Coleção pessoal de CarlosVieiraDeCastro
A pátria minha, é aquela que eu invento nos meus sonhos.
Daí me chamarem sonhador louco de uma pátria irreal.
IRMÃO
Será que sê-lo já basta
Sem sermos de sangue igual,
Meter na mesma canastra
A força que nos anima a tal?
Irmão, é sempre aquele jeito
Entre o belo e o imperfeito,
Que nos foge nos entretantos
Das vidas às cambalhotas
Entre demónios e santos
Em sociedades de apostas...
E quando a força desanima
Vem a angústia e a revolta,
A gente quer passar por cima,
Mas a irmandade não volta.
Surge então que a própria vida,
Aos que fez de sangue irmãos,
Arranja em contrapartida
Outros de sentir, mais sãos.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 12-10-2023)
A MAÇÃ
Era outono.
Havia uma maçã no chão,
Caída da árvore cinquentenária.
O homem, esfomeado, vergou-se
No ranger dos ossos castigados
Por longos jejuns lazarentos,
De uma vida de naufragados
Num barco de pobres assinalados,
Pelas misérias dos tempos.
Tinha já a podre maçã
O bicho que a carcomia,
Fruto de macieira arraçada
Também velha e corcovada,
Triste por não ser sã,
Nos ramos em agonia.
Prestes a pegá-la do chão
Pousa um passarito aflito
E o homem com prontidão
Diz ao pássaro com emoção:
Come, come tudo sem parar,
Pois assim me capacito
Que minha fome pode esperar.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 11-10-2023)
O HOMEM DO POEMA
Sempre que escrevia, agoirava:
Não vale nada!
Que poesia mais chanfrada!...
Talvez namoro ou derriço,
Ou grito agudo de lamento
Daqueles que a alma vomita
Numa sensata heresia,
Enquanto lhe resta tempo?...
Mas quando o poema nascia
Na transpiração suarenta
Do corte da placenta
Do filho que foi dado à luz,
Entre coxas de sofridão,
Na mais completa escuridão
Onde só se via a cruz,
O homem chorava então,
Já não agoirava e dizia:
Eis a minha poesia
Tão modesta, tão pequena,
Saída da minha pena...
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 11-10-2023)
É impressionante como um futebolístico resultado menos positivo, consegue mudar e adulterar as relações de amizade entre alguns humanoides.
Depois, venham cá soprar-me aos ouvidos a dizer que só há um X (xis) número de drogas num espetro identificado neste mundo terrantês.
Para os eruditos e balofos estudiosos: acrescentem mais esta substância alucinogénia ao vosso cardápio de ilusões,
ou então, acabem de vez (...) com esta praga, antes que Alguém venha manifestar que é ela (mais uma...)
que está a criar desarmonias e muitos males reinantes no tecido da sociedade, enfim.
AMOR DE SALVAÇÃO
Vem, amor de salvação - ao nosso ninho
Que construimos no chão - de mansinho,
De penas, musgo, paixão - tão maciinho,
Como pássaros doidos sem perdão.
Vem, amor de salvação, alivia então
Esta dor saudosa e assaz magoada,
Faz do nosso ninho
Já velhinho ,
A nossa cama, a nossa morada,
Com rodas de algodão
Para percorrer a estrada,
Rumo ao planeta da ficção.
E se as rodas
Tão melindrosas,
Furarem pelo caminho,
Não faz mal:
Ficaremos sempre no nosso ninho,
Esse destino fatal!
Vem, amor de salvação!
(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 03-10-2023)
SE OS MEUS OLHOS
Ai, se os meus olhos dissessem
O que viram quando eu via,
As coisas sacras e profanas
Das procissões das vaidades
E cortejos de perversidades…
Nos convívios só de apelido,
De carneirinhos em sentido
À espera da ordem mestra
De chefes, gente que não presta,
Sem carácter nem humildade.
Era assim na mocidade
E hoje também não falha,
Nas feirinhas desta canalha
Velha, sem idoneidade.
Ai, se os meus olhos dissessem
O que viram quando eu via,
Outro galo então cantaria
Mesmo que mordaças houvessem.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 01-10-2023)
OUTONO SEM COR
Dantes, eram cores e terra em sono.
Eram paletas de inebriar no outono.
Agora, não sei porquê,
Ele já não pinta nem dorme
Nem come com fome.
Será que ele vê
O mundo mais estarrecido,
Que já nem folhas deixa no chão,
Quase todas tombadas no verão?
Que outono este, tão distraído…
E eu que queria tanto pintar
Talvez mais até borrar
Uma tela,
Simples, singela,
Com cores mágicas de encantar.
A minha musa inspiradora
Do outono multicor,
Sumiu-se farta da pose,
Nervosa pela neurose
Do mau pintor
Plebeu,
Que sou eu.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-09-2023)
OUTONO INFIEL
Falso este Outono
Ou um rapaz rapace,
Tomate feito de alface,
Ou ridícula manha do dono?
No fresco do seu calor,
Naquele falso ardor
Ele mente,
E a gente nem sente
A infidelidade premente.
Quem és tu outono
O, dos poetas?
E ele (respondeu-me em seu mono):
Eu já não sou quem tu pensas,
Poeta de tantas parecenças,
E agora sem mais ofensas,
Digo: Não sou mais o teu outono.
OUTONO SEM CASA
Toda a vida eu sonhei
Construir uma casinha
Como só eu sei,
Numa bela arvorezinha
E fazer dela o meu trono
No agora vindo outono.
Que ilusão esta a minha,
Ó sonho louco e fugaz!
Nem árvore nem arvorezinha
Ou casa ou minha casinha,
Utopias que a vida traz.
Na montanha, tudo ardeu,
Tudo queimou e até eu
Como pássaro que fica sem asa,
Como cão que fica sem dono,
Ficarei sem aquela casa
Que quis construir neste outono.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 24-09-2023)
PORQUE ME LÊS
Tem cuidado,
redobrado.
É a mesma coisa que perderes-te
No emaranhado das coisas da vida,
Ou gastares cera com tão fraco defunto.
Nunca conseguirás agir e dizer-me
Ou desarmar a ratoeira preferida
Dos poetas menores de corrente suicida
Que na vida da morte, caçam o verme.
Tantas vezes as parábolas minhas esquisitas,
Digo-o, sem rebuço ou falsas conquistas,
Fazem da minha figura em termo antigo,
Aquele que ainda diz: Só sou teu amigo,
Quando me deres, o que muito me apraz,
O teu cumprimento de frente e nunca detrás...
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 22-09-2023)
TERRA-MÃE
Vinha o outono, de mansinho, a caminho.
Caíam chuviscos, ariscos, na terra-mãe.
Mostrava ela o interior do útero em ferida,
Naquela terra mártir em sôfrego revolvida,
Depois de lhe apararem os frutos do pão.
Daquele pão que ela nos dá airosa,
Famintos que somos do seu sabor
Que mata a fome da boca e do amor,
Mesmo quando a pedra nos sabe a rosa.
Era aquela terra, seio esventrado
Pela charrua crua e pelo arado,
Que depois serena acolhia a semente
Nas entranhas do húmus complacente.
Parecia-me uma mãe dolorosa
Que tinha acabado de dar à luz
Tantos filhos de uma vez só,
Que até o Criador celeste facundo
Em tom suave e místico, profundo,
Num clarão celeste que cega e seduz
Lhe começou a chamar de forma ardilosa,
Terra-mãe e avó-terra e eterna do mundo.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 16-09-2023)
ASAS DE APARIÇÃO
Roçavam no meu rosto cansado e pálido,
Penugens de ricos sentados em cadeirais
De ceias opíparas imitando as dos cardeais;
Não sei se ainda vivos ou balofos imortais,
Só sei que as penas das asas eram ao cálido.
Talvez mais ao negro e profundo esquálido,
Não do magro, quiçá mesmo ao imundo sujo,
Deste mundo chanfrado de efeito obtuso.
Por tal e demais conformes eu me escuso
A viver por muito mais tempo de uso
Neste planeta perneta por demais confuso,
Em que me dão a comer pão em desuso
Por algum castigo ou má-fé eu acrescento
Na esperança do direito pleno do julgamento.
Nunca palavras inúteis eu por saber esbanjo…
Se as asas não eram de aparição, então
Seriam por remédio ou alguma suposição
As asas aladas de um hipotético anjo!?...
(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 12-09-2023)
CHORAR PELOS PECADOS DO MUNDO
Tantas lágrimas escorriam,
Como sangue fluindo, se esvaíam
Dos olhos dum puto sentado à beira de uma estrada
Na minha aldeia nordestina industrial safada.
Não, não era África, nem outro continente, nada...
Era no Portugal presente, pretérito e escuro.
Havia ali uma fronteira, sem muro.
Ah, nessa minha triste caminhada,
Vi também um velho a acariciar a estrada
Há tanto tempo por ele estudada
Para fugir a um presente sem futuro.
Cansado, sentei-me numa pedra da berma
Dessa estrada também minha de estaferma,
Para sentir as lágrimas do puto a chorar.
Quando meti o choro dele dentro de mim,
Inferi e senti com total e mística emoção,
Que quanto mais aquele puto chorava,
Mais eu, em dobro sentia enfim
Que o meu pobre e louco coração,
De ardor, de compaixão, rebentava.
(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 21-08-2023)
PRAIA DA NOSTALGIA
Só te vejo agora pelas tecnologias
Que me mostram marés cheias
E outras tantas coisas vazias
Num vazio tão triste de ideias.
Corpos pequeninos na praia distante,
Que já foi só nossa nas noites frias
De gente comigo, na areia escaldante.
Que saudades quando nela eu indo
Na cíclica maré da baixa-mar,
Tanta areia havia para levantar
Milhões de castelos para albergar
Os amantes dos amores proibidos.
Agora, após longos anos idos,
Ainda te amo, mas de forma estranha,
Praia de areia do mar dos meus sentidos,
Eras a menina dos olhos meus,
Quando a tua beleza era tão tamanha
Que até um dia foste pintada por Deus.
(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever)
CORRE MEU VELHO
Anda, poeta velho!
Escarcavelado!
Escaravelho!
Pingarelho desarmado
De olhos cerados,
Magoados,
Galga, meu velho!
Secaram-te as lágrimas,
Brotaram-te as águas
No leito do teu rio,
Tão vazio
E tão cheio de mágoas.
Não durmas mais a sesta.
Caminha,
Noutro caminho
E foge de mansinho
Da prisão desse lar
Em que te querem encerrar,
Sem te ouvir
Se queres ficar ou desistir
De pensares,
De sonhares...
Foge!
Foge!
Corre, meu velho!
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 10-08-2023)