Coleção pessoal de rubobrobsky
somos líquidos
densos como água
água suja
se imunda
contamina.
nos esgotamos
tal como um esgoto.
no entanto
não se engane que purificamos.
somos líquidos
densos como água.
o conceito de liberdade é desesperador
meio à imensuráveis formas de se sentir aprisionado.
de todas,
receio a mental ser a pior.
quando vejo seres livres,
junto quero ser livre também
nem que o junto
signifique separado
os homens não criariam gaiolas,
nem celas
se a liberdade fosse compreendida
de uma maneira tão...
livre.
assim como ela por si só é.
não sou lobo,
sou pássaro em pele de cordeiro,
com sede de compreensão.
me arrisco
logo estou
correndo todos os riscos da existência
sinto o sangue percorrer em minhas veias
de maneira fervecente,
quase fogo de lareira velha
ou fumaça de cachimbo pagão.
ah de mim não saber de mim,
uma sina talvez,
um poema sem fim
ou continuado,
ou amassado,
ou descartado,
ou apenas nunca escrito,
ah deu não saber deu,
uma sina talvez,
não uma interpretação gramatical.
oh meu bem
não espere nada de mim
previsibilidade aguda
afiada me perfura
lateja na minha alma
como um dente que aperta
e sangra.
vistes a última notícia
que não de uma vida alheia?
a vida clama
grita
suplica compaixão e empatia
mas dos eruditos nada se pode esperar.
deles não,
que nem sei quem são.
tenho contado meu tempo através de segundos
eram quatro
e ventava
brisa boa que assopra a face.
noite tépida
razoável para casais que dividem a mesma cama.
sentado de frente para mim mesmo
pensei em alguém,
em outrém,
em ninguém,
em temporais.
o que seria de mim se eu não soubesse de mim?
o que seria?
perguntaria aos porcos
e eles me dariam sua lama
perguntaria aos burros
e eles me cuspiriam todo seu capim.
inepto,
ainda não sei muito desta matéria
e receio não saber tão cedo...
mas de lama e capim
fico com a aventura de viver na incógnita.
o que seria de mim se eu não soubesse de mim?
parafraseio,
me traduzo livremente.
tem dias que o clarão da aurora não brilha.
dias que a chuva não molha,
que o sol não ilumina,
tampouco a lua.
tem dias que o milho não estoura,
que a padaria não abre,
que o porteiro não sorri.
dias que o ponteiro do relógio não sobe,
nem mesmo desce.
que os carros não engatam,
ou não param.
que os galos não cantam
e a as galinhas não dormem.
dias que as portas não abrem,
dias que o coração não bate.
tem dias que nem são só dia
ou,
são só dias que nem dia tem.
era mais um dia comum e silencioso
cuja paisagem sonora se deslumbrava
com os roídos dos insetos que gritam.
os insetos mudos ainda pertenciam ali,
rotineiramente aprontados para mais um dia de labuta.
esta é a pequena história de uma cigarra,
da ordem dos insetos que gritam.
uma cigarra específica,
embora quase não se diferenciava das outras.
a história não é próspera, pois
não se fazem mais histórias prósperas sobre dias comuns e silenciosos.
sobretudo, a cigarra sim.
esta gritava mais que as outras.
gritava pela sua condição de esquecida.
acho que é isso.
vivi fugindo de mim,
mas sempre foi assim,
e sempre foi tudo bem.
procurei me entender
sendo confuso.
na multiplicidade
na abstratatez.
rechacei certezas
pra mim todas obsoletas,
só precisava de disposição pra contrariá-las.
hoje, não muito disposto
só me resta força para me perguntar
mas será se é isso mesmo?
eu não sou ninguém.
vazio.
um bando de moléculas e células
e sentimentos.
um bando de palavras e silêncios
e sentimentos.
um bando de inseguranças e desejos
e sentimentos.
eu não sou ninguém,
quem deras fosse
ou melhor
antes fosse.
caducidade do cão
caduco opaco
parado
e turvo.
solta-lhe as amarras.
o cão que não é nada,
ou um bando de coisas,
que só sente.
ultimamente tenho me sentido assim
meio farofa processada
em processo.
andamento sem freio,
sem rumo
nem destino,
que só vai.
acho que a vida é isso,
olhar para a primeira correnteza
e descer junto à ela,
sabe-se lá onde se acabam as correntezas.
meu destino desatino
vida insólita,
pouco modesta.
põe-se a mesa para os meus pares
que hoje é o dia da anarquia.
vai viver cabeça oca
que o dia já se quase amanhece.
diga-se de passagem
a noite é uma criança.
diário de um niilista
agora que perdi a noção da geometria existencial
eu poderia olhar para o céu
lá no alto, bem alto,
para além das nuvens,
talvez por detrás de todo grande borrão azul.
e absorto nisto,
pensar serenamente
na dúvida que exorta minha existência
aqui em baixo, bem baixo.
qual o meu propósito aqui?
no começo só tinha medo de morrer
mas foi ficando bom nesse negócio.
hoje, só quer existir.
não faz ideia de como.
ainda.
entretanto
entre tatos e olfatos.
entre dedos.
entre idas, vindas.
entre um,
entre outro.
entre dois,
três.
verões,
novelas,
tráfego.
entre pessoas,
entre transições.
entre navios,
navegantes.
mares,
amores.
entre estádios,
jardins.
flores e,
amores.
entre mim,
entre nós.
entre.
tudo,
ou nada.
entretanto
entre.
tanto,
ou tanto faz.