Coleção pessoal de edsonricardopaiva
Nasce o dia na janela
Bela luz que resplandece
Cresce o canto de pássaros lá fora
Poesia infinita pra olhares falantes
Olha o ar com olhar de ouvinte
Um certo manto vem cobrir-me a alma
O momento, o instante, o segundo seguinte
Um mágico nascer de dia
A magia sobrepõe-se à lógica
Transcende ao frio caminhar das horas
Põe as coisas onde estão
Aquece o caminho
Navega o mar sem pressa
Atravessa bem devagarinho todo o ar que me permeia
Se compõe, se sobrepõe, vagueia e aquece
Nasce o dia como a prece que agradece a poesia primeira
Tem que ver como é bonito
Quando o espírito da gente
Volta lá na primeira manhã
Relembra o quente que era
Cada sol que alvorecia e mostrava
Toda gota brilhante
Cada instante percorria a nova primavera
Vivida ou vindoura
Cada lágrima chorada
Pois a vida é nada, se a gente não chora também
Se são elas que douram as lembranças
De todas as dores e alegrias
Noites bem ou maldormidas
Manhãs orvalhadas
São as horas da vida e há de sempre faltar
Vamos sempre carecer daquele mero instante
Irmãos e irmãs, um olhar aos ponteiros
Corre o tempo, passa tudo
O nada, a saudade, a solidão, um sorriso e a gratidão
Nasce o dia na janela, é preciso viver
E se a vida é bela ainda
Cada um de nós precisa ouvir
A voz que tem o coração
Só ela pode dizer.
Edson Ricardo Paiva.
O preço de todas as coisas
Junta ao peso que elas tem
O endereço concorrido
O quesito bem avaliado
A altura da queda
A palavra bela
Esquecida, quando houvera de ser dita
Era bonita, pena que deixou de lado!
Como a espera impiedosa pelo trem
Trem do tempo que passou
Um pedido, o olhar perdido
O fim da estrada que desaparece
Nada, esquece, ele não vem
É flor que brota e cai pra virar fruto
É sombra na calçada
Escombros de passado
Nada, esquece, ninguém veio...o tempo vem
E você, parado ali no meio do caminho
Um doce amargo que ficou
Deixando o gosto, a dor que não se sente
Sentada no lugar vazio
Um vago de recordação
Hoje você diz palavra
Pra depois saber que ela voltou pra responder
O vento sopra o fim do mundo e volta
Mesmo assim não desanime, não desista
As flores vão caindo no caminho
Deixam pistas pra saber voltar
Voltar pra onde?
Há sombras na calçada
Cuja escuridão pelo deserto esconde
O luar desaparece
Resta sempre a estrada
O preço, a medida, o peso que elas tem
Fecha os olhos pra velar
Sonhar teu sono, merecido sonho
Esquece, ele não vem.
Edson Ricardo Paiva.
Quando ele voltar, depois da chuva
Abra aquele litro de bebida
Apele pro teu resto de bom senso
Lá fora o mundo é grande e o frio, imenso
Quando ele voltar, depois da vida
Abra teu sorriso, porventura houver guardado
Aquele desgastado, penso nunca, jamais visto
Sequer por teu olhar sem amplitude
Guarde teu orgulho costumeiro
Esse, que acompanha a tua sombra o dia inteiro
Descobre teu olhar de todo argueiro
Se acaso sentir medo
Feche as mãos, esconda os dedos
Quando, então, se revelar detrás do espelho
Donde há de voltar, depois de tanto tempo
Um resto de lembrança, um traço de esperança
Um espaço que estava vazio
Outro pedaço de passado
Cacos de vida lado a lado no presente
Ilusão de tempo dilatado, embora inexistente
Bem diante dos teus olhos, logo após o estio.
No mesmíssimo lugar que se encontrava
Antes da chuva.
Edson Ricardo Paiva.
"Penso que quem não conhece
Pode ser que pense que era e compre
Pois o som não se propaga no silêncio, o rompe."
Edson Ricardo Paiva.
(Sob o silêncio da lua)
Baila, tempo.
Corre pra longe
Morre em outra dimensão
Vai lá, nos confins da última madrugada
Mostra o nada que são nossas vidas
E depois volta pra cá
Vem mais depressa que a luz
E depois nos entrega
A cada qual nossa cruz
A cada mal que se oculta
Em cada bem que carrega
Vem pra perto e se desfia
Desfila o nada bem diante dos nossos olhos
Nossos duros e imaturos corações
Quem sabe, assim que se enxerga
O quanto é incauto quem te desafia
Cada qual com sua bússola insular
Que faz perder, que desnorteia
Às vezes um soar de sino
Anunciando o sândalo da noite
Tu, que és tão forte, que derrete a neve
De sorte que cada segundo passa a ser tão breve
Leva contigo a marca da idade deste mundo
Só tu tens lugar no sem fim
Desembarca, tempo
Conta pra nós nossas vidas
E baila e dança e não descansa e depois volta
Vai lá, tempo velho e nos desaponta
Desponta lá no longe
Afronta esse universo e cada estrela sem porteira
Sem eira nem beira e tribeira e tão rico e tão leve
Livre, como o sol da primeira manhã
Tão forte, que move o moinho que mata a fome
Não negue que mata o homem que mata a morte
Leva minha vida nas mãos
Vai, que eu fico igual a todos
Entregue à própria sorte.
Edson Ricardo Paiva.
Edson Ricardo Paiva
Já estive em quase todos os lugares
Onde a vida nos permite estar
Sem convite para olhar de perto
e nem de longe
Onde quer que, porventura, houvesse
Hoje estava só, sentado no quintal
Vendo o sol na minha cara
Claridade ali, parada sobre a roupa
Que desbota, estendida
Sem sopro, sem prece
Nenhum canteiro de rosas, nem de vida
Arremedo de verso e nem dedo de prosa
Nada digno de nota
Um convite pra fazer cara de triste e nem contente
Nada a ser notado
Nada que me faça diferente
As coisas vão ficando e nos deixam de lado
Descontente acho que sempre fui, de graça e sem queixa
Pois já estive em quase todos os quintais que a vida deixa
E jamais achei-os parecidos
Creio serem eles todos muito iguais
Um silêncio com ou sem ladrilhos
Reles, toscos
Frios, quais os trilhos sobre onde vaga o tempo
À margem de quase tudo
Uma imagem sempre assim...
Tão desbotada quanto a triste lembrança
Esquecida, assim, sumiste
Enfim, se apaga
Falso encanto de tecido
De estampado colorido
Que se apaga sob o sol que te ilumina
E termina sempre a se esvair
Deixe sempre um tanto de sorriso sobre tudo isso
Nem que seja só pra que ele seja visto
Nem que o vejam sem notar.
Edson Ricardo Paiva.
Não me lembro bem que ano era
Tem bem mais que muito tempo
Era só mais outra primavera
Mas setembro tem o dom dessa saudade
Tinha um sapo que cantava à toa
Sua voz tinha o som de piano ou de sanfona
E tinha a sapa, que valsava
E tinha uma canção, que vinha no vento
O sapo era tão vagabundo
Que esperava a balsa pra ganhar o mundo
E tinha a rã, com cheiro doce, de hortelã
Porém, a sapa era do mês de agosto
A marrafona era mulher sem rosto
E eu ainda era criança
Mas o tempo passa e sempre tem setembro
Trazendo essa saudade, essa lembrança
Uma coisa boa, uma verdade que é so minha
E não me lembro muito bem que ano que era
Nem qual idade que eu tinha.
Edson Ricardo Paiva.
Faço um acordo com Deus
Mas não tenho nada a dar em troca
Além de palavras quaisquer
Que, a bem da verdade, são poucas
Nada além de um coração que quer
Fazer um trato com Deus
É pouco, é quase uma promessa
Dessas, que a gente olha pro céu
E pensa e pensa
E percebe que não fez nada na vida
Que merecesse a divina atenção
Trago mãos vazias
Uma cara de triste, dessas que a gente faz
Pra falar com Deus
Um coração que bate, mas quase em silêncio
Uma espécie de paz
Dessas que não temos
Na verdade não tenho nada
Penso; e nem sequer uma promessa
Nenhum pedido
Nada, nem um amém
Creio em Deus
Mas Deus...ah, meu Deus!
Será que acredita em mim?
Edson Ricardo Paiva.
Era uma vez, um dia que amanheceu
Simples, puro e singelo
E que nos trouxe uma poesia
Um poema que versava sobre o dia que nasceu
Onde o sol brilhou pra mim e pra vocês
Como uma folha em branco
Um tecido de linho
Um pássaro num ovo em casca
Uma garrafa ainda cheia de vinho
Uma lasca de madeira que queimava
Pra acender a fogueira do longo da vida
E que logo se espalhava
Pelo dia, pela vida toda; inteira
Era uma vez uma manhã
Que não era como outra qualquer
Era a primeira
Tão pura, a ponto de desconhecer
Que de fato nem sempre a primeira
Chega a ser a mais importante
Apesar da primazia
Com o tempo ele tornou-se
Apenas um outro qualquer
Só mais um dia
Os sinais do mundo
Espalhados pelo caminho
Assim como o branco do linho, de vinho entornado
Um pássaro que alçava voo
E o galgou pra distante do ninho
O poder sutil do tempo
Uma tarde se setembro
A flor que se abriu
O olhar que se foi
Existe uma parte na vida
Que se chama nunca mais
Tempestade em tempestade fez o rio
O leito, a corredeira
Que correu do seu jeito a vida inteira
E que um dia secava
Porque nada é pra sempre
Além do nascer dos dias
No seu ciclo eternamente interminável
Onde a ausência de regras
Era a única que se seguia
Amanhece pra que pássaros acordem
Que se entreguem a formidáveis canções
Em poemas que versassem
Sobre cada dia que corresse
E que fossem ímpares aos pares
À espera de nada, nem de olhares.
Edson Ricardo Paiva.
Nuvem branca, que passa lá no céu
Suave, leve como a vida deveria ser
Se tudo fosse como a gente quer
Arranca do meu rosto este tão breve sorriso
Pois é preciso viver e sorrir
Nuvem doce, que este claro céu nos trouxe
Doce como a tudo que pedimos que essa vida nos trouxesse
Suave e leve como a brisa que pedimos ao dia
Que um dia levasse de nós a toda qualquer tristeza
Assim como a toda mágoa e a má vaidade
Que só verdades saíssem de nossos lábios
Mas em formato de poesia e palavras boas
E que a gente deixasse o que há de bom em nós ao mundo
Carregasse com a gente
O resto de tristeza que o tempo não pôde apagar
Que seja simples e modesto, tudo que deixarmos
E, se for possível, carregado de pureza
Da melhor pureza e do melhor amor
Que, porventura, um dia tenhamos sentido
Aquele tipo raro de amor, carregado de leveza e bons olhares
...e de um resto de entardecer, que deixa tudo mais bonito
E que não é todo coração deste mundo que está preparado
Pra ler o escrito que Deus deixa lá pra gente
Lá na linha do horizonte
Pois há um tempo de sorrir
E um tempo de sentir vontade de sorrir
Mas se vem o tempo de nó na garganta
Que ele seja só da gente
Chorar é preciso também, pois mentir não adianta
Mas que Deus nos faça chorar de contentes
Leva este meu recado a Deus, clara nuvem do céu
Pois eu fico aqui no aguardo
Do retorno deste vento que te move
Volta em forma de alegria
E, nesse dia, vê se chove em mim também.
Edson Ricardo Paiva.
Ontem fez uma noite linda
Como há meses eu não via
Não sei dizer se não atentei
Ou se foi a lua que não veio
Pode ser que eu só tenha olhado pro chão
Ou que foi o meu lado sombrio
Haja vista se era frio ou calor, nada senti
Tem coisas que a vida faz
Assim como as dores
Com o passar dos dias
Nem se reconhece mais nem flores
Não sei dizer se era dor
Só sei lembrar que doía
Chega um tempo em que não faz menos sentido
Até que, numa noite qualquer, nem mais
Se vê que a lua é linda, ainda
Mas que os seus olhos de vê-la
Não olham com a mesma lógica
Nem mesmo com a mesma óptica
Por isso não vê como a via
O coração, de forma arredia
Pede explicações da vida à ela
A vida, cansada de vivê-la, bruxuleia a lua
Qual fosse nada mais que luz de vela
A esperança traz a estrela da manhã
O cansaço trança as pernas, lança um olhar ao tempo
Com ar de cumplicidade criminosa
Um sorriso sereno, que parece inofensivo
Num truncado impiedoso que esse tudo fez da gente
Uma corrente de vento, um frio recorrente
Saudade cortante de algo que nem viu ainda
A face linda da lua escondida
Um lado desconhecido da noite e da vida
Não sei dizer se era silêncio
Ou se era apenas uma ausência de ruido em meus ouvidos
Naquela hora sagrada, em que a vida não diz nada
Onde um coração, calejado, entende tudo
E se lembra de uma frase há muito lida
Descobre que a compreendeu, com ar de sabedoria
Embora tarde, era sobre outra coisa que ela versava
Arde de forma boa, como a noite linda
E que tinha sido linda desde sempre
Pode ser que tenha sido eu a deixá-la voar à toa
Que mirei o olhar ao chão e que ali deixei ficar
Por que não há de ser o mundo assim também?
Edson Ricardo Paiva.
Eu tenho um coração tão livre
Que tem horas que sinto
Apesar de não saber voar
Ainda dá tempo de aprender
Pois eu tenho a alma solta
E vem do tempo que eu sonhava
Eu tive um tempo de sonhar
Só não consigo te explicar como é se sentir assim
Saber que o tempo é breve
E eu tenho um coração tão leve
Como num circo de domingo à tarde, cujo ingresso é livre
Mas que é preciso um par de asas para entrar
Porque ele voa ao vento
Voa lento e espera uma notícia boa
Mas há momentos em que ele se fecha
Quem quiser sair, ele deixa
Quem não quer entrar, não precisa
Pois a vida é tão breve; um sopro...uma brisa
Leve como a sensação de liberdade
Que não se sabe que tem e deixa ir num medo que sonhou
Não guardo o peso de nenhum segredo
Nem medo de batalha ou de acordar mais cedo
A vida é um folguedo que passa depressa
Um fogo que se apaga
Eu tenho um coração bem livre e só
Isso é tudo que eu tive.
Edson Ricardo Paiva.
Hoje é dia de juntar as folhas
De fazer o pão, de consertar telhados
Ou talvez de só ficar olhando o céu
Sentar-me no chão da calçada
Arrancar as ervas que crescem nos vãos
Pensar na vida é não pensar em nada
Nada além de esperar que ela aconteça
Hoje é outro dia
E todo dia tem sido assim
Dia de olhar a pluma passar flutuando
Fazer bolhas de espuma, buscar borboletas
De pensar nos medos que foram tolos
Em outros que ainda são
E deixar que eles cresçam
Assim, que nem contar segredo ao beija-flor
E mais uma vez fazer um pedido à estrela que cai
Hoje é dia de ficar à toa, enquanto come o pão
Fazer tocaia pra noite é o que nos resta
Olhar entre as frestas dos olhos
E esperar que outra estrela caia
De pedir ao tempo que ele pare
E aguardar que não seja atendido
Porque ele não para
Tomara, então, que seja bela a tarde
Que o vento traga uma boa mensagem
E que o coração esteja atento e a guarde
Enviar um convite à propria alma
Aguardar que ela apareça
dasabroche e floresça
Como a mais pura e bela verdade
Aquela, pela qual se espera uma vida
E que jamais se escuta, não pela sua ausência
Pedir que permaneça e nunca mais nos deixe
Quando o coração se nega a ouvi-la
E não a procura
A voz da alma se oculta
A mão conserta o telhado
Não deixa passar luz de lua
Mas a verdade insistente
Ela cresce entre os vãos da calçada
Como um sonho de luz que valsa no céu na noite
E prepara outro dia de acalmar o coração
Pra tudo que a Deus pertence
Deixa o tempo passar com a balsa
Como a alma descalça na areia de algum lugar
Não existe o mar do impossível
Hoje é dia de quebrar telhados
De espalhar as folhas
Fazer bolhas de sabão pra botar poesia
Sentar na calçada e dividir o pão dessa vida
Podia ser hoje esse dia.
Edson Ricardo Paiva.
Meu coração ficou lá
Deslumbrado, à beira da enseada
Vendo naus e o mar
Minh'alma, de certa maneira
Vida inteira a olhar
Pássaros velozes, de olhares felizes
No ar, com ares de alegria
No nascer de mais um dia, assim, do nada
Um pedaço de céu
Que passa pelo espaço
De um pedaço de papel
Que eu faço de outro céu
A vida em folhas mortas
Espalhadas pelo vento
Esperando a vida nova, renovada
Sentir o que se sente
destarte, sem querer
Assim se passaram os dias
Sem saber quais horas eram
Tudo sempre era momento
O tempo não tinha idade
Acima da linha do olhar
O que fica de verdade
É em parte invisível
Além do fim do caminho
É a arte de ver a luz
Que reluz ao redor
Meu coração ficou lá
Creio que será melhor
Esperar outro dia
Que vai sim, nascer do nada.
Edson Ricardo Paiva.
Bela era ela
Poesia entre acordes
Beleza que se beija
Mordida que se deseja
Ela morde
Espinho que ardia
Que ardia atrasado
Era dor que era viva
Como são vivas as saudades
Como eram vivas
As árvores em cujas sombras
De mãos sujas estávamos
Todo dia, na hora do almoço
Onde a gente semeava
Sementes de sonhos
Que permaneciam
Aguardando que lágrimas de tempo
Viessem regá-las
E era vida e morria
Mas ficaram chaves escondidas
Em meio a frases sem sentido
Que nos vem nas falas, nos acertam
Nos momentos em que a alma
Te parece que deseja desertar
Bela era ela
Beleza que deseja ter por perto
Como belo é o olhar
Quando a gente só quer ver
Sem medo de perder
Nem prender e nem tocar
Assim que nos pertence
Por ter conquistado
Pois o tempo vence a quase tudo
No silêncio que se escuta
O poder que se oculta
Temeroso aliado
Que luta em favor do outro lado
É assim que nos parece
Vida à toa
Alegria que dói
Dor da boa
Amor que faz sentido
Bela era ela
Poesia que transforma a gente
Em ser pensante
No momento em que descobre
O fruto da vivência
O ser vivente
Que devia sempre ter sido.
Edson Ricardo Paiva.
Se Deus me permitisse hoje
Dirigir uma oração
Eu a dedicaria a toda porta que se fechou
Diria para a chuva que me molha só
No fim da viagem perdida
Às janelas onde eu olho e não vejo sorriso
Eu diria que não preciso de nada disso
Que a porta se feche e me deixe aqui fora
Que a viagem se perca, porque ainda há todo um mundo
E ele prossegue e segue em frente, muito após aquela cerca
E que eu e a chuva estamos sós
Mas que nunca estivemos sozinhos
Porque ainda temos a nós
E temos muitos lugares onde ir
Temos os olhos do céu para olhar
E tantas estrelas a quem confessar
Dizer tudo que queria dizer
Mas que jamais foi escrito
Dizer que a estrada termina
E que o lugar ao final do caminho era bonito
Tinha toda uma primavera por lá
Mas que eu não preciso de nada disso
Eu tenho a chuva ainda
Ontem ela veio de madrugada
Veio assim, do nada
E eu tenho o nada, ele traz coisas que são de verdade
Coisas assim, tipo a chuva e a saudade
Pois os olhos da noite, quando brilham no sereno
São coisas que se encaixam nos meus sonhos
Nos meus olhos tristes e sem viço
Pois o fim da estrada ainda existe, ele está lá
Mas ninguém precisa vir...esquece
Não precisamos de nada disso.
Edson Ricardo Paiva.
Penso em amigos
Aqueles desconhecidos
Que nos são às vezes próximos
E que conhecemos mais que a nós
Porque somos como as andorinhas
Que não voam sós
Mas só nós, que temos corações vazios
Como os céus matinais, que são só azuis
Azuis de tão vazios, frios, claros, sombrios
Caros amigos distantes
Que cruzam o céu do pensamento
Como andorinhas que cruzam a azul por momentos
Eu nem sabia que podiam voar tão alto assim
Quem sabe a gente se encontre
Lá no fim do caminho profundo
Nos fundos desse claro infinito
Vazio, infinito e azul crescente
Num traço descendente e meridional
Onde não existe espaço para o vazio da solidão
Vidas tristes, amiúde
Olhos rudes, apertados, mirando uma linha
Eu não sabia que voassem tão alto
Mas sempre atentei para o fato
De, amigas ou não
Jamais voarem sozinhas
Quem sabe elas também não conheçam
As amigas de jornada
Mais que a si mesmas
Sobre quem não sabem nada.
Edson Ricardo Paiva.
Pra que eu seja o autor da minha vida
E se a vida fosse o meu almoço, que eu preciso preparar
Como se eu tivesse uma panela de barro e só
Um jarro de água, apenas
E muita paciência, em pequenas porções
Viver qual se fosse um pássaro, um velho passarinho
Asas cansadas
Nada além de um breve canto
Um leve pranto
Nada de longas canções
Um fino fio de luz de lua
Talvez um tanto mais tênue
Luz de estrela, que eu, na minha ingenuidade
Nem perceberia a diferença ou quem me deu
Pra que seja eu, autor da minha história
Preciso lidar com a dor, a saudade
e o cansaço, em pequenas porções
E em grandes manhãs frientas
Friorentas margens de rios
Saber ser só, nas solidões que a vida traz
E fazer disso sempre o meu melhor
Jamais, jamais permitir
Que o jarro se quebre
Que a luz se apague
Que um dia vazio se torne em vida vazia
Ou que a dor e o cansaço me entreguem
Me vençam, carreguem
Sem que tenha sido eu
O autor de toda essa balbúrdia.
Edson Ricardo Paiva.
Outra vez é noite alta
é madrugada
Eu acordo do nada
ou de um sonho ruim
Eu procuro
com os olhos no escuro
O meu velho fantasma
que em criança me fazia medo
Num tempo em que sonho
era sempre algo bom
e que eu tinha tanta vontade
de sair pra rua e viver a tudo que eu vivi
Eu queria tanto acordar
quando já fosse dia
Perguntar pra minha velha assombração
aquele medo bobo, que me protegia
De criança que chora por alguma falta
Não sentia essa falta de ar, que eu sinto agora
Qual era a tua sensação
Por que foi que sumiu
Que segredo guardava sobre mim
e de onde vinha o cheiro de hortelã
Combinado à brancura das vestes
Só restaram perguntas
A fazer pra quem me guardava
e nunca mais voltou
Num tempo em que eu me deitava
E, sem medo nenhum dessa vida
Eu dormia até a próxima manhã.
Edson Ricardo Paiva.
De vez em quando
Pode ser que aconteça
Com certeza algumas coisas
Elas hão de acontecer
Fique atento, pra afastar da cabeça
A ideia triste de que algumas coisas
Elas são pra você
Algumas delas haverão de ser
Mas somente as belas coisas
Aquelas que a gente espera uma vida
E, que no momento exato
Em que a vida convida a sorrir
Pode ser que você se encontre aborrecido
e pensando que tá tudo errado
O mundo te sorri, mas você nem vê
E quando vir alguém chorando
Fica ao seu lado em silêncio, ampara-lhe as lágrimas
Mas jamais diga a alguém pra que não chore
Pois o choro, às vezes, é um grande alívio
E algumas pessoas sentem tanta dificuldade pra chorar
Que pra elas seria simplesmente um desastre
Ter pensado que podiam chorar em sua presença
E é possível que as lágrimas de uma vida
Nunca mais elas voltem, uma vez engolidas
Quando pensar na tristeza
Não formule nenhum pensamento que te faça vê-la
Existem coisas que vão te acompanhar a vida inteira
Mas é preciso viver uma vida, antes de sabê-las
Há estrelas de primeira grandeza no céu
Mas algumas delas estão quase tão distantes
Quanto a margem do outro lado do rio
Se esse rio não possui uma ponte
É tudo uma questão de ponto de vista e proporção
Porque cabe tudo num pequeno pensamento
Um sonho breve, um momento
Não há mãos que alcancem uma ave no céu
Assim como não pode haver olhos
Que, por mais distante vejam
Alcance ou tenha chance em vêr
Tudo que mãos vão tocar
E mesmo assim
Não há mãos neste mundo
Que possam sondar ao que existe de mais profundo
Num lugar longe que existe
Que se chama, coração da gente
Que parece perto
Uma planta que cresce no jardim da casa ao lado
Cujo muro é muito alto
E morre e seca e vira lenha, sem se ver
É uma questão de ponto de vista
Porém, quando pensar assim
Fica com os olhos fechados
Se não for a hora de ampararem teu pranto
Fica no teu canto e chora
Chora tudo que houver pra chorar
Chora tudo, até o fim.
Edson Ricardo Paiva.