Coleção pessoal de BelLima
Infelizmente a estupidez é algo mais abundante que o amor; estúpidos aqueles que dizem que amar não vale a pena, e mais ainda aqueles que ao sabor de uma dor acreditam.
Mais pretensioso que acreditar que apenas tuas pernas o levaram de um canto a outro é crer que sem dar um único passo verás o horizonte da chegada - ainda assim, alguém fez calçados para proteger teuspés, construiu estradas para encurtar teus percursos, iluminou as ruas para não diminuíres teus passos; alguém formou teu corpo e te moldou incansável, ensinou-te disciplina para não desistires, ofertou-te obstáculos para que os transpusesse. Não. Não foi apenas tuas pernas que te levaram. Se não tens a quem agradecer onde chegaste, segue calado - antes te admirem pela tua silenciosa força de vontade do que te recriminem por tua ruidosa ingratidão.
Aquele que exerce sua função imerso em inflexível hábito, apenas para a sua privativa aclamação, torna seu esforço insalubre; ao não abrigar cada novo ensinamento que lhe seja concedido, é diminuto vassalo de sua soberba, incapaz de submeter-se à mínima reprovação. O calejo das mãos pelo bem de outrem é o fruto doce que, ofertado ao mais comum dos homens ou ao mais oneroso rei, liberta. Não é errado banquetear seus méritos para fortalecer-se em confiança, mas equivocado oferecer migalhas aos famintos esperando aplausos.
Será que não me esqueceste entre os velhos brinquedos deixados no pátio?
Não fui apenas um jogo que, depois de muito jogado, tornou-se enfadonho?
Que parte minha quebrou-se para que agora julgues impossível o conserto?
Foi das entranhas o dano, na peça mais chave, ou na casca das aparências?
Achas justo, depois de inventares tantas regras, ser apenas brincadeira?
Agora, guardo os pedaços nas devidas caixas - e o coração quebra-cabeça.
É poesia o meu silêncio, dos olhos marejados, da boca seca e do peito escancarado.
É poesia o que resta, os dias contados, o valor que me emprestam, meus poucos trocados.
É poesia essa minha calma, dos gritos calados, da desesperança de estar acordado.
É poesia o meu passo, os espinhos tirados, e o alívio da dor dos meus pés machucados.
Amo a cumplicidade das roupas velhas usadas no final do dia, e seus íntimos furos e rasgos sobre a pele.
Das pernas cruzadas embaixo das cobertas, um charme feito por duas pessoas.
De respirar o ar temperado em sal, da nuca de quem lhe confia as próprias costas.
Daquele denso hálito matinal, o mofo das bocas caladas pela noite.
No amor, todo sono é desperdício de sonho, pois já o conquistamos nesses breves acordos - acordados.
Ame com discrição. Com os olhos. Na boca apenas um sorriso.
Ame com estrondos. Com gargalhadas. Nas fanfarras uma necessidade.
Ame sem ser notado.
Ame aos berros.
Mas ame!
Pior é aquele que critica o amor, fingindo amar a si mesmo, e não ama ninguém.
Das maçãs despistamos as sementes, o que nos interessa é o sabor, a textura, o prazer. Guardadas em meio à densa carne está o bem mais precioso, aquele que irá gerar novos frutos.
A beleza foi feita para a destruição. Bem guardadas em seu interior a verdadeira natureza das coisas - O que é eterno e mais importante não pode ser visto, nem sempre é compreendido e pelos tolos é descartado.
Derruba a coroa. Desmancha o trono. Desmorona o castelo.
Se não destruíres o homem, ele reinará mesmo sobre escombros.
Mas se o arruinares, certifica-te de que não foi de bem - pois mesmo transformado em pó, reinará pelo exemplo.