Virgílio Álvares da Silva
Foi assim. Te conheci e o caminho se bifurcou (sempre bifurca; a gente é que pouco nota). Fui seguindo caladão mas com meu sorriso largo, meio achando que não era, meio sem saber porque ia. Mas ia.....
Veio chuva, vento forte, subidas difíceis. Eu ia. O sol apareceu; o tempo se mostrou incrivelmente bom. Por muitos anos escutei essa gargalhada (parecia G. Rosa) da sorte me empurrando pro seu lado....
Sabendo hoje do que se trata (do amor e suas ambivalências...) e porque caminho no seu caminho, a estrada virou lugar, o seu chão, meu horizonte. E o que se bifurcava, agora é um só amor em nós...
É a certeza pouca que carrego comigo e sua temperança,
estão em cada dia depois da partida daquela terra esquecida.
Ele é a paisagem viva há 80 anos com sábia esperança,
das flores ocasionais de minha infância nunca enfraquecida.
Contra o perigo das íngremes escarpas nas curvas do tempo,
sempre com a determinação de fazer o bem até o fim dos dias,
impregnou-me nessa orquestração dos Deuses do firmamento.
Seus estilhaços agora repercutidos nesta insignificante poesia,
Não pretendo me aquilatar ao mais talentoso poeta que já viveu;
minha partitura é só essa vontade de afastar pranto e alegrar-me
à Brenno, está hoje decretado além do que Apolo já teve de Orpheu.
Quero ressaltar que é de sua natureza, irredutível doar-se tanto,
quando a inexperiência de minha jornada pôde impulsionar-me,
e que por todos os dias um pouco que seja, ele afastou todo pranto.
“ ... minha linda São Franciscana,
se pisei descalço naquele chão,
arrebentado o dedão do pé num toco
outro dia, tomado banho pelado num córrego
frio; se senti um dia o orvalho da madrugada
escorrendo na pele e a brisa fresca
cantando nas cavernas das orelhas;
se apertei as tetas de uma vaca brava
e provei araticum embaixo de um pé de árvore,
é porque procurava rumo na escrita da história.
Ainda sou devedor da vida, antes de tudo,
uma extensão da terra e dela desconfio
que sou filho que não se desgrenha e com ela
sou verdadeiramente vida como toda mãe propicia.
Cortar esse cordão totalmente não consigo,
essa ligadura é também
essência para viver esta peleja.
De guardar tantas recordações
e de gostar do que vi, faço
este pálido registro, contrariando
o que muito se fala e faz
neste mundo do asfalto,
quando se separa a alma do material
– para dar mais valor a este segundo.
Lembro aqui enquanto ainda é tempo de confirmar,
umas coisinhas de nada, do que vi e vivi
na depressão do rio São Francisco,
onde sitia-se o sertão do homem-terra
ou seria a terra-homem ?
Depois sei, mudaram o mundo
para longe e mudaram de vez,
mas aqui tenho lembranças do amor,
mesmo que me encontre um pouco à margem
de um novo tempo inaugurado...”
“...buritizeiros são testemunhas poeirentas.
Emprestei na roça tempo e gosto na labuta
Junto aos afazeres que eram sua luta
por entre o memorável frescor das bentas.
Dulce, me empenhou o sabor do jenipapo
entre quantos pulos no Corguinho Doce
e contudo se isso suficiente não fosse
do sentido da bondade não me escapo.
No mundo então onde um rei não mais enxergo
Nem pelas veredas com cheiros de rês no pasto
ela, tia, que me ensinou temor e respeito vasto.
Discernir o ruim do bom onde me aqueço e ergo
Sua falta é agora para onde me rumo
com olhar vazio pela falta que se instala.
Posso talvez sofrer pela morte que apunhala,
mas certamente há um lugar de seu aprumo..."
A Rosa tão rosa
Que se desdobra em prosa
Da minha vontade incessante
Que busca em ti a todo instante
Como o baile das pétalas ao vento
Um prazer e ternura que são meu intento...
Esta é a minha procura
entre os espinhos de sua clausura
Com toda minha vontade de te invadir
nesse orvalhado respingo de amor pedir
O desabrochar aveludado de tão bela flor
Como é minha rosa que perfuma e dá calor.
"...no mundo que vale a pena
Onde cicatrizes cortam a terra
Ora seca-molhada ou tenra
e lágrimas mais soluços encerra
Que esse convívio em ser
por entre exemplos a toar
minhas horas a não esquecer
esse bem nunca vai acabar..."
Encontros e comemorações são exercícios de entrega verdadeira, é como se a gente tivesse aberto de repente um quintal bem amplo no coração só pra ser brincado pelos amigos....
Quem se acostuma a fazer isso não sangra o vazio que o mundo atual tenta nos impor e muitas vezes nem se dá conta de como a alegria pode ser boa e contagiante companheira ...
Quando as coisas criadas umas pras outras (o coração, o quintal, os amigos e a brincadeira) se encontram, a alegria é profunda. Cuide do seu quintal mais importante....
Ainda que muito esteja perdido, muito ainda nos resta;
à saudade de correr pelos dias quentes do velho Chico
mesmo que esteja perdida aquela força de outros dias,
que movia cachoeiras e ilhas; somos o que nos restou,
aquela coragem única nos corações de largueza infinita,
velhos pelo tempo e pelo destino, mas persistentes sim
se em nossas duras almas for, esforço a retribuir tanto carinho...
..até existe por ai uma porta para a solidão,
Sendo que nunca a fitei de perto...
Mesmo quando apegado em pouco
quero muito o viver e até a dor amar...
Diante desse mundo contraditório,
parecendo que nada mais interessa...
Não me esqueço que me resta a vida
mesmo com o desuso da navalha...
Meu senho certamente chegará bem
no recomeço de cada amanhã...
Sei que até no silencio de Deus
muitas batalhas são vencidas..
Passar pela vida como uma sombra escura
Não é grata missão nem bondosa elegia
Mas a minha batalha segue pelo dia
Nos versos de dor que encontra a cura.
Sei que poderei apenas relembrar
a pele cor pêssego maduro,
mas neste caminho perduro
onde pude no gozo de outrora beijar.
Mas sei que serei chamado num raio de luar
Para o umbral das nuvens e do céu, partir
E certamente há um momento sublime por vir
Onde até Sócrates e Galileu vou encontrar.
E meu semblante não estará mais pálido e branco
Pois sabia que pelo menos no céu poderia
Novamente ter quem eu tanto queria.
Com o coração vencer qualquer pranto.
.... só me dei conta das profundezas
onde retorcidas raízes são arrancadas
na despedida e na derradeira separação....
Procurei sol brilhante que aquece mais
que uma família inteira em horas tristes
e lança fé na prece e intercessão divina...
Sei que no firmamento colorido é você
que perdura nalguma estrela a doçura
que me fez valente a procura de justiça ...
foram-se minhas esperanças perdidas
pois chegou hora do amor encontrado
a revigorar minhas forças a cada dia....
Para Homero a malfadada guerra coloca sempre os homens sob o cerco de seus próprios pecados.
Ao fim da guerra de Troia a mais bela das jovens sobre a terra (filha de Príamo) sofre com o ataque de Pirro (filho de Aquiles que teve amor impossível por ela) mostrando como os sentimentos podem ser cheios de equívocos.
Na verdade poucos sabem idealizar as "guerras pela vida afora" rendendo-se a uma insensibilidade causada pelo combate, eles desejam amar, mas o sentimento fica pequeno diante de coisas mais obscuras, como o ressentimento, vingança e a cobiça.
Muito além de tanto desencontro, o "campo de batalha" também está cheio de heróis com a reputação manchada (não sabem o que é amor). A morte brutal de Polissena pelas mãos de Pirro é um dos sinais da decadência desses chamados paladinos da força.
Hegel certa vez comparou a filosofia com a coruja da deusa Minerva, que carrega toda a sabedoria e justiça do mundo, mas só voa ao anoitecer, quando não há muita luz para ser aproveitada....
Narra o mito que a Sabedoria e a Justiça, personificadas pela deusa Minerva (Athena na Grécia) é fruto de Métis (a astúcia) com o poderoso Zeus, ordenador do Cosmos. Após ter sido proferido pelo oráculo que, se Zeus tivesse uma filha, ela se tornaria ainda mais poderosa que ele, Zeus tratou de engolir Métis para impedir o nascimento. Assim, Athena é gerada na cabeça do soberano do Olimpo (por isso, a deusa é associada ao lógos).
Findado o período de gestação, o supremo deus começou a sentir terríveis dores de cabeça, pois enquanto a JUSTIÇA NÃO NASCE, ELAS SÃO INEVITÁVEIS.....
O que Hegel quis dizer (eu acho) é que qualquer período histórico só pode ser compreendido quando está no fim, e que a filosofia sempre chega tarde para explicá-lo.
Talvez se a coruja, voasse mais cedo, venceria o vasto abismo que separa a filosofia da política. Um abismo que não começara com Hegel mas existe desde que Platão, desgostoso com a execução de Sócrates, renunciara à atividade política.
No fim o que Hegel diz com sua metáfora é o óbvio, que a gente vive para frente mas compreende para trás, e que nenhuma filosofia ajuda a percorrer o caminho já percorrido.
Nossos esforços podem fazer nascer a justiça que nos livra das "dores de governo incompetentes" e olharemos para nosso futuro pois o passado já foi vivido .....