Coleção pessoal de Cleude
O pior miserável não é o que nega um prato decomida a um mendigo, e sim aquele que não é capaz de doar
uma boa palavra de amor ao próximo, se não a palavra, ao menos um olhar. A refeição se digere ali mesmo no esôfago,mas a palavra é concreta, levamos na bagagem da vida.
O POETA E A VIDA
E assim disse a vida ao poeta:
Me leve por onde for – te entregarei
todos os meus versos de amor.
E o poeta respondeu à vida:
Leve-me em teus braços,
Mas quero ir solto,
Em rimas me embaraço.
Assim é que o poeta leva a vida.
E assim é que a vida leva o pobre poeta.
Ele escreve versos sobre a vida
E ela vive os versos que lhe restam.
ESTÔMAGO
Vontade de ser livre
De sair cantando
Até ir embora.
Vontade de ir pra longe
De seguir chorando
De engolir o mundo agora.
Depois de embrulhar o estômago
A vontade que tenho
É de cospí-lo fora.
ELA E O MAR
Ela e o mar
Tem uma relação de entrega.
Toda vez que vai ao mar
Ele a entrega algo.
No mar já não haviam mais ondas,
ficaram melhores nos cabelos dela.
ACERTOS
As coisas que plantei
Nasceram em lugares diferentes.
Plantei flores no meu jardim,
Elas nasceram dentro de mim.
As borboletas tiveram
Que mudar as rotas para encontrá-las.
As flores que plantei
Nasceram em lugares diferentes,
Não em lugares errados.
ARTE INSANA
Amar é a arte mais insana
Já produzida pelo corpo humano.
Entra por aonde vai
E sai rasgando o caminho de volta.
Amar é uma arte
Em que rasgar e remendar faz parte.
FLORES
Se não sabe o que plantar,
Plante flores em todo lugar.
Se não sabe o que fazer
Faça valer apena viver.
Plante flores em todo lugar.
Se acabou o amor,
Plante uma flor
No lugar da dor.
PEGADAS
Por onde andei, fui deixando
Algo pelos caminhos,
Pegadas.
Exalei perfumes,
Colhi rosas,
Elas me escolheram...
Em algum desses caminhos
Meu corpo ainda deve estar,
Marcado por pegadas
E coberto de rosas
De perfumes exalantes.
SOMBRA REAL
Não sou eu aqui, agora.
Olhe aquela folha seca,
O vento que a sopra
Revela-te onde estou...
Vês aquela rosa pálida?
Não estou em suas pétalas
Nem no seu doce amargo mel...
Mas se vês a minha sombra
Melhor que a minha face,
Eis que nela eu estou
Mais real que em mim mesmo.
OS CABELOS DELA
E quando ela se soltou,
Soltou também os cabelos,
E eles gritavam ao mundo.
E saltaram palavras dos cabelos dela,
Pularam flores dos cabelos dela,
E eu vi voarem borboletas dos cabelos dela,
Até que ela saiu dos próprios cabelos.
E já não era mais reprimida
TEUS VERSOS
São teus estes versos
Que escrevi chorando.
São tuas todas as faces
Que encontrares neles.
Entrego-te algumas
Palavras mudas.
É que melhor fala um poeta
Quando se calam seus ímpetos...
Contente-se com os versos,
As faces, as palavras mudas
E outras coisas torpes
Que encontrares no meu eu poético...
Pois as rosas que colhi
São minhas!
ONDAS
Nas ondas do mar estão
A força da ventania
A revolta das profundezas
O som silencioso das águas
A eternidade azul...
Minhas mãos deslizam suaves
Nas mesmas ondas pacíficas
Com cheiro de rosas serenas
E orvalho leve da manhã
São as ondas dos teus cabelos.
AS FLORES DE UM POETA
Na primavera as flores nascem
No outono viram frutos
Regados pelo inverno.
No verão se ensecam
E no vento vão embora...
Mas há flores que permanecem
Numa eterna primavera,
São as flores de um poeta.
SONHO COMPRIDO
Aonde vai, menina,
Com este vestido florido?
Este vestido que sonha
Um sonho comprido?
Deixou seus cabelos
No vento...
Lá se vão eles, compridos
Como seus pensamentos.
Corre, corre, corre!
Desarme-se da espada.
Vá em busca, menina,
Da sua hora estrelada!
Vai, sem medo
Da curva, nem de nada.
Apenas use o vestido
Para florir a estrada.
VÔO
Aprendi com o tempo
Que é preciso esperar,
Aprendi com o Rio
A me derramar,
Com a rocha aprendi
A me lapidar,
O vento me mostrou
Que posso voar,
As flores me ensinaram
A desabrochar,
A dor me trouxe
Coragem pra chorar,
O mar beija a praia
Mas é preciso voltar.
Aprendi com as borboletas
A alçar vôo
E conquistar jardins.
ESTRELAS TAMBÉM AMAM
Estávamos eu e o mar,
Falávamos de amor
E das estrelas do céu;
Uma delas padeceu
E caiu sobre mim...
Estrelas também amam.
Ela contou dos seus mistérios
E logo o dia amanheceu.
Me abraçou com seu brilho
E junto comigo morreu.
Fio
Saí a procura de algo
Em que pudesse agarrar,
Vi, ao longo do universo
A terra desmoronar.
Nas asas de uma borboleta
Vi voando uma esperança,
Vi perdidos em sua sombra
Os sonhos de uma criança.
Vi nascer no infinito
Um arco de cores
Para florir no espaço
E aliviar suas dores.
Do céu vi cair gotas
De lágrimas de amor
Em cima de uma rocha
Onde nasceu uma flor.