Vladimir Safatle
Dizer que a discriminação é legítima na esfera social, compreender o exercício do preconceito como um "direito", e não como uma patologia social a ser combatida, é o resultado da tese equivocada de que a liberdade baseia-se na possibilidade de afirmação individual de interesses e escolhas.
Afinal, se o golpe não foi golpe, se a ditadura não foi ditadura, por que o governo atual também não poderia dar golpes que não são golpes e agir como ditaduras que não são mesmo ditaduras?
O latifúndio escravagista exportador faz uma distinção ontológica entre sujeitos, de um lado aqueles reconhecidos como pessoas e que têm direito a um Estado protetor; do outro, sujeitos que caem ao estado de coisas e, para eles, não têm Estado protetor, só predador. Quando essas pessoas morrem, não tem dor, nem luto, nem lágrimas. Não tem história, nem nome, nem nada.
Pois adaptar sujeitos a uma sociedade doente é apenas uma forma mais brutal de adoecê-los.
Na era dos tutoriais de poses para se fazer em fotos de si mesmo, explodir a primeira pessoa seria talvez uma desorientação politicamente mais transformadora.