Coleção pessoal de demetriosena
FÉ
Demétrio Sena - Magé
Tenho fé na vontade que me faz voar;
nos temores que acuam, se vejo perigo;
no luar que alumia e também me camufla
quando sigo meu rumo com certo cuidado...
Ponho fé no ateísmo que reforça os passos
ao mostrar que não tenho favor abstrato;
os espaços não guardam milagres e graças
para minhas procuras com gritos e preces...
Minha fé se baseia no ter que acordar
ou por ter acordado precisar seguir;
talvez nem conseguir, porém ter pelejado...
É a fé na não fé que me dá tanta fé
pra plantar cada pé improvável de sonho
e colher consciência do quanto plantei...
PLANTIO CIDADÃO
Demétrio Sena - Magé
Nada muda,
se todo mundo
não plantar
sua muda...
Nada muda
pra melhor,
se até o mudo
e a muda
não gritarem
com atitude...
Todo mundo,
todo mudo,
toda muda
(de temor),
têm que achar
a coragem
no auto amor...
soltar a voz
tão grave
quanto aguda...
E saber
que nossa vida
um dia muda,
se nossa voz
soltar o ato...
plantar a muda...
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AMANTES DA SERVIDÃO
Demétrio Sena - Magé
Quem calava, engolia, era só "sim senhor",
bendizia o chicote, oferecia o lombo,
era grato ao favor de raspar as migalhas
que sobravam dos luxos de todos poderes...
Os que sempre beijavam as mãos dos carrascos
e tiravam chapéus para suas bravatas
ou serviam churrascos que não consumiam
onde nunca deixaram de ser invisíveis...
Esses dizem, agora, que nunca sofreram,
que jamais lhes prenderam por "subversão",
quando são testemunhas da própria utopia...
Hoje gritam bravuras que nunca tiveram,
pregam sua "macheza" de bois patriotas
ou ovelhas devotas de novos senhores...
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COMPLEXO PASSIONAL
Demétrio Sena - Magé
O resumo de tudo é que te amo tanto
e com tal devoção, que me dói tal sentir;
com demência, quebranto, precipitação;
desejando mentir sobre o fogo notório...
Eu te amo com mágoa de ti e de mim,
conto cada rompante de ambos os lados,
vou ao fim que não tem, meço cada minuto,
redesenho passados, invento presente...
Quero sempre mudar as verdades ferinas
ou ficar frio e seco, para ser imune
às ruínas que a vida propõe aos amores...
A verdade afetiva que pauta meus passos
traz temor, embaraços, alucinações
sobre nunca ter tido reciprocidade...
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DECLARAÇÃO DE AMOR
Demétrio Sena - Magé
Se ainda não o fiz nem tenho mais como construir belas e reconfortantes lembranças afetivas, preciso magoar bastante quem ainda me ama... trocar em seus corações, antecipadamente, a longa dor da machucada saudade pelo breve alívio do rancor... e pela tristeza do vazio a deixar, o conforto bem resolvido e inexplicável da decepção e da mágoa. O longo ranger de dentes, farei trocar pela ira vingativa e doce de alguns dias. Ou ainda o sentimento inevitável de perda pela sensação de livramento. Será minha última declaração ou prova de amor a quem amo e por acaso também me ame: dar-lhes a última e grande chance de substituir o gosto amargo do adeus pelo impulso libertador e fugaz de "já vai tarde".
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POESIA INTRANSIGENTE
Demétrio Sena - Magé
Pra que serve a poesia em nossa vida,
se não for pra ser tudo, absoluta,
pra rasgar a ferida e suturá-la,
ir à luta e também à diversão?
Ser profunda; supérflua; densa e leve;
versos livres ou livres pra não serem;
brincalhona, de greve, guerra e paz,
engajada e sem lema nem bandeira...
Como ser um poeta que se obriga
ou que foge dos riscos de querer
e se abriga de seus inusitados?
Não entendo a poesia sem poesia
do poema que teme o novo e o velho,
quando cria raiz intransigente...
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CAUSAS ARRIADAS
Demétrio Sena - Magé
Nosso idealismo está cada vez mais frouxo e as nossas causas cidadãs foram arriadas. Os poderes, quando encontram cidadãos idealistas com as causas arriadas, podem todo mundo em todas as posições sociais abaixo da linha de seus interesses. Tomamos no curso da história, decisões frustradas de acreditar em heróis que nos tratam como bons filhos da luta, quando precisam de nossos votos... mas depois podam nossos sonhos; podam nossa voz; podam nossas esperanças... mostram de todas as maneiras, que ser povo é poda.
Mesmo assim glorifico a democracia, que ainda me permite um desabafo como este. Muitos pobres de alma pedem pra ditadura entrar, porque acreditam que gozarão de melhores tempos... mas ditadura só serve para machucar o povo, em cujo ônus nunca entra o bônus. Sei que as coisas estão difíceis; no entanto, estão bem mais ajustadas do que nos anos do Geno Messias Cida. Sei, porém, que se depender dos bisonhos, o país volta em definitivo pro poço... aí a gente fica de vez em PL e ossos... em todos os contextos.
BILHETE
Demétrio Sena - Magé
Não é que eu não queira mais me magoar. Tudo bem eu me magoar. Mas acontece que quando você me causa mágoa, corro sempre o risco de lhe causar mágoa maior do que a mágoa que você me causa.
Sim; magoar você me magoa. De certa forma, o amor que lhe devoto me fez egoísta... e me tornou capaz de finalmente fugir, para que você não me magoe outra vez, levando-me a magoá-la profundamente pela nova mágoa profunda que sofro.
Mesmo sabendo que não serei perdoado pelo meu não perdão, peço perdão por não perdoá-la como sempre fiz... de antemão lhe perdoo por, de antemão, você não me perdoar porque agora não lhe perdoo.
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ARTILHEIRA
Demétrio Sena - Magé
Sobre a tua desculpa sempre pus a minha;
me sentia culpado se não desculpasse;
dei o passe perfeito a cada jogo teu,
para dares o chute que arbitrasses dar...
Foram tantos e tantos os gols que fizeste;
fui um débil goleiro que nem se mexia,
porque via em teus olhos uma perda eterna,
se num salto perfeito eu detivesse a bola...
De repente um descuido me fez espalmar
o teu chute perfeito como sempre foi;
meu olhar foi ligeiro e providencial...
Eu queria não ter acertado em teu dolo;
te manter artilheira sem nenhuma pausa;
preservar este colo de ninar teus truques...
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A TRAJETÓRIA DOS PRECONCEITOS
Demétrio Sena - Magé
Fiz muitos poemas e textos em prosa que hoje não faria, com a pretensão de conscientizar sobre o racismo. Acho agora, que todos aqueles poemas eram racistas. Também fiz muitos textos que, pretensamente, fariam refletir sobre o machismo. Usei até palavras de um cavalheirismo protecionista que atualmente julgo medieval. Fui machista. Homofobia, mesmo quando não se chamava homofobia, preconceito religioso e tantos outros, tudo isso passou pelas minhas canetas e teclas. Atualmente, seria preconceituoso republicar tais escritos.
É que todas as formas de preconceito evoluem. Ao mesmo tempo, as formas de combater preconceitos, pensar e verbalizar sobre eles precisam evoluir. Mais ainda, nossas formas de antipreconceito precisam ampliar horizontes e nos induzir a novas posturas sociais. Os textos de todos os escritores; as músicas, pinturas e outros desempenhos de todos os artistas, nessa direção, foram válidos em seus tempos. Foram. Hoje capengam, porque o mundo, com novas identidades, inclusive de gênero, exige novas mentalidades, sensibilidades e consciências. E o racismo, que é o pior e mais resistente preconceito, exige ainda maior avanço da sociedade.
Tenho rasgado páginas de alguns livros que lancei, porque os novos tempos tornaram ridículas essas páginas. E todos nós precisamos rasgar muitas; muitas páginas não só de livros, mas também da vida e da sociedade, para sermos um mundo conectado consigo mesmo e com a realidade que ora nos cerca. Realidade essa, que logo será também obsoleta; o que exigirá, mais e mais, novos avanços humanos; civilizatórios.
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CONSCIÊNCIA PRETA E PARDA
Demétrio Sena - Magé
Minha terra tem dores e gemidos
que não cessam; ecoam no meu ser;
meus ouvidos perguntam até quando
vai doer a presença do passado...
A ferida simula cicatriz,
mas a casca não dura sobre a pele
do país que a cutuca; não perdoa
o silêncio rompido à luz dos tempos...
Despertamos a nossa consciência;
não há mais paciência pro racismo
declarado, sutil nem distorcido...
Seja meu e de todos meu país,
filial de matriz da qual se orgulham
filhos pretos e pardos da esperança...
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PLANETA FARSA
Demétrio Sena - Magé
Somos rasos com tal profundidade
que nem dá pra medir o quanto somos;
cromossomos da farsa universal
na qual somos o centro do existir...
Tão intensos e mesmo assim tão fúteis;
temos tal pretensão de sermos tanto,
porém somos inúteis importantes
para quanto não temos importância...
A coragem que temos é por medo;
nossa paz é a fábrica da guerra
no segredo que a hipocrisia grita...
Nós estamos na vida o que não somos,
pois perdemos a nossa identidade;
somos uma verdade mentirosa...
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PERDAS E DANOS
Demétrio Sena - Magé
É pra não lhe ferir que me preservo
desde quando senti que sou capaz,
pelo quanto acumulo em frustrações
onde jaz o meu sonho mais bonito...
Hoje a minha poesia é o epitáfio
desse amor que viveu de acreditar,
mas também de morrer por tanto tempo
a gritar um silêncio no deserto...
Adiei tantas vezes os meus olhos
para todos os tons dos meus enganos,
minhas perdas e danos afetivos...
Nem por isso eu desejo lhe ferir,
sei até preferir comprar a culpa
e lhe dar esse alívio terminal...
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PARQUE DAS FLORES
Demétrio Sena - Magé
Vejo Parque das Flores perder seus recantos
pro cimento; pro piche que produz asfalto;
densos mantos de cinza vão cobrindo as matas
que ressecam nos montes; nas várzeas daqui...
E perder seus idosos mais simples e sábios;
os terreiros de umbanda que ainda resistem;
alfarrábios do tempo que as crenças tiranas
hoje tiram da estante pra matar matrizes...
Quando Parque das Flores não tiver mais flores,
os odores do mato e dos poros do chão
nem os olhos sinceros do povo nativo...
... perderei todo encanto, que desde criança
preservei como herança de afeto agregado;
um passado que sempre seria presente...
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"RITA"
Demétrio Sena - Magé
Você faz do meu sonho seu parque ou salão;
se diverte a valer, logo após me abandona;
me disputa e me solta igual pipa e balão,
tanto quer e não quer; é a serva ou a dona...
Gosto disso, apesar de viver na tensão;
ir ao fundo do poço e também vir à tona,
ora ser só instinto e depois coração
que parece de seda, tanto quanto lona...
Você tem um sabor de pitanga roubada
no pomar do vizinho que ameaça e grita,
mas diverte a quem brinca de correr o risco...
É meu tudo e me viro, já vira meu nada
e me deixa feliz, mesmo quando me "Rita"
nesse misto insondável de calma e corisco...
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MONGE
Demétrio Sena - Magé
Minhas asas ficaram sem espaço,
apesar de haver tantos horizontes
meu espaço está dentro de uma bolha
onde as fontes de sonhos não desaguam...
A viagem não vem ao meu encontro;
toda minha esperança está no embarque;
o meu charque acumula sal curtido
pelas sombras da vasta solidão...
Para mim tudo ecoa ralo e longe;
virei monge nas grades do meu eu
recheado por teias infinitas...
Toda minha utopia está puída,
quero a vida possível depois desta,
pois até as manhãs estão noturnas...
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INTENSO
Demétrio Sena - Magé
Sinto muito; por isso espero tanto,
que me frustro com tanto sentir pouco;
há um pranto pra cada frustração
desse louco sonhar que me possui...
Em amor, outros laços, tanto faz,
esta carga excessiva do que sou
é capaz de afastar as almas mornas
e qualquer coração menos intenso...
Tem um fogo de afetos que me tem;
um além, um sentido sem sentido
para quem se deteve lá no sexto...
Porque sinto, e por isso eu sinto muito
por não ter a medida comedida
dos que seguem a vida feito pluma...
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QUEM SOMOS NÃO ADOECE
Demétrio Sena - Magé
A mudança de humores está no contexto da bipolaridade. Não sei dizer se é só isso, pois não sou especialista, mas está no contexto; isso eu sei. Alegria neste momento e no seguinte a tristeza, do nada. Destempero agora, calma depois... e sentimentos de alta e de baixa autoestima, que se alternam. Mas essa variação de reações não interfere no que somos; em nossa essência ou nosso caráter.
Quando, no entanto, alternamos bondade com maldade... malícia com inocência... carinho com frieza... empatia ou solidariedade com egoísmo... amor com distanciamento e o desejo de estar perto de alguém com repulsa (não confundo com a necessidade ou o desejo pontual de estar só, que todos nós temos), essa variação é de personalidade ou caráter. Somos alguém agora e outro alguém depois. As pessoas nunca saberão quem seremos (ou estaremos), quando voltarem a nos ver.
Sou compreensivo com os bipolares, mas não com os de personalidade ou caráter variável; duvidoso. Não falo de bom ou mau caráter; não julgo a tal ponto... mas do caráter que não se define; da personalidade que deixa em dúvida e torna impossível conviver. Ou nos faz lançar mão de contorcionismos comportamentais, para suportamos tanto a convivência com o outro quanto com nós próprios.
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Respeite autorias. É lei
FEIRA DO TEMPO
Demétrio Sena - Magé
Minha mãe já demora e me preocupa,
pois me deixa perdido nesta feira,
nesta culpa infantil por ter ficado
entretido nas cores; entre cheiros...
Ela nunca voltou pra me buscar;
fico aqui, neste choro, a ver o mundo;
os meus olhos no mar e seus navios,
para dar um sentido à nostalgia...
E a feira do tempo não tem fim;
sua xepa se alonga no meu medo,
há em mim tanto caos e tanta espera...
O meu sonho perdeu a minha mãe;
meu silêncio ecoando além do além;
ela nem sinaliza; está bem mais...
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Respeite autorias. É lei
VOLTANDO PRA MIM
Demétrio Sena - Magé
Nunca mais ficarei feito porto seguro,
para quando quiseres a minha leveza,
quando achares escuro algum dia isolado
entre a tua distância de minha saudade...
Acharás o vazio no qual me deixaste
com as vindas e idas, tudo à tua escolha,
ou apenas a rolha da velha garrafa
na qual fui prisioneiro das minhas esperas...
E querias ou não, ou deixavas no ar,
me fazias pairar sobre um sonho indeciso
do qual sempre acordei na total solidão...
Desta vez me perdeste como duvidavas
nesse teu tanto faz que me fez esquecer
o meu ser ou estar que recupero enfim...
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Respeite autorias. É lei