Coleção pessoal de breguedo

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Desprezar o poder que existe nas mãos de homens sem expressão, pequenos homens, como servidores públicos, policiais, pais, ou mesmo presidiários, ignorando a microfísica do poder, certamente é a forma mais fácil de deixar o país cair em desgraça, já que este poder aparentemente microscópico invade a casa dos homens mais simples.

Os operários passam o dia no trabalho, trabalho pesado, e quando chegam em casa vão ver novela e aguardam na mão o prato de comida, antes de irem para cama dormir. Mas o intelectual não, este não desliga, nem mesmo depois do trabalho. É no correr da longa noite que repassa suas idéias mais preciosas. Veja um homem com grandes olheiras e saiba: ali tem um intelectual.

Tentam arrumar significado para tudo, até para um beijo. Ora, um beijo é a forma que o ser humano achou de namorar olhando estrelas no céu da boca.

Os filósofos sempre acreditaram que pensar não é uma atividade, por isso conseguiam ficar horas fazendo isso sem se cansar, quando o homem tornou o pensamento forma rudimentar de trabalho, o cansaço se apossou do intelecto humano. Talves seja por isso que as grandes ideias surgem nos lugares mais inusitados e no trabalho nos falta inspiração.

Nenhum tempo é todo o tempo que eu preciso. Minha vertigem se esconde na esquizofrenia do nada e é o alento que me faz pensar, se nada sei do que não aprendi, tampouco posso acreditar naquele conhecimento que veio dos outros.

Eu vi de tudo! Foi o que me disse um cego na fila do INSS.

FAXINA NO FIM DO LIVRO

Uma faxina na casa alivia a alma

Que dorme na inconsciência do medo.

Quão suja está esta ideia

Murmurando silogismos tristes

De heróis mortos.

Ainda escuto estórias de um poeta

Lutando na guerra de canudos.

Seus papiros estraçalhados

Comandando as tropas

No cair da noite,

No regar do vinho.

Nenhuma verdade será dita

Na poesia.

Poesia é mentira escatológica

Murmurada na caverna

Da alma.

Onde maravilhosas

Sementes de plágio

Naufragam na contaminação

Vermelha do sangue.

Tem que ter cor!

Letras pálidas

Não trafegam pela multidão.

Afirmem o sim,

Neguem o não,

Poesia boa é a que causa explosão.

A que mata gente,

Sem compromisso com a verdade.

Um turbilhão de insetos

Procura entrar por teus olhos,

A paisagem noturna

Parece a imensidão de águas

No centro do mar.

Deixa sair os bichos da carne!

Um velho aposentado,

Apodrecendo no sofá da sala,

Se prepara para ser poeta.

Poeta é o que já foi

E será,

Como as águas evaporadas

E condensadas em chuva

Do mar.

Tamanha dor do mundo

No coração do vagabundo

Crucificado do lado de cristo.

Sem palavra,

Solto ao horror esferoide

Do grito sempre vivo no seu ouvido.

E o que lhe dizem os anjos?

Seus arranjos têm lógica?

Não é fácil suportar as letras nos olhos

Quando a grama verde

Se comunica com os pés.

Abre-se branco um horizonte esparramado

Onde cavalos coloridos

Estudam lições do marxismo.

Neste miolo de algazarra, meu pai,

Senhor e menino,

Em sua carroça de bois,

Busca areia no riacho

Enquanto pajeio os sapos

Nas margens plácidas.

O que me contam eles

É digno de respeito:

A verdade dos reis

Aberta como conceito.

São descendência da nobreza,

Voltarão como voltou Cleópatra

Postos a mesa.

Não importa,

Meu pai não percebeu a importância

Daqueles seres.

Nem dos poetas,

Notáveis reis do insignificante.

Uma áurea de insônia

Acompanha cada um desde que nasce.

Faz uma faxina,

Lata de goiabada não entra no museu.

Guerra de almofadas e pesadelos,

Faz os melhores textos

Quem não tem zelo.

O ódio? O que é o ódio? Ele é calendário sem fim dos dias intermináveis, a mão que arde na brasa da burrice.

Cada discurso é a construção de um muro psicológico, quando vou a reuniões e palestras fico observando o povo em geral, cada um encima de um muro, e na sociedade toda as pessoas sentadas nos mais vagabundos, nos mais deteriorados, se torturando em arames e cercas elétricas, mas satisfeitos com a verdade dos outros. Alguém já disse: "pare o mundo, quero descer!"

Surfar na língua, ficar molhado pelo cuspe do guri original, que jogou biloca, que caçou pardal e tisil somente para olhá-los brincar e voar juntos. Ah, surfar na língua, quem dera, na língua com suas enormes ondas, em tempos de mudanças tão drásticas, onde tiram do vovô o chapeu e deste o acento.

Escrever sobre tudo. Destruir a própria intimidade, esta é a missão dos bons poetas. Falar do mundo paralelo, interior e real que sucumbe à sabedoria popular.

Queria escrever uma onomatopéia sobre o amor. Silenciosa, sutil, mas verdadeira e forte. Seria minha obra definitiva. As poesias todas não falariam como seus sons.

A verdade,é que temos que ter dias para sermos criança, também, irresponsáveis até. Para conhecermos nossa alma, temos que arriscar os sentimentos mais inusitados, todos os dias. As mesmas ruas, as mesmas casas não têm o cerne da poesia, não, não têm. As mesmas palavras, os mesmos amores, a mesma saudade, não tem o gosto de barro molhado das boas poesias. Precisamos voltar a ser meninos! Insisto nisso. Pois a poesia está lá, naquele limbo particular, não está perdida, foi deixada por nós mesmos, quando a vida não precisava ter significado. Hoje, buscando significado, nos dignificamos a ter medo. Ontem eu estava bem moleque, liquei a câmera para buscar o menino levado da infância. Rabisquei um caderno com lápis colorido (foi o primeiro que achei), terminei sentando, depois de brincar no orkut, no chão da biblioteca da faculdade lendo Fernando Pessoa.

O alimento definitivo

Recebe, minha deusa, os meu beijos cortados
Na mesa do café, como o leite e o pão.
Que te nutre o espírito
E te põe de pé.
Se preferir com manteiga,
Parta ao meio.
Sou um campo de centeio.
Sorva-me com chocolate,
Com mel,
Sou seu menestrel.
Quando me mastiga
A música sai de mim.
Sabes que sou assim,
Preciosa opala.
Chupa-me como a uma bala.
Para sua boa digestão
Deite-se, sou sua rede.
E lá pelas quatro quando acordares
Eu mato sua sede.

GRIPE SUINA


A minha tosse
É mais forte que a tua,
A minha tosse
É crua.
Se o governo
Não cuidar
Vai matar nossas
Crianças
Mas também
Seus marajás.
Viagem ao Paraguai
Não trouxe só bugigangas,
Veio lembrança do México.
Mexerico feito
Nos laboratórios americanos
Quis fazer
A américa latina
Entrar pelos canos.
Essa é mais uma
Dos americanos!
Essa é mais uma
Dos americanos!
Essa é mais uma
Dos americanos
Que tem como
Bode expiatório
O povo mexicano.

ACIDENTE NA AVIAÇÃO

Boi, boi, boi,
Boi da cara preta
Pega essa caixa preta
Para a gente saber
O que aconteceu
Com o air buss.
Aquela gente está
Debaixo do mar
Entre a França e o Brasil,
Então, não guarde segredo,
Podem estar vivos
E com muito frio.
Dentro do seu berço
Alguém pode nascer de novo.
As tuas verdades
Causam ânsia e pavor.
Boi, boi, boi,
Boi da caixa preta
Salva essa gente.
Mostra para a marinha
O novelo de linha
Que leva aos
Sobreviventes.

Escrever é tão simples quanto falar, mas as responsabilidades implicadas no ato de escrever são uma barreira quase impossível de se ultrapassar quando somos falantes descuidados.

Não tentem decifrar um analfabeto, vocês não vão conseguir.

Só conheço uma linguagem entendida por todos: a do corpo. Pois é o corpo que ocupa os espaços vazios entre as várias línguas faladas no mundo.

Qualquer um pode escolher caminhos, mas poucos conseguem atravessá-los.