Bombons
A vida é uma caixa de bombom.
Numa caixa de bombom, há alguns bombons de que gostamos e outros de que não gostamos.
Se comermos os bons, ficamos com os que não gostamos.
Quando estou amargurado, penso sempre nessa caixa.
Se fores paciente agora, será mais fácil mais tarde.
A vida é uma caixa de bombom.
...
Os melhores bombons estão em caixas novas e velhas. Espero ter o privilégio de contemplar o mundo com as bengalas da prudência, pois criança saboreei o doce da vida.
Nos últimos vinte anos percebi que precisava armazenar suavidade para resplandecer altivez quanto meu rosto já mostrasse sinais de cansaço, e ao desembarcar na terra de Fernando Pessoa, me tornei vizinho da afabilidade, da brandura e da galanteria.
Sentimentos armazenados por aproximadamente oitenta anos, cultivados em barris de carvalho, fragrância exalada e inalada por quem tem a sensibilidade de perceber o quão mágico pode ser o odor da gratidão. De quem respira, pela chance de aprender. De quem expele, pela humildade de continuar aprendendo.
Ahhh, como é lindo contemplar a dissipação da amargura oitentista com a naturalidade de quem tem o dom de jovializar sua própria alma. Seres que souberam acumular sabedoria para hoje usufruir da sapiência ao impactar meros mortais, ainda sentados na antessala da sabedoria.
Ao passo que me tornei velho para jovens que me rodeiam, me vi criança ao ser observado pela amizade repleta de marcas de expressão e cabelos brancos. Ancoro meus princípios e valores em uma travessa sem saída, e vivo defronte à dignidade de uma velhice confessada, muito mais bela que outras disfarçadas e esticadas.
Obrigado Rio Douro, das suas margens, do Porto à Baião, tive a honraria de frutificar meu coração e fortificar minha alma ao experimentar a condescendência porta com porta e a benevolência larga e verdadeira.
Hoje penhoro toda e qualquer arrogância de dever cumprido, e me abro para um universo de possibilidades. Anos vindouros, onde também poderei historiar e dividir com mancebos de trinta, quarenta a cinquenta, a honraria que tive ao conhecer a afabilidade chamada de Terezinha, a brandura chamada de Cinda e a galanteria chamada de Lino.
Não sou o tipo de mulher que tem necessidade de ser surpreendida com flores, bombons, roupas e viagens, pra mim não ser decepcionada é suficiente.
A faculdade da Vida
Desde o começo dessa jornada, ainda neófitos, aprendemos muita coisa, até inusitada.
Vários mestres e mestras, nos ensinaram que nessa ciência nada seresta, nem tudo que parece ser é, pois depende, e nem tudo pode terminar em festa.
Conhecemos as ciências jurídica, seus códigos, doutrinas, macetes e jurisprudências,
Que nos ensinaram a argumentar, citar, criar, inclusive a valorar bons artigos e referências.
Agora, chegando ao fim do curso, que apesar dos pesares está sendo um sucesso, eu, já com pensamento de “seu dotô", olhando para nosso caso, inté imagino um processo:
... Petição inicial montada, todos os argumentos presentes, com medo de que você pense ser litigância de má-fé, e com isso eu tomar de você uma ré, fui ao fórum, e no balcão com a petição na mão me aproximei, só depois de recebido e carimbado, pensei: agora seja o que Deus quisé!
Acontece que no decurso desse processo, já tivemos muitos insucessos: mal-entendidos, troca de olhares com semblante de desgosto, até bloqueio de mensagens foi proposto.
Porém, nem tudo é só pedras e confusão, pois existem flores e bombons. Consegui arrancar seu sorriso, quando tudo parecia perdido, recebendo até elogios pelos atos meus, de carinho e admiração.
Tudo que eu precisava para retomar os trabalhos no caminho proposto da referida ação!
Já avançado os autos e com muitas páginas, audiências e juntadas, nada resolvendo, me sentindo em desvantagem apelei para a arbitragem.
Chamando para auxiliar alguém entre nós peculiar, na busca de conciliação, mediação ou um acordo talvez, ela, até de amicus curiae se fez, em busca de solução.
Acontece que esse processo se estende de forma que ninguém entende, ninguém se habilita a julgar, já virou um entrave sem precedência, no sistema do fórum, ainda que tentem movimentar para julgamento, há sempre uma mensagem dizendo que “a competência, a qual o tal processo faz referência, não existe neste plano de existência”.
Nossa! Esse processo já deu muito pano pra manga. Tá lá pra quem quisé vê, num cantinho da sala de vidro fumê.
Para se ter uma ideia, quem o pega pra ler, logo já sai chorando sem saber,
Talvez seja pelo conteúdo do pedido, ou pela emoção transcendente, talvez seja pelo fato de algo tão urgente e importante, ainda parado naquela estante!
Não adianta procrastinar, nem esperar o tempo passar, pois não há prescrição, somente um acordo entre as partes pode dar fim a essa questão!
Já mandaram avisar, que lá do fórum não sai, baixa nem pensar, esqueça aquele famoso pedido urgente, pedindo prescrição intercorrente!
Esse processo já virou febre por lá, melhor que novela, já tem até torcida, e pelo visto seguirá na mesma vara e no mesmo juízo até o fim dos tempos...
Se fosse de outro autor talvez passaria direto, mas sendo quem escreveu, parei, li e não entendi. Só após incorporar a sensibilidade do veterano que sou, caiu a ficha, me tocou e emocionou: "Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons. Carlos Drummond de Andrade"