Coleção pessoal de dissendiun
E - não percebem? - o terror daquela posição não estava em receber uma paulada na cabeça - embora eu tivesse uma sensação muito vívida desse perigo, também - mas em que eu tinha de lidar com um ser ao qual não podia apelar em nome de qualquer coisa superior ou inferior. Tinha, como os negros, de invocá-lo - a ele mesmo - à sua exaltada e incrível degradação. Nada havia acima ou abaixo dele, e eu sabia disso.
Vi-me de volta à cidade sepulcral, ressentindo-me da visão de pessoas andando apressadas pelas ruas para roubar um pouco de dinheiro umas das outras, devorar suas infames comidas, engolir sua insalubre cerveja, sonhar seus sonhos insignificantes e tolos. Elas invadiam meus pensamentos. Eram intrusas cujo conhecimento da vida era para mim uma irritante impostura, porque eu me sentia tão certo de que não podiam conhecer as coisas que eu conhecia. O porte delas, que era simplesmente o porte de indivíduos vulgares tratando de seus negócios na certeza de uma perfeita segurança, era ofensivo como o ultrajante pavonear-se da loucura diante de um perigo que é incapaz de compreender. Eu não tinha qualquer desejo particular de iluminá-los, mas sentia uma certa dificuldade em impedir-me de rir na cara delas, tão cheias de estúpida importância.
A diferença entre o Brasil e a República Checa é que a República Checa tem o governo em Praga e o Brasil tem essa praga no governo.
Todos os dias eu quase te ligo, eu quase consigo ser leve e te dizer: “Ei, não quer ir no parque? A temporada está acabando…” Eu quase consigo te tratar como nada. Mas aí quase desisto de tudo, quase ignoro tudo, quase consigo, sem nenhuma ansiedade, terminar o dia tendo a certeza de que é só mais um dia com um restinho de quase e que um restinho de quase, uma hora, se Deus quiser, vira nada. Mas não vira nada nunca.
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.