Coleção pessoal de adetunedradio
O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.
Será horrível demais querer se aproximar dentro de si mesmo do límpido eu? Sim, e é quando o eu passa a não existir mais, a não reivindicar nada, passa a fazer parte da árvore da vida – é por isso que luto por alcançar. Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente.
Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e autorrisco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.
Meu problema é o medo de ficar louco. Tenho que me controlar. Existem leis que regem a comunicação. A impessoalidade é uma condição. A separatividade e a ignorância são o pecado num sentido geral. E a loucura é a tentação de ser totalmente o poder.
Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade. E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo.
Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.
Vida não tem adjetivo. É uma mistura em cadinho estranho mas que me dá em última análise, em respirar. E às vezes arfar. E às vezes mal poder respirar. É. Mas às vezes há também o profundo hausto de ar que até atinge o fino frio do espírito, preso ao corpo por enquanto.
Dia após dia, era como se alguém houvesse desmontado a minha vida inteira e polido cada pedacinho com muito cuidado antes de juntar tudo de novo.
Ele prometeu vir até a beiradinha. Eu o fiz prometer. Mas não sabia que ele iria se deitar ao meu lado à noite como um bom escoteiro. Não sabia que doeria ser tocada, que ele teria medo de segurar minha mão.
- Está tudo bem, Tessa, pode ir. A gente te ama. Pode ir agora.
- Por que você está dizendo isso?
- Ela talvez precise de permissão pra morrer, Cal.
- Eu não quero que ela morra. Não vou dar minha permissão.
(...)
- Talvez seja bom você se despedir, Cal.
- Não.
- Pode ser importante.
- Pode fazê-la morrer.
- Nada que você disser pode a fazer morrer. Ela quer saber que tem o seu amor.
(...)
- Vai lá, Cal.
- Estou me sentindo um idiota.
- Ninguém está escutando. Chega perto e sussurra.
(...)
- Tchau, Tess. Pode me assombrar se quiser. Eu não ligo.
- Se eu pudesse trocar de lugar com você, eu trocaria, sabe. Eu só queria poder salvar você disso.
Talvez ela ache que não consigo escutá-la.