Coleção pessoal de demetriosena

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POESIA INTRANSIGENTE

Demétrio Sena - Magé

Pra que serve a poesia em nossa vida,
se não for pra ser tudo, absoluta,
pra rasgar a ferida e suturá-la,
ir à luta e também à diversão?
Ser profunda; supérflua; densa e leve;
versos livres ou livres pra não serem;
brincalhona, de greve, guerra e paz,
engajada e sem lema nem bandeira...
Como ser um poeta que se obriga
ou que foge dos riscos de querer
e se abriga de seus inusitados?
Não entendo a poesia sem poesia
do poema que teme o novo e o velho,
quando cria raiz intransigente...
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⁠CAUSAS ARRIADAS

Demétrio Sena - Magé

Nosso idealismo está cada vez mais frouxo e as nossas causas cidadãs foram arriadas. Os poderes, quando encontram cidadãos idealistas com as causas arriadas, podem todo mundo em todas as posições sociais abaixo da linha de seus interesses. Tomamos no curso da história, decisões frustradas de acreditar em heróis que nos tratam como bons filhos da luta, quando precisam de nossos votos... mas depois podam nossos sonhos; podam nossa voz; podam nossas esperanças... mostram de todas as maneiras, que ser povo é poda.

Mesmo assim glorifico a democracia, que ainda me permite um desabafo como este. Muitos pobres de alma pedem pra ditadura entrar, porque acreditam que gozarão de melhores tempos... mas ditadura só serve para machucar o povo, em cujo ônus nunca entra o bônus. Sei que as coisas estão difíceis; no entanto, estão bem mais ajustadas do que nos anos do Geno Messias Cida. Sei, porém, que se depender dos bisonhos, o país volta em definitivo pro poço... aí a gente fica de vez em PL e ossos... em todos os contextos.

⁠BILHETE

Demétrio Sena - Magé

Não é que eu não queira mais me magoar. Tudo bem eu me magoar. Mas acontece que quando você me causa mágoa, corro sempre o risco de lhe causar mágoa maior do que a mágoa que você me causa.

Sim; magoar você me magoa. De certa forma, o amor que lhe devoto me fez egoísta... e me tornou capaz de finalmente fugir, para que você não me magoe outra vez, levando-me a magoá-la profundamente pela nova mágoa profunda que sofro.

Mesmo sabendo que não serei perdoado pelo meu não perdão, peço perdão por não perdoá-la como sempre fiz... de antemão lhe perdoo por, de antemão, você não me perdoar porque agora não lhe perdoo.
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⁠ARTILHEIRA

Demétrio Sena - Magé

Sobre a tua desculpa sempre pus a minha;
me sentia culpado se não desculpasse;
dei o passe perfeito a cada jogo teu,
para dares o chute que arbitrasses dar...
Foram tantos e tantos os gols que fizeste;
fui um débil goleiro que nem se mexia,
porque via em teus olhos uma perda eterna,
se num salto perfeito eu detivesse a bola...
De repente um descuido me fez espalmar
o teu chute perfeito como sempre foi;
meu olhar foi ligeiro e providencial...
Eu queria não ter acertado em teu dolo;
te manter artilheira sem nenhuma pausa;
preservar este colo de ninar teus truques...
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⁠A TRAJETÓRIA DOS PRECONCEITOS

Demétrio Sena - Magé

Fiz muitos poemas e textos em prosa que hoje não faria, com a pretensão de conscientizar sobre o racismo. Acho agora, que todos aqueles poemas eram racistas. Também fiz muitos textos que, pretensamente, fariam refletir sobre o machismo. Usei até palavras de um cavalheirismo protecionista que atualmente julgo medieval. Fui machista. Homofobia, mesmo quando não se chamava homofobia, preconceito religioso e tantos outros, tudo isso passou pelas minhas canetas e teclas. Atualmente, seria preconceituoso republicar tais escritos.

É que todas as formas de preconceito evoluem. Ao mesmo tempo, as formas de combater preconceitos, pensar e verbalizar sobre eles precisam evoluir. Mais ainda, nossas formas de antipreconceito precisam ampliar horizontes e nos induzir a novas posturas sociais. Os textos de todos os escritores; as músicas, pinturas e outros desempenhos de todos os artistas, nessa direção, foram válidos em seus tempos. Foram. Hoje capengam, porque o mundo, com novas identidades, inclusive de gênero, exige novas mentalidades, sensibilidades e consciências. E o racismo, que é o pior e mais resistente preconceito, exige ainda maior avanço da sociedade.

Tenho rasgado páginas de alguns livros que lancei, porque os novos tempos tornaram ridículas essas páginas. E todos nós precisamos rasgar muitas; muitas páginas não só de livros, mas também da vida e da sociedade, para sermos um mundo conectado consigo mesmo e com a realidade que ora nos cerca. Realidade essa, que logo será também obsoleta; o que exigirá, mais e mais, novos avanços humanos; civilizatórios.
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CONSCIÊNCIA PRETA E PARDA

Demétrio Sena - Magé

Minha terra tem dores e gemidos
que não cessam; ecoam no meu ser;
meus ouvidos perguntam até quando
vai doer a presença do passado...
A ferida simula cicatriz,
mas a casca não dura sobre a pele
do país que a cutuca; não perdoa
o silêncio rompido à luz dos tempos...
Despertamos a nossa consciência;
não há mais paciência pro racismo
declarado, sutil nem distorcido...
Seja meu e de todos meu país,
filial de matriz da qual se orgulham
filhos pretos e pardos da esperança...
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PLANETA FARSA

Demétrio Sena - Magé

Somos rasos com tal profundidade
que nem dá pra medir o quanto somos;
cromossomos da farsa universal
na qual somos o centro do existir...
Tão intensos e mesmo assim tão fúteis;
temos tal pretensão de sermos tanto,
porém somos inúteis importantes
para quanto não temos importância...
A coragem que temos é por medo;
nossa paz é a fábrica da guerra
no segredo que a hipocrisia grita...
Nós estamos na vida o que não somos,
pois perdemos a nossa identidade;
somos uma verdade mentirosa...
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⁠PERDAS E DANOS

Demétrio Sena - Magé

É pra não lhe ferir que me preservo
desde quando senti que sou capaz,
pelo quanto acumulo em frustrações
onde jaz o meu sonho mais bonito...
Hoje a minha poesia é o epitáfio
desse amor que viveu de acreditar,
mas também de morrer por tanto tempo
a gritar um silêncio no deserto...
Adiei tantas vezes os meus olhos
para todos os tons dos meus enganos,
minhas perdas e danos afetivos...
Nem por isso eu desejo lhe ferir,
sei até preferir comprar a culpa
e lhe dar esse alívio terminal...
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⁠PARQUE DAS FLORES

Demétrio Sena - Magé

Vejo Parque das Flores perder seus recantos
pro cimento; pro piche que produz asfalto;
densos mantos de cinza vão cobrindo as matas
que ressecam nos montes; nas várzeas daqui...
E perder seus idosos mais simples e sábios;
os terreiros de umbanda que ainda resistem;
alfarrábios do tempo que as crenças tiranas
hoje tiram da estante pra matar matrizes...
Quando Parque das Flores não tiver mais flores,
os odores do mato e dos poros do chão
nem os olhos sinceros do povo nativo...
... perderei todo encanto, que desde criança
preservei como herança de afeto agregado;
um passado que sempre seria presente...
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"RITA"

Demétrio Sena - Magé

Você faz do meu sonho seu parque ou salão;
se diverte a valer, logo após me abandona;
me disputa e me solta igual pipa e balão,
tanto quer e não quer; é a serva ou a dona...

Gosto disso, apesar de viver na tensão;
ir ao fundo do poço e também vir à tona,
ora ser só instinto e depois coração
que parece de seda, tanto quanto lona...

Você tem um sabor de pitanga roubada
no pomar do vizinho que ameaça e grita,
mas diverte a quem brinca de correr o risco...

É meu tudo e me viro, já vira meu nada
e me deixa feliz, mesmo quando me "Rita"
nesse misto insondável de calma e corisco...
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⁠MONGE

Demétrio Sena - Magé

Minhas asas ficaram sem espaço,
apesar de haver tantos horizontes
meu espaço está dentro de uma bolha
onde as fontes de sonhos não desaguam...
A viagem não vem ao meu encontro;
toda minha esperança está no embarque;
o meu charque acumula sal curtido
pelas sombras da vasta solidão...
Para mim tudo ecoa ralo e longe;
virei monge nas grades do meu eu
recheado por teias infinitas...
Toda minha utopia está puída,
quero a vida possível depois desta,
pois até as manhãs estão noturnas...
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⁠INTENSO

Demétrio Sena - Magé

Sinto muito; por isso espero tanto,
que me frustro com tanto sentir pouco;
há um pranto pra cada frustração
desse louco sonhar que me possui...
Em amor, outros laços, tanto faz,
esta carga excessiva do que sou
é capaz de afastar as almas mornas
e qualquer coração menos intenso...
Tem um fogo de afetos que me tem;
um além, um sentido sem sentido
para quem se deteve lá no sexto...
Porque sinto, e por isso eu sinto muito
por não ter a medida comedida
dos que seguem a vida feito pluma...
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⁠QUEM SOMOS NÃO ADOECE

Demétrio Sena - Magé

A mudança de humores está no contexto da bipolaridade. Não sei dizer se é só isso, pois não sou especialista, mas está no contexto; isso eu sei. Alegria neste momento e no seguinte a tristeza, do nada. Destempero agora, calma depois... e sentimentos de alta e de baixa autoestima, que se alternam. Mas essa variação de reações não interfere no que somos; em nossa essência ou nosso caráter.

Quando, no entanto, alternamos bondade com maldade... malícia com inocência... carinho com frieza... empatia ou solidariedade com egoísmo... amor com distanciamento e o desejo de estar perto de alguém com repulsa (não confundo com a necessidade ou o desejo pontual de estar só, que todos nós temos), essa variação é de personalidade ou caráter. Somos alguém agora e outro alguém depois. As pessoas nunca saberão quem seremos (ou estaremos), quando voltarem a nos ver.

Sou compreensivo com os bipolares, mas não com os de personalidade ou caráter variável; duvidoso. Não falo de bom ou mau caráter; não julgo a tal ponto... mas do caráter que não se define; da personalidade que deixa em dúvida e torna impossível conviver. Ou nos faz lançar mão de contorcionismos comportamentais, para suportamos tanto a convivência com o outro quanto com nós próprios.
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⁠FEIRA DO TEMPO

Demétrio Sena - Magé

Minha mãe já demora e me preocupa,
pois me deixa perdido nesta feira,
nesta culpa infantil por ter ficado
entretido nas cores; entre cheiros...
Ela nunca voltou pra me buscar;
fico aqui, neste choro, a ver o mundo;
os meus olhos no mar e seus navios,
para dar um sentido à nostalgia...
E a feira do tempo não tem fim;
sua xepa se alonga no meu medo,
há em mim tanto caos e tanta espera...
O meu sonho perdeu a minha mãe;
meu silêncio ecoando além do além;
ela nem sinaliza; está bem mais...
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VOLTANDO PRA MIM

Demétrio Sena - Magé

Nunca mais ficarei feito porto seguro,
para quando quiseres a minha leveza,
quando achares escuro algum dia isolado
entre a tua distância de minha saudade...
Acharás o vazio no qual me deixaste
com as vindas e idas, tudo à tua escolha,
ou apenas a rolha da velha garrafa
na qual fui prisioneiro das minhas esperas...
E querias ou não, ou deixavas no ar,
me fazias pairar sobre um sonho indeciso
do qual sempre acordei na total solidão...
Desta vez me perdeste como duvidavas
nesse teu tanto faz que me fez esquecer
o meu ser ou estar que recupero enfim...
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⁠DESMITIFICAR AS MÃES

Demétrio Sena - Magé

Precisamos nos permitir humanizar as mães ou suas memórias em nosso imaginário e nas nossas falas. As mães erram. Todas erram. Erram muito. Na verdade, além de mães elas são (ou foram) mulheres. Além de mulheres, seres humanos. Por melhores que sejam ou que tenham sido, elas têm seus históricos de preferência filial, se há mais de um filho; de superproteção, se tem filho único; de muitas injustiças, em julgamentos de qual filho começou uma contenda e qual é o mais inteligente, ajuda mais ou merece os maiores cuidados seus.

É preciso entender que mães blefam; xingam ou pensam xingamentos... elas também desejam alguém que não entenderíamos e têm manias secretas, como nós temos. O passado? Ah... ninguém queira vasculhar o passado da própria mãe, nos detalhes. Ela pode até parecer um suave livro aberto, mas a partir da página conveniente para si mesma e seus rebentos. Pode não ter feito nada demais; no entanto, para o que os filhos esperam das mães, tudo é demais. Tudo tem a gravidade própria de qualquer olhar filial, por sua parcialidade.

O admirável na mãe... admirável, é o conjunto: a transformação em fera, para proteger o filho; o amor sem limite que se revela nas renúncias pessoais necessárias pelos rebentos. Nas vigílias, quando a cria está em perigo, adoece ou sofre uma decepção. Em todos os momentos nos quais A MÃE precisa sublimar a mulher; o ser humano. Aí se afigura o valor materno, mas "peraí": nada impedirá seu retorno aos vícios, erros e fragilidades pessoais. É ilusório e injusto seguirmos impondo às nossas mães essa imagem de perfeição, fortaleza e santidade.
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⁠MAL ENTENDIDOS

Demétrio Sena - Magé

Tanta mágoa profunda; que não justifica;
muitas raivas vazias que se forjam plenas;
essas "penas de morte" por falhas comuns
de quem fica sem tempo nem lugar de fala...
Tantas frases pescadas fora dos contextos,
tantos "bondes andando", nesses quais embarcam
ou em textos confusos por trás das paredes,
que disfarçam ouvir com sentido integral...
E recados que chegam com redimensões
e ninguém os mandou; nem chegou a pensar;
corações apertados por mal entendidos...
Muitos erros culposos, aos quais ditam dolos
nesses "pólos monárquicos" de quaisquer clãs
onde os fãs da mentira nem sabem que são...
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FEITO PESSOA

Demétrio Sena - Magé

Ando mais fingidor que o poeta que sou;
que a pessoa, o Pessoa, que todo poeta
sobre a face tão sonsa do chão em que piso
como quem se completa no próprio vazio...
Finjo crer que não fingem que sou invisível,
que deixei de contar nos espaços de afetos,
me tornei muito crível, fiquei muito à mão,
feito insetos que agora não podem voar...
A pessoa, os anseios que habitam meus ares
não encontram mais pares, mas finjo que sim
e não deixo saberem o quanto não mais...
O Pessoa que atua na minha ribalta,
sente falta infinita daquelas pessoas
que fingiam em mim, no meu eu, meu olhar...
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⁠FIM DE PEÇA

Demétrio Sena - Magé

Você foi o meu ciclo mais extenso,
minha história mais longa; pesarosa;
hoje penso em você como passado
que não tive; só tive a sensação...
Porque foi um encanto sem raiz,
uma luz ilusória no meu túnel,
fui feliz por engano e condução
da carência envolvida em seus tecidos...
Suas linhas teceram meus enredos
entre dedos astutos, teatrais,
seu adeus foi o pano em fim de peça...
Nada foi verdadeiro em seu afeto;
foi um teto abstrato, pois lhe via
nas estrelas que tive por você...
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⁠VIDAS ALUGADAS

Demétrio Sena - Magé

Sinto pena das vidas de fachada
que se agarram às abas das elites,
às gastrites por olhos que as apontem
com promessas de portas ou janelas...
Não entendo pessoas que se vendem;
vendem suas origens, seus afetos
pelos vetos de vidas com que sonham
e nem notam a baba queixo abaixo...
Negam suas verdades, não hesitam
em fingir que não moram onde moram,
que não choram por dentro do sorriso...
Tenho dó dessas vidas alugadas
nas escadas pra fora de si mesmas,
pois não sabem crescer dignamente...
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