Coleção pessoal de AntonioPrates

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⁠Que Deus nos trate amanhã como nós tratámos os outros hoje.

⁠Vê sempre menos defeitos quem consegue ver as qualidades.

⁠Quem leva uma preocupação para a cama dorme com um peso nas costas.

Não é facil manter o equilíbrio num mundo desequilibrado.

Zé Canejo é homem sério,
mas envolto num mistério
que apoquenta as redondezas:
diz-se que a sua figura
tem uma ponta de loucura
lá dentro das profundezas.

É filho da Ti Otília,
que é senhora de família
e uma moça resoluta,
mais do Tí Apolinário,
que foi tudo e foi operário,
como foi homem de luta.

Mas o Zé é moço fino,
já talhado de menino
a ser um rapaz diferente,
passa os dias enfadado,
com um ar desconsolado,
quase nem parece gente.

A tortura que o inunda
é ainda mais profunda
que a dum gato num soalho,
e diz-se neste Alentejo
que o pobre do Zé Canejo
é alérgico ao trabalho.

Os carneiros e as ovelhas ficam sempre contentes quando os lobos atacam o rebanho do lado.

⁠Na adega do Platão
anda tudo farto e contente,
há vinho pra toda a gente
a palpitar do garrafão...
Há convívio e união,
com pitéus de harmonia,
ante a branca poesia
nas árias improvisadas,
e nas talhas atestadas
tudo impera em alegria.

I
Nestas boas convivências
está o mundo aqui sentado
entre saias, rumba e fado
trovam-se estas apetências...
São diversas indulgências
a mandado do coração,
mais um copo, uma canção
sempre altiva e divertida,
- e assim se goza a vida
na adega do Platão.

II
Azeitonas de conserva,
misturadas com temperos,
e talhadas de alguns peros
ofertadas por Minerva;
há bom vinho de reserva,
que se sorve e se consente,
no gabar de toda a gente
há sempre um trinar castiço,
com bom queijo, bom chouriço
anda tudo farto e contente.

III
Após as dentadas míticas
nos petiscos que aparecem,
há os Ícaros que agradecem
o primor das santas críticas...
E nas farras analíticas
Prometeu é deus e crente,
porque não fica indiferente
aos conselhos de Japeto,
prevendo que no palheto
há o vinho de toda a gente.

IV
Mais um brinde é aviado
pelas honras de Hefesto,
arde como um manifesto
muito limpo e açucarado;
é condão todo encorpado
nos cantares de pé prá mão...
A tertúlia em comunhão
num lugar franco e elísio,
com as artes de Dionísio
a palpitar do garrafão.

V
Outro copo, mais uns migos
dão convite a outro deus,
o supremo e grande Zeus
entra em paz com os amigos,
venham outros mais antigos
ou de outra geração...
Poseidon traz o trovão
que achou por entre mares,
e com rimas e cantares
há convívio e união.

VI
Cantam Ninfas, dão-nos Graças
todo o bom e o bonito,
junto à paz de Hermafrodito
a encher de novo as taças;
há castanhas e há passas,
muitos risos e magia...
E entre a grande cantoria
este Outono é Primavera,
onde encanta a boa Hera
com pitéus de harmonia.

VII
Farinheira, vinho e bolo
para Héstia, mãe da Terra,
e até Ares deixa a guerra
nos poemas com Apolo,
o seu garbo é um consolo,
todo ele é simpatia,
como sábio que nos guia
no guião deste apetite...
E a beleza de Afrodite
ante a branca poesia.

VIII
Até Demeter está feliz
junto ao céu das talhas lusas,
bebe a meias com as Musas,
e com a bela Artemis.
Tudo o que este nume diz
sai da alma das rodadas,
e então as lindas Fadas,
sem manias ou critérios,
improvisam seus mistérios
nas árias improvisadas.

IX
Psique trinca a divindade,
Eirene sorri ao mundo,
Cronos parte moribundo
sem entrar na sociedade,
Hélios pede alacridade
pelas mesas alindadas,
com risotas avultadas
Zefiro ri do poente,
outros riem no consciente
e pelas talhas atestadas.

X
Entra Atena, emocionada,
como luz de um labirinto,
diz que vai beber do tinto
e fica até de madrugada...
Manda a deusa venerada,
tão divina e tão sadia...
A singular sabedoria
fala alto mundo afora,
e nestes filhos de Pandora
tudo impera em alegria.

António Prates

⁠Nasci ainda mais velho do que pensava, mas à medida que o tempo foi passando fui-me tornando mais jovem.

⁠Vivemos numa época em que tudo passa de moda no dia seguinte. Vivemos à pressa.

Falsas ladainhas saem sem rastilho,
outras lengalengas são sinais de fumo,
aos que neste mundo são sempre um codilho,
ou um fruto amargo, um limão sem sumo.

Ocultam na rama dúbias calhandrices,
que entre as pernadas deitam carapetos,
com picos maduros entre as pastelices,
germinando a seiva que sai dos carretos.

Depois, nos engaços do sumo perdido,
há ainda os bagos feitos por capricho,
e um coral sem nome, no mesmo sentido,
produzido a manha para cada bicho.

Mexem-se aranhóis, soltam-se as formigas,
pelo acerto a prumo dessa sociedade,
convivendo à rasca pelas vãs intrigas,
que os faz ser magros desde tenra idade.

⁠Chegou o Outono, o Sol continua a sua longa caminhada pelas treze constelações do zodíaco e foi precisamente hoje, por volta da uma e meia da tarde, que se deu mais um equinócio, no meio de tantos outros milhões de equinócios que esta Terra já deu e que, naturalmente continuará a dar. Enquanto isto, penso eu aqui dos confins do universo e de Borba, buscamos constantemente a felicidade e queremos conquistar sempre acessórios, tralhas e bugigangas, de todas as formas e de todos os feitios, que supostamente nos fazem muito felizes, assim como feliz nos faz ter carradas de dinheiro, ter muito sucesso, ter muitos amigos, ou ter uma relação amorosa ao estilo das histórias das mil e uma noites e que se prolongue para toda a vida e para todo o sempre... Ora bem! E à medida que o Sol se encontra sobre um dos pontos definidos pela intersecção entre o plano eclítico, o plano equatorial terrestre e a esfera celeste, cá vamos nós andando, e, através destas tecnologias modernas e virtuais, faz de conta que vamos tomando conta disto tudo, faz de conta que comandamos tudo isto, assim como faz de conta que vivemos como seres humanos realmente humanos e civilizados. Neste mundo de faz de conta, faz de conta que está tudo bem, faz de conta que o Alentejo comanda o equinócio e faz de conta que somos todos muito felizes. e ai de quem diga o contrário! Por conseguinte, para sermos aceites nesta sociedade ultra moderna e evoluída convém que sejamos todos parecidos uns com os outros, não termos ideias próprias, nem tampouco termos a ousadia de afrontar as margens do terreno empalamado pelo senso comum, tal como sempre se fez ao longo da nossa história, diga-se em abono da verdade. De equinócio em equinócio o mundo parece-me igual ao que sempre foi, a sociedade está a mudar e assim vamos indo, de felicidade em felicidade, para que todas as pessoas e Deus vejam o quanto somos felizes! Até nos Grupos das redes sociais, alguns deles com nomes de aldeias, vilas, cidades, regiões ou de países, nos pedem que o nosso comportamento seja de acordo com a felicidade aparente de quase todos os membros, em prol da alegria e do contentamento geral de cada comunidade, como se de uma alegre competição se tratasse, em homenagem à felicidade de todos e à solidão de cada um dos intervenientes. Penso eu ainda que não seria mal pensado se os altos governantes deste país inventassem de uma vez por todas o Ministério da Felicidade, que tanta falta faz à alegria de todos e à solidão deste povo. Pensem nisso, meus amigos! Sem embarco, o mundo contemporâneo vende-nos o prazer de publicar, faz-nos fazer todo o tipo de figuras, e nós, completamente endrominados, macambúzios e outras coisas mais, passámos a fazer das redes sociais a quinta-essência do nosso real contentamento. Estamos lindos e numa outra dimensão do equinócio Sigmund Freud disse-nos que "a felicidade é vendida no sentido de cobrir uma falta, uma falta que é constante e que, portanto, nunca será alcançada na sua plenitude." Mas para contradizer essa teoria e por influência de outro equinócio qualquer, somos felizes o tempo todo. Assim vale a pena viver no maior espectáculo do mundo.

Tem muito mais alegria
e no Alqueva um bom iate
quem assiste à cantoria
com mil sopas de tomate.

I
Vê-se o tempo a manobrar
nesta louca embriaguez,
vai-se o dia, chega um mês
e o tempo custa a passar...
Com a cabeça a divagar
nesta dura antinomia,
vai-se o mês, vem mais um dia
da nossa sobrevivência,
e quem come a paciência
tem muito mais alegria.

II
A medida do telhado
faz a porta da entrada,
e em cada assoalhada
o tamanho é limitado...
O sofá é mesmo ao lado
de onde havia chocolate,
num pequeno escaparate
resta o jogo dos milhões
onde compra as ilusões
e no Alqueva um bom iate.

III
Santas casas portuguesas
solidárias nas esmolas,
dão aos pobres das gaiolas
o que sobra das riquezas...
São luxúrias, são pobrezas
desta vã egolatria,
onde tudo se esvazia
numa ordem movediça,
e tolera a injustiça
quem assiste à cantoria.

IV
Todos cantam em voz alta
o que diz A Portuguesa,
vê-los juntos é uma beleza
nessas luzes da ribalta...
Que se anime toda a malta
sem princípios de debate,
e o convívio é um biscate
desigual e pouco humano,
que se farta todo o ano
com mil sopas de tomate.

⁠As depreciações e os elogios têm sempre o valor de quem os faz.

⁠Sempre que alguém conspira
contra a nossa opinião
recorre sempre à mentira
e a essas famas que nos dão.


A mentira anda no ar, está na moda a falsidade, mas enquanto eu respirar sou mais um a estrebuchar e a lutar pela verdade

⁠Ser humano é ser alguém
supostamente racional,
que aqui está em prol do bem
ou veio ao mundo fazer mal.

⁠Fala-me do tempo e das intrigas,
e dessas coisas que dizemos por falar…
Diz-me prosápias das modestas raparigas,
que fazem renda numa casa à beira-mar.

Diz-me essa história proibida de dizer,
arrecadada no cacifo dos segredos…
Conta-me um verso, daqueles que dão prazer,
quando as vagas fazem rimas nos rochedos.

Canta-me um fado, com a tua voz castiça,
denunciando os infortúnios da miséria…
Fala do povo, do divino, e da justiça,
com essa crença que a justeza faz etérea.

Diz um olá no meu ouvido encortiçado
pelo silêncio das palavras mais esquivas…
Fala do conto que não foi sequer narrado
no nobre esboço do condão das narrativas.

⁠Vós que sois juízes do meu fado,
aqui no resplendor das antefaces,
protegei a minha vida com cuidado,
sem essa aberração das subclasses.

Dizei tudo o que sou e o que não sou,
velai a minha acção a descoberto,
e vede que meu mal não se acabou,
aqui neste arraial de peito aberto.

Por isso, olhai o circo, em traje puro,
os bons malabaristas e os palhaços,
mirai alguns funâmbulos do futuro
fitando os movimentos que aqui faço.

Defendei o meu feitio rude e tosco,
com esse bem-querer que vos conheço,
e sei que poderei contar convosco
enquanto eu divagar neste endereço.

Onde a verdade é ⁠impopular os países são sempre mais pobres.

⁠O tamanho das nossas ideias depende muito do número de idiotas que se juntam e que conspiram contra elas. ⁠