Cartas de Amor para a Pessoa Amada
Só Amanhã Passa -
Ei...
Está em sua casa?
Preciso muito te ver.
Conversar,
saber o que tem lido,
quantos objetos quebrou
este mês.
Quero,
por um instante,
parar os meus olhos
nos teus
até você ficar sem graça
e dizer:
"o que foi?"
Olha...
a gente divide um chocolate,
uma canção,
talvez
um verso,
um pensamento,
ou poesia.
Aquela velha piada do Chaves,
naturalmente,
um sorriso ou gargalhada,
sei lá...
Mas
acho melhor
dividirmos caminho:
É que está longe demais
para te abraçar
e dizer que sinto muito...
muito a sua falta.
Desde ontem,
(e só amanhã
passa).
Quinta-feira, 29 -
Chegará o dia
em que você
não mais poderá contar
com sua mãe
ou seu pai
ou irmão
ou qualquer outro
parente.
Nem mesmo um amigo
para desabafar
ou
pedir ajuda.
Será somente você
diante do mais assustador
dos seres:
você mesmo.
Lhe restará,
então,
sua essência
finalizada;
seu caos existencial
materializado;
suas crenças
inutilizadas.
O medo
em sua forma absoluta;
as lembranças
em uma espiral veloz
e abstrata...
A esperança,
enfim,
devolvida.
(Morrer,
então,
deve ser isto).
17:57 -
E toda vez que este horário me cai
eu penso:
É sempre um dia a menos.
E não importa como está seu dia,
sua semana,
seu mês...
Não importam todas as religiões,
deuses ou diabos.
Não importa o ouro
ou a prata,
nem o mais precioso
diamante.
Não importa todo o bem
ou mal que você tenha feito
na vida
ou onde mora
ou com o quê trabalha.
Não importam todos os amores
ou desamores
(vividos ou não vividos),
todos os amigos
e a infância ou juventude
de outrora.
Não importa toda a poesia do mundo
ou toda a arte
ou tudo que,
de algum modo,
eterniza algo,
alguém ou alguma coisa.
E mesmo o mais nobre dos gestos:
o sorriso do meu filho
(com todo o encanto,
toda leveza,
toda cura),
diante da força soberana
e implacável do Tempo
não importa:
É sempre um dia a menos.
E é essa a grande verdade
ou a única.
O Céu e o Inferno Estão Na Essência Humana -
O bem e o mal
estão contidos no íntimo
do ser.
É sempre uma escolha.
O que Deus,
o diabo
e as pessoas
sabem,
falam
ou pensam sobre você,
é sempre a mesma coisa.
Porque Deus,
o diabo e as pessoas
são uma coisa só.
A escolha é sempre sua:
Responsabilize-se!
Um Poema -
A frase que nenhum poeta
ousou escrever é que:
ninguém escapa sem poesia.
E que essa minha inicial
(um tanto quanto pretensiosa
e,
em parte,
equivocada),
é só um artifício poético
para se começar um poema
que (se não protege
o poeta),
sempre acolhe alguém.
Sempre.
Dezembro -
E muda-se o mês:
muda-se o sentido.
O ar parece mais leve,
a brisa mais calma,
a vida mais rara:
breve.
Logo,
refletimos mais,
sonhamos mais,
nos olhamos nos olhos - nos voltamos para dentro:
enxergamos a alma.
Tudo agora faz mais sentido:
é o fim...
para um novo recomeço.
Por sorte, obrigado!
E Sinto Muito -
Às vezes,
vou até a janela
em busca de alguma coisa
lá fora.
Alguma coisa
que eu não sei bem o que é.
Talvez
uma distração qualquer,
para uma fuga.
Algo que me faça,
por alguns instantes,
esquecer qualquer coisa.
Mas,
do alto da janela,
eu sei bem, com clara
certeza,
que a vista será sempre a
mesma.
Ainda que insetos se movam
no chão;
Ainda que pássaros deslizem
no céu;
No meio, estou eu:
lúcido e distante.
E a mesmice,
a brisa,
a calmaria do que eu vejo
lá fora,
não é nem sombra
do que eu sinto cá dentro.
(E sinto muito).
Quem Sabe Um Dia -
Melhor assim:
sair enquanto há
tempo.
Depois eu volto e,
quando ninguém esperar,
mais uma vez, saio de
mansinho, assim:
calado,
pequeno,
quase dissolvendo.
E um dia,
quem sabe um dia,
entre a luz de estar (fugindo)
e a sombra de fugir
(estando ali),
por seu querer,
eu,
simplesmente,
fico.
Geração Descartável -
Esta
é uma geração totalmente
perdida
quando se trata de relacionamentos
amorosos.
Fomentada e intensificada
pelos agregados (fúteis,
egocêntricos, superficiais),
de outras,
os relacionamentos são movidos
à base de novidades.
Mas tudo que se convém exibir,
está à mostra,
de maneira tão explícita e
escancarada (como uma necessidade
do ego,
cheia de vaidade e exibicionismo),
que nada,
nada mais é novidade.
Por isso
tudo é ínfimo,
descartável,
fugaz.
Tudo é descontínuo:
nada dura.
Nada permanece.
O Espetáculo -
Confesso que não esperava,
naturalmente,
algo grandioso,
imponente, ainda que belo.
Mas era "maior" do que eu,
realmente,
via.
Mas,
o que eu,
de fato, olhava,
era,
verdadeiramente,
grandioso, imponente, belo aos
meus olhos:
Extasia.
Tanto que me arrancou a pluralidade
do espetáculo proposto,
e se fez um novo espetáculo (maior)
- nobre, lírico e singular:
Poesia.
A Ilusão -
No fundo,
ninguém tem interesse
na cruel realidade
da vida:
a verdade e a mentira.
A ilusão: é ela que nos
resta.
É a fuga momentânea,
o acholimento instantâneo,
a sedação paliativa,
o breve conforto,
a sutil proteção (ainda assim,
tão necessária).
Inevitavelmente,
uma companheira humana
- cúmplice da esperança,
da imaginação e dos sonhos.
Contudo,
cedo ou tarde (no Tempo),
ela também morre.
E a nua e cruel e inevitável
realidade da vida
sempre prevalece.
Acredita?
Assim -
Eu queria mesmo
era que ela entrasse
agora por esta porta,
sem avisar,
assim,
de súbito e me surpreendesse
com um longo e caloroso
abraço,
cheio de saudades e sem pressa
alguma de partir.
Onde
tudo que pudéssemos sentir,
ouvir, dizer - ser -
ficasse reservado ao instante aqui,
assim:
lírico, leve, sereno,
como se ouvíssemos a mais bela canção
de amor num beijo demorado,
de olhos fechados,
em silêncio.
Qualquer Lata de Lixo -
Era como elogiar seu
maior algoz,
exaltando tudo que ele tinha feito de ruim
todos esses anos.
Era como dizer: "tudo bem,
não tem problema: continua".
E assim,
alimentá-lo, dando ainda mais força
para que ele fizesse mais
e mais e pior.
A resposta
era sempre um sorriso de satisfação, superioridade, vaidade - coisas de um grande
carrasco impiedoso - onde em momento algum,
sucumbiu diante do meu sofrimento
ou de algum sentimento ou mesmo
de alguma velha lembranças
da gente.
Inútil, inválido, incapaz...
qualquer lata de lixo
servia pra mim.
Era assim que eu me sentia
toda vez que eu deixava claro
que ainda a desejava como
antes,
como ontem...
droga,
como sempre.
É Sorte -
Hoje,
eu que tinha à disposição quase cem contos,
perdi tudo,
num improvável e inesperado resultado.
É isto...
a sorte está aí.
Ela existe e aparece
a cada instante,
a cada oportunidade,
às vezes ou quase sempre
(por descuido,
desatenção,
vaidade),
desperdiçada.
Mas é sorte
sempre que acordamos,
quando temos o que comer no café da manhã,
embaixo do teto que nos proteje da chuva e vento
e violência das ruas.
Ela aparece naquela ligação diária
da sua mãe,
na roupa emprestada
pelo seu melhor amigo,
na cura dos gestos simples
do seu filho,
nos olhos castanhos da garota
que reconhece seus versos,
no cara que conserta sua TV a cabo,
naquele pôr do sol
visto da janela,
numa tarde de
sábado...
Não espere presenciar uma estrela cadente
caindo
ou ganhar na loteria
ou encontrar o amor da sua vida
para entender isso.
Um pouco de saúde,
casa e comida,
família,
alguns bons amigos,
vinho e chocolates
e um sonho
pelo qual se mover
já é motivo de muita sorte.
Vamos lá, abra o livro:
as próximas páginas precisam
ser escritas.
Ânimo!
Seja Feliz -
Ela
(ainda que fosse todo o motivo
daquela minha angústia
e tristeza),
num pequeno gesto de grandeza
me disse:
"O que eu posso fazer
para te ajudar?"
Eu
(com ódio da vida),
recolhendo todos os desejos
e vontades reprimidas
ao porão do meu sombrio
submundo,
num gesto covarde
com bravura, respondi:
Seja feliz!
Sentir-me De Novo -
Fecharam-me todas as portas e
janelas,
deixando-me de fora, com frio e
com fome, feito um cão velho,
desnecessário.
Depois de tantos anos de angústias,
humilhações, decepções,
eu consigo, enfim,
sentir-me de novo (ainda que mutilado,
fragmentado).
Há anos não me sentia assim.
Sei que, ainda,
não consegui o que desejo.
Mas já não me importo.
Agora tanto faz.
Ainda é cedo
para mostrar que já é tarde,
mas todo falso sentimento
- que me trazia sempre migalhas de esperança -
agora me parece tão pouco,
insignificante, desnecessário
diante da imensidão de ser,
ainda que só,
verdadeiro.
Por Alguma Razão -
Por alguma razão
é preciso encontrar a Sorte
em meio às tentativas diárias,
ao caos cotidiano,
torcendo para que
Ela
(misteriosa, abstrata,
incompreensível),
nos encontre primeiro
e,
assim,
nos coloque a pensar e insistir
que é preciso encontrar
a Sorte...
Por alguma razão.
Estes Domingos -
E estes domingos
que a gente quese morre:
de tédio,
de cansaço da inércia,
de saudades?
Mas são,
exatamente,
estes domingos que alguma
luz superior me
alcança.
Talvez
pelo o tédio do dia
que nos traz a necessidade
de algo a ser preenchido.
Talvez
pela inércia do corpo
que movimenta
a mente, os sentidos.
Ou talvez
pela tristeza da alma de poeta
que se alimenta de dias cinzas, lembranças nostálgicas... saudades.
Se tu não sentes,
ouças-me:
A essência do poeta
é a beleza escondida nas
coisas tristes.
Inteira -
Enquanto não quiser vir inteira,
por favor, não
venha!
Não venha sem querer estar;
não venha para voltar (mesmo se,
às vezes,
for preciso ir).
Quando quiser vir inteira
para ficar,
venha!
Venha logo, venha cedo,
completa,
com todas as suas coisas:
manias, fracassos,
conquistas, desejos, sonhos,
ideias, feridas, medos...
joga tudo no chão, espalha pela casa
e corre,
corre e me abraça (demoradamente).
E depois
a gente vê o que faz
da vida.
Como Tem Sido Usado? -
Tenho sido,
frequentemente, usado pela
Poesia.
Ela me tem como um instrumento
de prazer, dor, desabafo e
acolhimento.
Tudo bem,
confesso que é tudo recíproco.
Pois cada um é usado
da maneira que mais serve:
a si mesmo e aos outros.
E você:
como tem sido usado?