento
como a voz de uma criança
e como lágrimas de viúva
sou como o pensamento
livre que se alcança!

Eu sou livre de prisões
das prisões do sentimento
das memórias dolorosas
e nas minhas afeições
quando amei o sofrimento
fiz-me livre como as rosas!

⁠Diz aos dias -

Diz aos dias que passem rápido
para vires para o pé de mim
o destino malogrado é sádico
juntou-nos e afastou-nos por fim!

Vai ... diz aos dias que passem,
não consigo viver assim, sem ti,
grito aos teus braços que me abraçem
desde aquele instante em que te vi.

E aqui estou, despido em hora exacta,
sinto-te passar sob uma aragem,
és saudade que não tem data ...

Há entre nós uma longa margem
um címbalo de bronze e prata
que prega no meu corpo a tua imagem.

⁠Lembrem-se de mim -


Lembrem-se de mim por aquilo que sempre fui
não guardem este meu estranho e triste fim;
na verdade neste mundo nada se possui
guardem em vocês o melhor que houve em mim ...

Amem enquanto é possivel, a morte nao avisa,
vou-me embora, vou passar a outro mundo
mas não chorem, que não haja despedida
porque o misterio onde habito é mais profundo.

A saudade ficará em meu lugar, bem o sei,
mas levo-vos em mim para o sitio onde vou
guardem, cada um, todo o amor quanto vos dei.

E no ocaso do momento, não vos digo adeus,
mas não batam à minha porta, já lá não estou,
porque agora entrego a minh' Alma a Deus.


(... se tiverem saudade isso significará o vosso amor por mim porque a saudade é o amor que fica ... a saudade nada mais é do que a presença da ausência ...)

⁠Ao Abandono -

Mal nos vimos brotou a palavra amor,
os olhares, os gestos, um toque de ventanias ...
As vontades, os sonhos, tudo da mesma cor,
"eu gosto de ti" - tantas vezes me dizias!

E havia qualquer coisa de paisagem
na expressão do teu olhar magoado
carregando de solidão a tua imagem
cheia de memórias do passado.

E pus as mãos sobre o teu corpo
na distância, na vontade de o tocar,
pensei que fosses minha casa, meu porto

mas foste um sonho que ao passar
me deixou ao abandono, absorto,
nas margens do silêncio a chorar ...

⁠Ao pé de ti sinto-me perto
da parte de mim que está
distante.
Sou mais inteiro junto a ti ...

⁠Que o Corpo e o Sangue de Cristo
arrefeçam as chamas do Purgatório
e aliviem as Almas especialmente as
mais abandonadas.

⁠O Tempo Dividido -

Que nenhum silêncio beba
dos teus olhos ...
Nenhuma estrela toque a
tua noite ...
Que nem de madrugada
se pronuncie o teu nome
porque em ti já nada é puro ...
Não há sonhos ...
Não há ondas em mar alto ...
... nem vontade de ser livre
com o vento.
Só há coisas vagas!
Palavras vãs no interior do
tempo dividido.

⁠Não houve amanhã -

- Avó.
Sim ...
- O Amor acaba quando as pessoas morrem?!
Claro que não!
- Mas o coração deixa de bater e deixa de sentir ...
Meu querido quando um relógio pára o tempo deixa de passar?
- Não.
Com o coração é a mesma coisa. Pode parar e deixar de bater mas o amor que trazia nunca vai passar porque o deixou ficar por onde passou.
- Que bom avó ... assim a avó ficará para sempre comigo e eu consigo!
Para sempre meu amado neto ... para sempre.
-Até amanhã avó.
Até amanhã meu neto.

... mas não houve amanhã e o texto cumpriu-se.

⁠Overdose -
(o Corpo entre o "demónio e a Alma" )

Abre-se uma estranha porta ao desconhecido ... um infinito de punhais, um demónio sem rosto.
Algo entra - profundo, intenso, poderoso, dominador.
A Alma humana é empurrada a um precipício de trevas internas angustiantes. Desce-se aos infernos da psiqué num continuado estado de permanência, um purgatório interior que sufoca, controla, manipula, por tempo indeterminado.
Uma dificil luta interior entre esse estranho que se instala e nós próprios que queremos, exigimos o corpo de volta.
É ser caçado dentro de nós mesmos sem ter meio de fuga. Só a força interior nos pode proteger, a fé e a vontade de voltar a ter "a casa" de volta e expulsar o invasor.
E nessa batalha travada no corpo evidenciam-se o demónio e a Alma.
A eterna luta entre o Bem e o mal. Aproximam-se Seres. Alguns querem proteger-te outros querem ter oportunidade de tomar-te o corpo também.
E tu, ali estás, como um vidro partido, parado a meio tempo, estático, diminuido, num passo de impasse sem saber o teu destino ... rezando ... porque parte de ti está consciente mas a outra já foi tomada.
É um medir de forças injusto e doloroso. Altera-se a percepção da realidade. Há paranóias, alucinações, desorientações sem espaço nem tempo, estados de pânico continuos e progressivos. A ansiedade parece lentamente diminuir ... mas volta sem piedade.
E há náusias, vómitos, tonturas, não te sentes nem te vês.
Uma espiral que ora sobe, ora desce, conforme a tua força interior sobe para a tua fuga e desce para te enterrar. Um vai e vem onde a meio da luta a tua já pouca humanidade consciente te traz à parte do cérebro que pouco dominas, imagens, histórias, pessoas, vivências, sonhos, planos, saudades dos mortos, medo de perder os vivos, é um quase descontrolo que o outro lado te gera pelo medo, pela ângustia, pela ansiedade.
E é aí nesse limbo que te situas!
Não adormeças, não podes adormecer, não deixes que "ele" te convença que adormecendo vai passar, é mentira, se adormeceres "ele toma-te", todo, por inteiro.
E a questão não é se acordas, mas sim, como acordas.
Podes nunca mais voltar a ser o mesmo.
Enfrenta-o, sê tu, determinado a deteres o teu corpo de novo mas verás que nada voltará a ser como foi. Não serás o mesmo mas serás mais forte ...

⁠Gonçalo Salgueiro
por Ricardo Maria Louro-

Quando tu nasceste
no céu da tua noite
cintilaram as estrelas mais doces
ouviram-se as melodias mais ternas.
Fixaram-te os horizontes fugidios
dançaram os poentes sobre o mar
e até a Lua, envergonhada,
se ocultou do firmamento!
O vento, ora vento brando, ora vento Norte
cantou ao menino d'oiro ...
És tu o vento! Um sopro de saudade...
E há quimeras, há silêncio - pausa e silêncio,
obtusas lágrimas por chorar, carentes em galgar-te a face!
Porque as seguras?! Porque as susténs?!
Porque as não derramas se quando caem
transformam-te o canto, moldam-te os versos,
abrem-te a Alma ...
Deixa que docemente te humedeçam a face
e te possuam o timbre da voz.
Por ti! Por mim! Por todos nós!
E depois ... depois sorri ... sorri chorando
nas margens de um rio junto ao tronco
de um Salgueiro, aí, onde morrem e renascem
as lendas dos amores ...
... eternas, sagradas, intemporais.
Tu estás vivo, tu és vida!
"Deixa que os mortos sepultem os seus mortos ..." e segue, veste a roupagem das andorinhas
e canta, canta, porque dás mais vida à vida
com teu canto e tudo renasce,
tudo é novo, de novo!
Não os oiças! "Eles" não sabem o que dizem!
Avança no trilho do coração ...
E um dia ... um dia tudo será como antigamente
porque voltarás aos braços quentes da tua Mãe ... para sempre!

*Para o cantor, fadista e autor Gonçalo Salgueiro.

⁠Silêncios e matizes -

Sem ti, meus dias tristes são lilases,
sempre à espera daquilo que nunca dizes
do tanto que de ti anseio e nunca fazes
do teu olhar pintado de silêncios e matizes.

Lá longe mal te vejo mas ainda ouço
o som dos poemas que te compus
sinto um aperto, uma corda no pescoço,
como se fosse um Sol em contra luz.

Há nos campos flores brancas e amarelas
de toda a parte oiço a voz das ventanias
há gente espreitando p'las janelas
encostada à sombra dos seus dias.

E o vento traz o eco do teu nome
um estranho odor de oliveira e de mel
mas hoje, de ti, ainda tenho fome
louco que sempre fui p'la tua pele.

⁠À Porta das Manhãs -

Fixei no espelho o meu reflexo, reparei
que p'lo meu rosto havia passado o tempo
mas não me reconheçi, não me encontrei
e apenas me invadiu um pensamento:

a vida fez-me parar à porta das manhãs
porque nunca fui capaz de ser o primeiro
a penetrar os sonhos em horas vãs
para conseguir ser um Ser inteiro!

No espelho pus a mão na minha mão
os dedos pareciam retesados, hesitantes,
nesse instante tremi, cai no chão
e lá estava eu como sempre, como dantes.

Senti medo, fel, solidão, fome ...
Noutro tempo, quando eramos os dois,
bastava chamar pelo teu nome
e desvaneciam o antes e o depois.

Quis partir, pus a vida sobre a mesa
com dor, amargura, sofrimento,
e quis morrer ali, tive a certeza
mas adormeci nesse momento.

Se já não posso estar contigo
ter de volta tudo o que foi nosso
embora ninguém oiça o que digo
chorar sobre este espelho ainda posso.

⁠Calado simplesmente -

Ao despertar a vida parece-me hedionda,
um barco sem horizonte nem Luar...
Será talvez por ver nas vagas ondas
uma imensa vontade de naufragar.

Quando desperto dormem as fontes
e as gaivotas ao vento perdem penas
a saudade manifesta-se nos poentes
e eu visto todo o corpo de poemas.

Às vezes o silêncio sabe a chuva
e o peso do destino sobre os ombros
cheira a malvasia, sabe a uvas,
parece um cair de tarde sobre pombos.

Ninguém me há-de saber os medos
os que trago em abismos infinitos
a frieza retesada dos meus dedos
e a agonia penitente dos meus gritos.

Porque a vida na verdade é uma pluma
em que sou um vendaval, subitamente,
talvez nunca seja coisa alguma
sendo eu calado simplesmente.

⁠Linhas desoladas -

Se a vida tivesse sido outra
outra teria sido a nossa história,
agora, a memória é tão pouca,
triste, permanente, obrigatória.

Meus olhos de mágoa e leite
cheios de chuva, silêncios e cansaços
e a sombra do teu corpo num tapete
aconchegada nos meus braços.

A solidão ardendo ao pé do lume
o espelho sem reflexo nem paisagem
e a vontade de subir, chegar ao cume,
contemplando a tua imagem.

Que saudade de estarmos sempre assim
vestidos de paixão - doce, intacta,
hoje, escrevo versos sobre ti
nas linhas desoladas de uma carta.

⁠Despojado de mim -

Despojado de mim
aqui me encontro
mártir do tempo;
oblíquo, amargo fim
a que chega um conto
na voz do vento ...

Despojado de mim
aqui me entrego
à dor da despedida;
digo não, digo sim
nada vejo, estou cego
nos caminhos da vida.

Despojado de mim
aqui termino
com vontade, sem pena;
a vida é assim
mas de mim germino
de Alma limpa, plena.

Despojado de ti
leda noite fria
sem Lua nem luar;
(noite que te perdi!)
o vento gemia
fechou-se o meu olhar.

⁠Ledas horas -

Esta fria e densa solidão
feita de silêncios e saudade
possuiu-me logo o coração
desde o principio da idade ...

Cheia de caminhos, sem nada,
tirou-me da vida claridade
e minha mãe, pobre; coitada,
pariu-me sem vontade ...

E as lágrimas em fio
cairam-me cansadas,
tremendo à noite, cheias de frio!

E tantas ... ledas horas magoadas
que vi pairando no vazio
por ver minh'Alma abandonada ...

⁠Outro Começo -

Neste mal sentir em que me encontro,
mal estar profundo e inacabado,
sou de mim cativo, por isso conto,
sou um prisioneiro do Passado!

Quem me dera ser outro além de mim
alguém firme e certo do caminho
capaz de fazer da vida Não ou Sim
traçando as linhas do destino!

Mas há pedras! Tantas! Tantas! Tantas!
Buracos, vales, covas e cabeços
e o cemitério cheio de campas ...

Eu vendo solidões a bons preços,
quem dera mas comprassem almas Santas
para que eu tivesse outro começo!