Coleção pessoal de doracinonaves

41 - 60 do total de 53 pensamentos na coleção de doracinonaves

Para curar chatice o melhor é uma rede cearense azul, da cor do céu, que descansa na sacada de um apartamento projetado por um maníaco construtor de caixas de pombos. Ele deve saber como construir casinhas em cima de árvores. Deito na rede de alma baiana por uns instantes com o prazer do descanso do corpo de um cronista modesto num país de poucos leitores. (Do livro de crônicas Romanceiro de Goiânia - Doracino Naves).

Há novas árvores e novas flores sobre a terra. Tudo é tão real e está aqui ao alcance das mãos, mas a maior indagação é saber quando tudo começou. Onde está a ponta do durex?

Quando a gente fecha os olhos diante do sol esquece que ele existe.

Percebo que sou um caipira preso na liberdade de Goiânia. Tenho vontade dar uns cascudos na cabeça de quem plantou prédios, um lado do outro, no Setor Bueno. Penso que o pior lugar de Goiânia para se morar é aqui. Idiota de quem o inventou cheio de arranhas-céus de narizes arrebitados.Até a lua nesse lugar só aparece acima dos prédios. A impressão é a de que a lua do Setor Bueno é diferente de outros lugares; já surge no zênite. (Do livro de crônicas Romanceiro de Goiânia - Doracino Naves).

O mundo continua o de sempre, intolerante e cruel. E eu vou nesse embalo da modernidade: a chatice das repetições.

Debruço no peitoral da existência esperando a luz do fim do túnel brilhar no meu espírito.(Do livro de crônicas Romanceiro de Goiânia - Doracino Naves).

Minhas lembranças gravadas no tempo mergulham nas águas do Rio Paranaíba, aos acordes de uma bela canção. E gritam sacudindo os alicerces do meu mundo.

O pensamento bom é música aos ouvidos atentos. Qual Orfeu, na lendária viagem do Argos, que tirava de sua lira a melodia para animar os heróis exaustos que se moviam ao ritmo das notas musicais.

Ao passar pela Rodoviária vi um velho solitário com uma pequena mala de couro rústica sentado num banco isolado. Tinha as pernas cruzadas; os pés calçados com botinas. Na cabeça um surrado chapéu de feltro. O olhar perdido no infinito. Do aceso pito de palha tirava longas baforadas. A fumaça sumia com o vento. Um retrato eloquente da solidão.Será que alguém o deixara ali ou ele teria chegado de viagem e aguardava um parente que deveria buscá-lo? Não me aproximei para falar com ele. Preferi manter a aura de mistério que eu criara diante daquela imagem. Assim, qualquer que fosse o seu destino eu não me sentiria responsável por ele. Cumprimos o nosso dever; eu o de gravar aquele instante na mente e ele o de expor ao mundo a sua figura solitária. Saí com aquela opinião impressa na minha mente. Desde então, quando penso numa figura solitária, vejo aquele velho sentado no banco da rodoviária. Sofro no despertar das minhas lembranças usurpadas por fantasmas e armadilhas ancestrais. Navego entre multidões e desencontros. (Do livro de crônicas: Romanceiro de Goiânia).

Os homens perplexos pela ganância lamberam as mãos da loucura.(Trecho do livro de crônicas Romanceiro de Goiânia - Doracino Naves)

Descrever o céu estrelado com a poesia humana é tentativa vã. Melhor mirar os olhos no céu e se animar com a insofismável poesia das estrelas.

Nenhum pincel ou nenhuma literatura pode reproduzir a peculiar visão do pôr-do-sol no Araguaia. Porque a grandeza está no íntimo de cada ator que participa do cenário da vida como uma ensaiada peça de teatro.

Talvez devesse ser assim, raso, límpido e intenso como o leito de um rio. Porque turvar a água com uma pedrada não significa que ela ficará tão escura que não se possa nela banhar.

(Trecho de O jornalista tardio - Doracino Naves)