Coleção pessoal de calmila

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Primaveril,
E então, é primavera. Minha vontade era telefonar apenas para dizer: é primavera. Bem provável que você nem saiba, e não se importe. Só que a partir de hoje, as flores vão começar a surgir nas árvores, por entre os canteiros da cidade, nas saias e vestidos rodados das moças que passam, e defloram, sorridentes, coradas e harmoniosas. Sei que você sempre me achou um tanto mística, e talvez não compreendesse toda a entrada desse novo ciclo, dessa estação que aflora, e promete nos fazer mais complacentes, esperançosos. Talvez você me ache ainda mais doida e insana, mas vi numa dessas minhas ilusões coloridas aquilo que queria para o momento de agora, enquanto o céu cinzento se esvaía por entre os dias, semanas que passam - quem sabe você e porventura eu, sentados conversando na grama tão naturalmente verde e viva. Idílico, perfeito, divino. Mas, não. Nada disso aconteceria hoje, nem mesmo amanhã, porque você nem existe mais aqui no meu cotidiano, e até deve ter se esquecido da minha existência dramática, insistente em tentar furar o seu habitual viver sofisticado, transitório. Com alguma mágoa resguardada, mas com algum carinho, imagino.
Poderíamos ver animais se engraçando, e deixando a pouca racionalidade que têm de lado, enquanto comeríamos do fruto, e conversaríamos sobre qualquer coisa vã, como nossos futuros ideais destraçados, nossas frequentes dúvidas em existir e estarmos vivos, no momento presente. Juntos. Embalados por qualquer bossa nova docinha e cautelosa, como deveríamos aprender a ser os dois. No entanto, apenas outros casais também desiguais deixando se consumir atrás de amores incertos, desqualificados. Quando eu nem sei se o seu ódio ainda existe, se você olha para a estante do quarto, e lembra do meu silêncio matutino, tão incômodo, eu vivo pedindo e querendo, calada e em pensamento que você também sinta a minha falta assim, laceando, e volte com uma flor para os meus cabelos loiros segurar, atrás da orelha. Ou quem sabe, se a gente apenas comesse sorvete, e dançasse por entre a chuva de verão, qualquer coisa. Em contrapartida, nada acontece. Você ainda inerte, inatingível. Eu cansada, descrente. Querendo apenas te contar que, finalmente, é primavera. Desejando que você não se apaixone tão cedo, e não se arrependa tão tarde também. E você não está aqui, o amor está no ar, e as flores nos jardins. Aposentaremos casacos, calças e blusões, e voltaremos a usar apenas camiseta, vestido, chinelo de dedo. Tiraremos o corpo também do armário, e de volta a cor do pecado. Como quando eu te conheci, naquele verão que ia embora, e daqui uns dias chega; num piscar de olhos, passou meio ano, e logo um se completa, inteiro. Hoje começam as amenidades, que comece então pelo meu coração quietinho e calado, apenas te enviando mentalmente esse mantra entoado de que: é primavera, finalmente, é primavera.

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"De perto, ninguém é normal."

Me lêem, mas não me vêem. Não assim, maquiada e com a pele obstruída em base, pó e blush. A tão famosa pinta acima da boca, as covinhas nas costas, ou meus dentes grandes, e os lábios finos. É engraçado como sabem vocês das minhas tantas dores, ansiedades e complexidades, e nunca, nem sequer, tenham me visto cara à cara. Pensei nisso enquanto entrava no supermercado e comprava barras de cereal, e uma menina me fitou. E concluí com uma frase que já ouvi por aí, não sei aonde e nem a autoria: de perto, ninguém é normal.
Como o Bis em partes. Primeiro a parte de cima, depois o recheio, a parte do meio, de novo o recheio e só apenas a parte meio oca do final. Caminho rápido pelas ruas: sou quase um foguete. Coço o nariz mesmo quando não minto; é a rinite, que me ataca sempre. Tenho falado cada vez mais sozinha. Converso comigo mesma no calçadão, quando seco os cabelos, e antes de dormir. Quando sou pega em flagrante, ensaio um tom meio musical, que passe a mensagem mais sã de que "não sou louca, estou apenas cantando.". Quando me deito, os cabelos não podem encostar a pele: pra cima, e longe de se enroscar nas orelhas, de atrapalhar o meu sono de princesa. Fujo de semi-conhecidos (chega a ser incrível a quantidade de chaves, celulares e papéis que eu TENHO que pegar na bolsa, sabem como é...). Interrompo os outros, para não me fugir a idéia no ponto alto de conversas - e me arrependo, minutos mais tarde. Ensaio diálogos que quase nunca se concluem, ao telefone. E muito menos ao vivo. Quase chuto pessoas que caminham devagar, quando na minha frente. Não dialogo com coerência assim que acordo. E nunca, em hipótese alguma, tente discutir comigo pela manhã - ainda mais, se não quiser ouvir algo que te machucará. Será i-ne-vi-tá-vel.
Faço eu mesma meu leite desnatado, colocando metade do leite integral, e outra metade de água mineral. Não como tomate. Detesto telefone. Nunca tive o hábito de roer as unhas, mas puxo as peles que ficam em volta da unha. Hoje não quero, amanhã necessito. Sou ríspida, e hora depois, amável. Discuto por futebol, e abraço por gosto musical parecido. Na rua, não olho pro lados. E nem para qualquer psiu, fiu-fiu. Pra frente, e reto. Alheia, e indiferente - quem me conhecer, me chamará pelo nome. Algumas vezes, escuto Tetê Espíndola e Belchior, para não cair na mesmice. Passo rímel com a boca aberta. Tropeço mesmo parada, e não consigo dormir em lugares públicos. Ando como uma desabrigada em casa, com roupas velhas e uniformes dos meus antigos colégios. Sempre confirmo o preço, mesmo sabendo de cor. Não durmo sem saber meu signo do dia seguinte. E não pego no sono se a porta do armário estiver aberta. Necessito de pelo menos quatro litros de chimarrão e uma paçoca, por dia. Minto meu nome em festas, e à pessoas indesejáveis. Leio o jornal de trás pra frente, e abro a geladeira pra pensar. Além do mais, dobro a ponta das páginas, ao invés de usar o marca-página. Sou estranha? Talvez sim, acredito que não. Nem me importo. Sempre busquei o diferente, e talvez até tais diferenças sejam batidas, manjadas ou então, populares. Vai saber!
Dizem que mania, cada louco tem a sua. Essa são algumas das minhas, ou apenas, as que consigo perceber. E claro, como de perto, ninguém é normal, aqui está minha assinatura, logo embaixo de tudo isso. Porque sem apenas um desses meus pequenos defeitos, poderia ser você, poderia ser a sua irmã, ou a sua amiga. Mas de perto, a uns cinco centímetros, essa é uma face de mim. Apenas uma, das tantas e tão distintas. Gosta quem quiser, e detesta quem puder. Não dizem que são os defeitos que marcam, aprisionam, e apaixonam? Acredito também, ué.

Um nojo úmido, umas flores.



Acordar depois das dez tem suas vantagens. Menina do dia que sempre fui, descobri isso tarde. O dia, sem dúvida alguma, passa mais rápido. E quando esse dia é domingo, a gente apenas comemora, certo? Odiosa de finais, fechamento de ciclos, detesto o último dia da semana. Mas hoje, não. O sol aberto, o céu brilhante, as nuvens escassas. Nada deixou com que eu detestasse esse dia. Em família, como tantos que gradualmente vem se configurando, nessa categoria. Porém, aquilo foi me cansando. Como quando tudo vai bem demais, explodi. Não dá pra ver um castelo de areia bonito, e construído, não? Piso com força, sem medo; destruo sem dó. Piedade? O que é isso? Eu quis a paz, mas não essa calmaria. E depois tento construir com pressa e perfeccionismo, dois adjacentes. Não dá. Explodo, estrago tudo, e é por amor. Amor demais. Minha família me ama muito. Tanto, que eu não sei aceitar. Certa vez, construí toda uma teoria sobre o assunto. Meus pais e irmãos gostam de mim de forma tão intensa e gratificante, que não dão espaço para outras pessoas me amarem. Isso mesmo. Penso que, todos recebemos a mesma dose diária, semanal ou mensal, - que seja - de amor. E quando você recebe tanto, mas tanto amor de uma dessas vertentes, a outra fica corrompida. E que toda essa superproteção, essa paixão indomável, me davam amor fraternal - e eu ficava escassa de amor carnal. Típico pensamento chave pra encaixar na fechadura da minha má sorte amorosa.
E então você sente um nojo dessa hipocrisia toda. Dessas pessoas que prometem, e não cumprem. Desses tipos que fingem, e não são. De tentar ser feliz, e conseguir muito raramente. Com intensidade, mas em poucas ocasiões. Você vê pouca realidade, nos sonhos que a sua cabeça fraca e o seu coração burro construíram.Você dá segundas, terceiras e quartas chances, e as pessoas rasgam fora. Depositam no lixo, toda a sua nuvem de algodão, o seu cetim e seus paetês emocionais. Ninguém te conforta, e os erros são os mesmos. Te avisei, alguns dizem. Eu já sabia, eu já sabia, eu já sabia, respondo. E pior: não saem do pé. Sarna pra se coçar, que eu mesma fiz questão de selecionar. Mesmo que chacoalhe, perseguição é a resposta. E quinta chance, é complicado. Melhor não. Papel de palhaça é o destino. E não entendendo muito dessa vida, querendo que alguma coisa (boa) aconteça com urgência, você vai vivendo. Sem muita esperança, e como a vida ordena. Com aquela velha vontade de viajar e sumir, sem volta, no bolso. Pra ver se os seres se tocam, as coisas tomem rumos certos. E apenas decepção. Um nojo úmido, um vazio incompleto e a mesma vontade de ser dura, de incorporar a rude, que na maioria das vezes, não consigo. Karma que é ser toda boazinha e coração, e perdoar desculpas inúteis e gente desmerecedora.
Volto pra minha cama, meu momento de solidão facultativa. Quero ficar sozinha, apenas. Meus três livros, bolsa no final da cama. O armário bagunçado, superlotado. Entre um amor tão grandioso, e vibrante, e gente que me cansa, quebras-cabeças incompatíveis, minha companhia própria e inconfundível. Sabendo que, descendo a escada, o amor está ali. Carnal ou fraterno, amor. Flores do meu cotidiano, entre tantas poças de limo, lama e o nojo dessa umidade cinzenta. Obrigada.

Ainda que digam que é melhor acabar o que nem teve a chance do começo, que não ia dar certo, que o erro deste inconsequente é imperdoável, algo aqui se recusa a entender e aceitar tudo isso; me pede todos os dias antes de dormir ou acordar, e deitar naquela cama praiana, ou na rede, que eu nade contra a corrente, que eu seja novamente inesperada e apareça.

Mostrei meu lado carente e louca, e te perdi pra sempre. Mesmo sabendo que as incompatibilidades eram inúmeras, e faltava um bocado de seriedade e maturação, me permito esse luto necessário.

Com minha ansiedade, meu papel vital de botar a boca nesse mundo, e todo o meu sentimentalismo, queimei a corda que nos unia, por sentir demais aflorada, na pele, o mal que se instalou em minha persona. Fui para cima, quando tudo que eu devia ter feito, era recuar; sutil e superior.

Quem deu o maior passo errado pra tudo que vínhamos construindo, o xeque-mate, foi você. Por mais que eu viesse fazendo todas as jogadas erradas nesse nosso vasto xadrez amoroso.

Vontade instantânea de refazer as pontes quebradas ou escalar um abismo, de onde provoquei essa queda abrupta. Voltar pro mundo que tinha antes, mesmo que fantasioso, irreal. Amor e ódio, entre as brigas e as juras eternas. Uma saudade maléfica de tudo isso, e que eu não sei de onde brotou. Da pessoa que menos merecia pensamentos tão singelos e doces.

Quando a nossa parte termina, começa então a do outro. Mais ou menos como espaço, limite ou respeito, relações de amor e ódio perduram mais ou menos assim.

Por mais que eu tente, me esforce, as minhas escolhas já foram feitas. As estradas estão abertas, livres, e ainda assim, mil opções de rotas e trajetos; destinos.

E sou mais afortunada ainda por ser única, por ter construido essa personalidade errante e que ainda está se moldando, dentro das estruturas e contextos que pode.

São poucas as coisas que nos atraem, mas são várias as que nos ligam, e fazem voltar, retroceder.

Porque cada um foi se refazendo ao longe, devagar e com carinho, esperando a pressão baixar, a raiva sumir, e aos poucos, a sua parte na ponte quebrada, no abismo profundo.

Querendo me conectar ao mundo real, depois de foragida por semanas, com aquela vontade de viver só para mim: sem testemunhas, cúmplices ou superiores e uma peça, bem pregada, costurada e impregnada pelo destino: você.

Ao sestear, lacrei os olhos e pensei forte, que tudo era aprendizado, fase ruim e esvoaçaria tão logo eu despertasse. E simplismente, aconteceu.

Pela falta de clareza, pela lentidão da caminhada, passos pequeninos, e os questionamentos latentes: água e descanso. Soluções drásticas, e finais. Tudo com a finalidade de intensificar qualquer vertigem ou deslumbramento infundado. Flores que podem engolir, amores imperfeitos no chão e sem mapas, o caminho se delineia torto e estranho, difícil ser exercitado de tal maneira: sozinha.

Escapo intacta, coração à milhão, e de alimento apenas carências, esses medos e inseguranças que quando aparecem, me controlam.

Debaixo do travesseiro, junto com celular e chaves. Me acomete essa vontade de não saber mais fazer planos, e romantizar fugas.

Eu quero que as minhas atitudes independam da de qualquer pessoa, para que tudo que faça, sinta e veja sejam verdadeiramente, eu.

Eu quero declarações inesperadas, totalmente irrompidas de preceitos e vergonhas, na cara e na coragem.