Coleção pessoal de audreyponganborteze
Querido J, é sexta-feira de tardezinha. Hoje depois da academia e de devolver algumas roupas em umas lojas, eu fui buscar a Aline na minha avó e minha dinda falou que te viu ontem passeando com seu cachorro. Ela me disse que sentiu vontade de ir lá te xingar no meio da rua. Imaginei como seria cômico minha dinda fazer esse escândalo no meio da rua e ri bastante com o pensamento. Então você geralmente passeia com seu cachorro final da tarde perto da minha avó? Bom, é meio óbvio que você passeie por lá, já que mora a duas quadras da casa da minha avó. Tenho que lembrar de ir na minha avó mais cedo para não ter o perigo de te encontrar por aí...Hoje tem janta na Lavine, mas estou com 0% de vontade de ir. Não sei porquê. Não sei se depois que desisti de você fiquei nesse estado melancólico e se é por isso que não consigo me encaixar no grupo ou se é porque todos de repente estão se distanciando...Talvez a tristeza de ontem me impeça de sair. Não sei, não entendo mesmo porquê não quero sair. Amor, faz 40 dias que você quebrou meu coração daquela forma trágica! Acho que é isso, meu coração é pesado demais para jantas, festas e etc. Prefiro a reclusão. Amor, você me estragou para sempre, me deixou amarga! Eu que era tão doce...
-Annie.
O sol nascia e os galos cantavam ao longe um "cocoricó" digno de aplausos, como uma sinfonia em uma orquestra às seis da manhã de um sábado. O dia nascia, eu tinha passado a noite em claro, no entanto, nunca estive tão acordada em toda minha vida e isso me chegava à consciência de um modo doce e misterioso. Sentei no sofá e fiquei olhando as flores do Ipê caírem e de repente percebi como o perfume dele ainda estava impregnado em minha pele e ele era como o paraíso, tanto que se me concentrasse até ouvia "The Cure" cantando: " You, soft and only, you lost and lonely, you, just like heaven"...
Eram cinco horas da manhã. Era sábado. Ouviam funk a um som excessivamente alto e irritante de modo que não havia como não sentir vergonha e constrangimento, mas isso não importava. Nada importava pois eu estava nos braços dele, ele me chamava de "anjo", acariciava meus cabelos e beijava minha testa, fazendo eu me aconchegar mais e mais nele. Para que cobertor se eu o tinha ali comigo? Para que paranoia se ele estava ali, me abraçando ao amanhecer? Para que drama se era carinho, se podia ser paixão?
Olhei para a fileira de poltronas ao lado e o avistei sentado em uma delas, rindo com um grupo de amigos, mas antes que ele me visse eu voltei minha atenção para meu conteúdo de Direito do Consumidor. Em algum momento, no entanto, ele me viu, pois quando peguei o celular, minutos depois brilhava na tela um "oi, sumida" e eu ri secretamente tendo o cuidado para não rir alto, para não sorrir de orelha a orelha, jogar a cabeça para trás toda boba, toda mola, toda dele. Tive o cuidado de guardar aquela emoção para mim mesma antes que ele visse e soubesse como me tem nas mãos nesses momentos e como uma simples mensagem dele adoçou minha noite, a minha semana e quem sabe meu mês?
Querido J,
Hoje é sábado e o Yuri me chamou pedindo as provas do 1º período da faculdade. Quando as encontrei ele disse que viria aqui em casa buscar. Ele também pediu se eu tinha feito o teste de direção na autoescola e eu lhe respondi que ainda não. Ele disse que ele também ainda não fez, mas que estava ansioso e riu dizendo que eu e ele somos “ansiosos e dramáticos e emotivos”. Eu respondi a mensagem dele sorrindo e ele veio aqui em casa buscar as provas. Então ele contou da faculdade, de seus planos futuros, de sua vida enfim, de seus métodos de estudo e eu ouvia e sorria. Ele contou que não fez muitos amigos na faculdade e ficou um tempão aqui em casa, como se sentisse saudade de ter algum amigo ou coisa assim. Lembra quando lhe escrevi dizendo que após reprovar na autoescola tudo o que eu queria era falar com o Yuri? Eu poderia dizer que queria você, mas tudo o que eu queria era sair correndo para os braços do seu melhor amigo. Isso faz algum sentido? Porque para mim não faz. Talvez seja porque ele me entende melhor do que você, melhor que qualquer um. Eu não sei, mas depois que falei com ele me senti mais leve. A carência dele se juntou com a minha e através de risadas suprimos a saudade um do outro. Ele me falou que mal saía com os amigos pois você estava tão focado nos vestibulares que não saía de casa. Eu quis logo perguntar mais sobre você, sobre seus planos, seus sonhos, suas piadas sem graça, se você falava de mim…mas não pedi, apenas sorri e lhe disse para continuar a falar da faculdade, dos professores e etc. E ele falou, falou e falou e foi bom ouvir a voz dele e sentir seu sorriso. Mostrei-lhe a Sala de CDS com todos os CDS, livros e afins e ele amou (quem não se apaixona?) e depois ele foi para casa. Chegando em casa ele me mandou uma mensagem, me convidando para tomar um teres na casa dele amanhã. Achei estranho e recusei, não por achar estranho, claro, mas porque eu tenho seis provas essa semana. Como eu já disse há algum tempo, o Yuri é uma pessoa fácil de amar e eu vivo confundindo essa amizade com amor, mas nós nunca daríamos certo, não é? Eu só espero que nesse meio tempo sua saudade encontre com a minha saudade porque estou cansada de abraçar a sua ausência . Espero que seus lábios encontrem refúgio nos meus , seus braços aceitem meus abraços e que você tire todos os pontos de interrogação de mim apenas com um olhar , derrame meus dramas pelo chão e transforme minhas dúvidas na certeza exagerada da paixão . Ai,ai amor, quanta saudade! Dá até para ficar doente desse jeito, mas não, não posso me dar ao luxo de ficar doente agora porque tenho várias provas essa semana. Eu e o Yuri somos tão iguais e eu e você tão diferentes! Porque eu e ele somos iguais : ansiosos , dramáticos e emotivos , cheios de música e poesia e com uma carência de amor e carinho que nunca é suprida e talvez por isso jamais daríamos certo, diferente de nós, já que você é simples , eu sou composta , eu sou dramática e exagerada e você realista e cheio de lógica . Você me dá nos nervos com suas criancices e eu te irrito com minhas metáforas que você não entende . Você reclama de mim e eu de você . A gente briga mais do que tudo , mas a reconciliação é sempre uma festa . A gente se ama e se odeia na mesma proporção incrível , que desafia sua lógica e não cabe na minha poesia .Nós não conseguimos viver um sem o outro, admita isso. Eu admito e está na hora de você admitir também. Então abraça minha saudade com a tua saudade porque eu já não aguento mais!
Com amor, sua Annie.
Eu sou um mar infinito de paranoia e não sei lidar com relacionamentos, acho que por isso estou solteira, eu não confio em ninguém e sempre acho que estão mentindo para mim ou me enganando porque na minha vida inteira só mentiram para mim, me enganaram ou me usaram. A verdade é que ninguém nunca me tratou como eu merecia ser tratada, o que faz como que eu me sinta como um cachorro de rua rejeitado que ninguém quer...
Ele me pediu se já era a hora do beijo e eu fiquei mole igual gelatina e quis largar meus materiais em cima da carteira e correr para os braços dele e beijá-lo até o deixar tonto, até minhas pernas tremerem, até a noite se tornar pequena para nós dois.
Foi curioso ele ter elogiado meu perfume, assim como o rapaz antes dele elogiou, me perguntando qual perfume era pois ele não conseguia desgrudar os lábios do meu pescoço. Como explicar a ele que sou a moça das flores e perfumes? Eu, a moça que não sai de casa sem delineador, é viciada em café e sempre chega atrasada nos compromissos. Eu queria dizer a ele que pensasse duas vezes antes de se envolver comigo porque eu sou louca, eu stalkeio até a mãe do tio do amigo do pai dele se duvidar, e que meus acessos de frieza podem queimar, mas eu não faço de propósito e que no fundo quase achando petróleo eu sou uma ótima pessoa e que ele não tem realmente nenhum bom motivo para ficar, mas eu gostaria que ele ficasse.
Ver meu nome naquela lista valeu mais que qualquer beijo de qualquer garoto,mais que qualquer viagem que eu fiz, que qualquer paixão, e valeu cada uma das festas que deixei de ir para ficar estudando. Porque eu passei toda minha vida me escondendo,como uma lagarta em um casulo, achando que todo mundo era mais capaz, mais bonito e mais inteligente que eu, merecendo mais do que eu o amor, a felicidade e o sucesso. Mas algo mudou quando eu vi meu nome naquela lista de aprovados,algo que eu não entendo muito bem ainda, como se eu merecesse a vitória, e a merecesse mais do que ninguém.Então eu percebi que não sou a lagarta no casulo, eu sou a borboleta, uma borboleta que se esconde tanto que aos olhos dos outros parece uma lagarta, mas no fundo eu sou uma borboleta que está aprendendo a voar...
É engraçado, não é? É sábado à noite e ele está se enchendo de bebidas, mulheres e orgias, e eu estou em casa estudando o Estatuto da OAB e o Código Civil, lutando para ser alguém na vida. Somos tão diferentes muito embora estivéssemos em sincronia uma vez; dois planetas que certa vez giraram em perfeita sincronia e agora giram em órbitas opostas. Eu me vejo daqui a dois anos, formada -graças a Deus- talvez advogando, talvez assessorando, talvez fazendo residência judicial, mas eu não consigo visualizar o futuro dele. Formado? Talvez...Bem sucedido? Dificilmente. Bêbado todo fim de semana? É possível. Talvez nem a Tanatologia possa explicar o estado de putrefação em que ele se encontra. Coliquativo, talvez?
Eu queria dizer a ele...queria dizer que ele tinha meu telefone, meu e-mail, meu Instagram se ele quisesse entrar em contato. Queria dizer que ele é extremamente sexy, até no sábado de manhã, enquanto eu estou um bagaço pela manhã e não funciono antes de duas xícaras de café, pois eu sou uma criatura noturna. Por fim, eu queria frisar que é claro que ele pisou na bola, e fez isso de maneira muito idiota, muito boba, mas que eu acreditava no duplo grau da jurisdição e no in dubio pro reo, e eu estava disposta a dar uma segunda chance a ele se ele quisesse, se ele me quisesse.
É que eu sou muito ingênua e sempre caio nessa ilusão de que as pessoas são muito amigas, que se importam comigo e ajudam de forma verdadeira e bondosa, e não de forma interesseira. Mas a vida é como um baile de máscaras, com todos se escondendo, não mostrando realmente quem são , ocultando a identidade e ludibriando quem lhes convém. Desculpe o desabafo, mas estou cansada de me contentar com essa gente pequena e vazia. Eu preciso de muito mais que esse vazio, essa falta de caráter que eu vejo em tanta gente por aí...Eu não caibo em mim, necessito de amor e a poesia nunca me é suficiente, como se eu fosse mais poesia que mulher e me alimentasse de versos, de pores do sol e de música, e a escassez de cultura que eu encontro por aí fere minha integridade física e psicológica, fere minha própria alma.
Eu me enchi de orgulho quando ela disse que percebeu que ela era muito para ele, que ele era pequeno, tinha uma mentalidade pequena e nenhum plano de vida. Ele apensas existia, como um vegetal, ou até menos insignificante, pois os vegetais pelo menos realizam a fotossíntese. Eu sei como é a sensação de ser muito para alguém e do muito dessa pessoa ser pouco, como se você merecesse mais, infinitas vezes mais do que essa pessoa poderia proporcionar, como se ela nunca estivesse disposta a crescer. "Eu quero ver meu bem quando cê vai querer crescer ", diria Djavan, mas a verdade é que certas pessoas não crescem. Certas pessoas ficam estagnadas no tempo e lhes falta amor, doçura e empatia, sendo que o amor de um só não é suficiente para suportar um relacionamento, pois ninguém é Atlas e relacionamento é ato bilateral.
Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu-da-boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã, um metro e trinta e dois a espichar dos soquetes; era Lo, apenas Lo. De calças práticas, era Lola. Na escola, era Dolly. Era Dolores na linha pontilhada onde assinava o nome.
Mas nos meus braços era sempre Lolita.
Claro que eu queria amar intensamente, mas apesar dos contratempos e do caos que será nesse ano, ninguém me é interessante, ninguém me chama a atenção. É que as pessoas daqui são tão comuns, sem cultura, sem loucura...e eu gosto do extraordinário, eu, essa mistura Afrodite-Atena, Capitu-Marília de Dirceu, esse ser que é ao mesmo tempo fogo e gelo e dança tango sobre corações partidos tentando conservar o próprio, tentando salvar a própria alma da dor. Ás vezes eu penso em me contentar, sabe? Me contentar com o pouco, com esses caras que me aparecem, esses que trocam o "mas" pelo "mais" achando que adversidade e intensidade são a mesma coisa. Então eu tento me conformar, MAS (e não "mais") eu penso nos meus discos, nos meus livros, nos lugares que eu conheci,nas experiências que adquiri e percebo que o muito deles para mim seria pouco e que eu preciso de alguém que me acrescente, que me traga MAIS (não "mas") que seja extraordinário, diferente e inteligente (por favor!), capaz de transformar minhas escusas em afirmações.
Eu não digo que você deva se importar com o que as pessoas acham de você, muito pelo contrário, pois a única opinião que importa de verdade é a sua. Porém, isso não significa que você deva se fechar em um casulo e se voltar contra o mundo, porque devemos nos permitir sentir...Sentir a chuva que cai, sentir a neve que gela as mãos, o vento que sacode os cabelos , o mar que bate nas rochas e o amor que invade. Devemos nos permitir amar e o amor pode vir de infinitas formas diferentes...