Coleção pessoal de CarlosVieiraDeCastro

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⁠A poesia não sacia a fome de estômago, mas alimenta a alma e o espírito
àqueles que os tiverem ainda.

⁠ESPINHO-MAR PÃO E
ÀS VEZES MAR CÃO

Como eu te amo, Espinho
Flor do mar
A brotar
Num lençol de verde linho
Nesta minha inquietude
Cravada na solicitude
Daquele botar
Do barco ao mar
A querer buscar
Algum peixe graúdo
Que os deuses
Por vezes,
Só te dão
Em ração
De pão
Miúdo.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 13-04-2023)

⁠A poesia, é como um farol que ilumina na escuridão dos tempos.

PÁSCOA SEM PASSAGEM

⁠Foi Páscoa.
Só dei por ela e pela aragem,
Na singeleza do nome passagem,
Só mesmo, sem mais,
Neste mundo dos mortais.

O sol, estava tão triste,
O vento, sem ação,
E se a memória resiste
Caía uma melancolia
Na cruz erguida,
Ferida, do meu coração.

Páscoa, para mim,
Não é doce nem salgada,
É assim
Como quase tudo do nada
Em desprender de vícios
E estrupícios
Na minha fé amansada.

Que interessa Páscoa
Se na passagem
Da mensagem,
O mundo vive em clausura
Mesmo sem grades,
Nestas minhas saudades
De uma Páscoa pura?

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 11-04-2023)

⁠DANÇAS DO VENTRE E OUTRAS EXCITAÇÕES

Era na noite avançada
Dos nossos tempos idos.
Aplicavas os teus fluídos
Nos requebros do teu ventre,
Em danças que a gente sente
Acordar libidos adormecidos.
Em lascívias
Óbvias
Do teu tronco,
Em sinais de púbis molhados
Nos negros caracóis
Fantasiados
Nos brancos lençóis,
Que depois da dança tua
De ventre
E de frente,
Fazíamos amor
Cansado
Mas sempre apetecido
Quando regurgitavam
Orgasmos,
Em espasmos
De loucura e dor.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 08-04-2023)

⁠ALMA SECA

Que interessa eu dizer
E ao mundo revelar,
Mostrar
O que me vai na alma,
Se não é isso que acalma
A minha sede de viver?

Se eu confessasse o que sinto,
Mesmo na pura verdade,
Dir-me-iam por bondade,
Ou por maldade -
Que minto!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 06-04-2023)

NOSTALGIA

⁠Cai em mim uma nostalgia,
Sem eu a ter pedido no tempo.

É assim como uma melancolia,
Uma tristeza vaga,
Que não se apaga
No momento.

Que vida.
Que tempo.

Que amargura dura
E tão escura
Havia de me assaltar.

Agora, que eu só queria
Tão pouco,
Para não entrar em louco,
Descansar,
Repousar,
Para aprender a sonhar...
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 04-04-2023)

⁠Escrevia, Miguel Torga, Poeta Maior, em Coimbra, a 4 de Abril de 1981:
- "Tentei explicar o mecanismo psicológico. O poeta é, de facto, um ser
incómodo. Mais cedo ou mais tarde, obriga os detratores a um embaraçoso
mea culpa. E como eles, no íntimo, o sabem perfeitamente, olham-no sempre
de través, a adiar quanto podem essa hora de rendição. Até que ela chega
irrevogavelmente pela mão da morte. E, então, é uma avalanche de adjetivos a
ver se o soterram e, alçados no cômoro lutuoso, se glorificam na glória que
proclamam." (Diário XIII - Miguel Torga)

MINHA HOMENAGEM:

QUADRA PARA TORGA

Se o poeta é desconforto,
Digam-no já em vida,
Não falsem depois de morto,
Que foi um santo de ermida.
© 𝕮𝖆𝖗𝖑𝖔𝖘 𝕯𝖊 𝕮𝖆𝖘𝖙𝖗𝖔.

⁠O GRITO

Ouvia-se o grito.
Na noite do vendaval,
Duma garganta, saía aflito
O ronco de algum mortal.

Terrífico
Horrífico,
Que entrava pela janela
Fechada pelo medo
De entrar nela,
Mau credo ou até bruxedo.

O vendaval amainou.
O grito parou.
Aberta a janela,
Ao perto, à luz da vela:
Era uma voz de fome,
Um homem sem nome,
Sem idade de vida ou ser,
Que só pedia a esmola do comer.

(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 03-04-2023)

⁠ÁRVORE SECA

Ao vê-la, estarreci.
Ainda ontem
Do antes de ontem
De há três dias,
Eu vi-a;
Parecia-me salva
À luz da alva,
Daquele passado dia.

Hoje, mesmo agora,
Olhei lá fora:
Estava já mirrada,
Seca, num esturricado
Como torresmo queimado.

Quis regá-la,
Refrescá-la,
No pé do tronco a morrer.

Só então me lembrei
E pelo que sei,
Não adianta em desnorte,
Querer vencer
Sem poder,
Aquilo que já é morte!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 02-04-2023)

⁠O MENINO E A BOLA

Ele ia atrás da bola.
Que belo, ele a correr
O menino de sua mãe,
Que Deus a conserve e tem
No enlace com seu pai,
Em risonho amor de viver.

Chuta, vá meu pequenino,
Afaga os teus pezitos na bola,
Com o esquerdo ou o direito
O teu chutar é perfeito,
Rumo ao verdadeiro destino
Traçado na camisola.

E no passar do sol pela lua,
Pelo fogo, pelo ar, pela água
Sem mágoa
E pela terra,
Um dia, nunca te esqueças
Peço-te, não esmoreças,
Pois a vida será sempre tua
Nua e crua,
Pela verdade que encerra.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 01-04-2023)

⁠Se não fosse o que os outros dizem de mim, eu nunca saberia o que sou.
Juiz de mim próprio, nunca. Poderia correr o risco de ser parcial.

⁠CRUZ DE JESUS

Tanta gente.
Tanta fé, ó Cristo,
Na tua cruz
No teu sinal
Que seduz,
Se beija
E se benze,
Para afastar maleitas,
Maus-olhados,
Que afinal,
São coisas imperfeitas
De males mal limpados.

Tanta gente.
Que gasta o madeiro
Da tua cruz infinita,
De tanto o dedo raspar
Para afastar o medo
Da sua desdita.

Tanta gente.
Irmão, Senhor, Jesus,
Que só quer a tua cruz
Por gostar,
Sem amar,
Sem te ajudar
A suportar
O peso desse fadário,
A caminho do teu calvário.

Por nós,
Que não te damos voz.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 30-03-2023)

⁠REFEIÇÃO

Jamais te convidaria...
Por certo, estás habituado
A comeres mais fartos,
Feitos com amores
E sabores
De repastos
Em outras mesas
De mais certezas
Que a minha, que se vai
E esvai em lavagens porcinas
Feitas comeres
Sem temperos e saberes
Por gentes sem disciplinas.

E neste comer só de olho,
Há quem só coma restolho
Que nos deixam abandonados
Como dejetos de cães votados
Ao desprezo
Em mesas tristes, já fadadas
Para servir ração a um preso.

Sinais puros de vinganças
Todavia, sem esperanças...

Porque eu sou pedra
Sou esta dura vida,
Sofrida,
Senhor,
Que és o tutor
Dos meus atos.

Aqui, comem melhor os gatos.

Muito gostaria,
Mas pelos factos,
Jamais te convidaria.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 28-03-2023)

⁠ALTARES

Anos vão.
Construi e tenho no meu quarto
Numa cómoda velha de minha mãe,
Um santuário,
Tipo berçário,
Que acolhe alguns santos
Do reino que Deus tem.

Uns mais que outros, sacrossantos,
Para mim.

E assim,
Talvez pela memória
Feita só estória
De querer afastar medos e quebrantos
Em simples peças de barro,
Já em padecimentos de sarro.

E cada vez mais eu reparo
Que neste mundo às avessas,
A quem faltar fé ou faro
Baterá em portas travessas.

Ravessas, elas só se abrirão
Por senha ou pela beatice,
Sempre esta minha tolice
De não aceitar sermão.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 27-03-2023)

⁠OBSOLESCÊNCIA

Por antiquado me achar,
Deixei-me ir
E deitei-me ao rio
Frio
Dos frustrados,
Por não saber amar.

O ir, é quase uma ciência
De esquecer o que nunca é de vir,
Como obsolescência
De ao defecar, sentir.

O rir,
Pela grossa asneira
De querer meter
Sem jeito ou maneira
Um parafuso
Difuso,
Numa racha estreita
Feita
Mártir sem saber
O motivo
Do seu castigo,
Por sofrer
Em grito amargo,
O não ter
Em si, um largo
Mais largo.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 24-03-2023)

⁠VAMOS

Anda, linda,
Vamos por aí,
Tu comigo e eu sem ti,
Mais ou menos lado a lado,
Mostrar as cores
Das flores
Que tens
E reténs
Nos anelos
Das pétalas dos teus cabelos.

Vamos descobrir o mistério
Flor linda
Do meu refrigério,
Ainda
Segredo do meu ermitério.

Encosta-te a mim,
Na comunhão do cheiro
Inebriante,
Contagiante,
Que têm as flores
Dos meus amores,
No jardim do cemitério.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 23-03-2023)

⁠Nunca desejei o ter só por tê-lo, nem o poder para podê-lo, como minhas metas de vida.
Quis ser só eu mesmo, simples, sem subterfúgios ou vãs ambições mundanas, mas até isso me quiseram negar.

⁠VAZANTE

O rio.
O Douro.
O meu tesouro.
Está agora
E por hora,
Na vazante.

Nem se nota por instante,
Na ribeira
Desta praça primeira
De gritos
E de apitos
Aflitos,
Nas gargantas
De tantos pregões
Das mulheres de colhões.

De flores vindas do horto
À falta de melhores
Neste granítico Porto
De abrigo
Que dá castigo
Para quem não torcer
Como eu torço
Com a couve do meu troço.

(Carlos De Castro in Há Um Livro Por Escrever, em 22-03-2023)

⁠⁠SOL

É essa estrela anã, amarela,
Que está sempre nascida
Na vida
E por ela
No mundo redondo,
Que logo pela manhã
Quer se veja ou não,
Aquece,
O coração,
Com estrondo,
Quando este desfalece
Por suposição.

É o sol,
Do nosso dó,
Da popa à ré,
E mais do mi
Em fá,
Do lá
E de cá,
De mim
Por si,
Mas, teimosamente,
Brilhantemente,
Sol,
Sempre presente!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 21-03-2023)