Vinicius Rodrigues
equilíbrio;
gosto de me imaginar em paz,
mas não há paz antes da guerra.
gosto de me imaginar feliz,
mas não há felicidade sem tristeza.
gosto de me imaginar acompanhado,
mas não há companhia sem solidão.
gosto de me imaginar completo,
mas não há completude se, uma hora, faltar algo.
e diante de tantas coisas,
estou guerreando,
estou triste,
estou só,
estou faltando.
um dia, talvez, eu estarei:
em paz,
feliz,
acompanhado,
completo.
mas até lá,
vou aprender a lidar com os dias difíceis,
a abraçar o que me falta
e a esperar o que ainda virá.
ninguém;
fui porto,
mas ninguém ancorou.
fui abrigo,
mas ninguém ficou.
fui caminho,
mas ninguém seguiu.
fui voz,
mas ninguém ouviu.
agora sou só silêncio,
esperando me tornar outra coisa.
em pedaços;
fui porto,
mas ninguém ancorou.
agora sou náufrago,
esperando o resgate.
fui abrigo,
mas ninguém ficou.
agora sou céu aberto,
esperando a chuva vir.
fui caminho,
mas ninguém seguiu.
agora sou mata,
esperando o machado.
fui voz,
mas ninguém ouviu.
agora sou eco,
esperando um nome.
fui céu,
mas recaí em tempestade.
agora sou nuvem dispersa,
esperando o sol.
fui raiz,
mas o tempo me arrancou.
agora sou semente,
esperando brotar de novo.
fui página em branco,
mas me escreveram em versos que não eram meus.
agora sou livro fechado,
esperando ser reescrito.
e agora, sou nada...
e o nada sou eu
na espera de ser.
o que me resta;
a indiferença que carrego,
silêncio gélido,
tem o hábito de
atrofiar qualquer traço
de compaixão.
a dor que carrego,
raiva em brasa,
tem o dom de
rasgar em fúria
meu bom senso.
o amor que carrego,
feito saudade,
tem o costume de
virar poesia
e fugir de mim.
e eu, que me carrego,
vazio e eco,
tenho a sina de
me perder em tudo
e não sobrar em nada.
crisálida;
fui silêncio,
mas as palavras me transbordaram.
fui abrigo,
mas ninguém ficou para a reconstrução.
me despedi de quem fui,
carregando cicatrizes como mapas,
navegando por mares de arrependimento,
com velas feitas de culpa.
enterrei meu velho eu
como quem planta uma dúvida.
e esperei.
esperei que asas brotassem
onde antes havia correntes.
mas a metamorfose é lenta,
e no casulo do tempo,
a dor é a primeira a nascer.
sou pó de memórias,
sou o eco de antigas promessas,
sou a espera do que ainda pode ser.
e se um dia eu voar,
que o vento me leve
sem medo de cair.
aritmética das ausências;
um dia descobrimos que beijar alguém
para esquecer outra é como tentar apagar o sol com as mãos:
não só a luz persiste,
mas é sua sombra que nos cega aos poucos.
percebemos que a caça ao prazer
seja delas ou seja minha
deixa cicatrizes que não sangram,
mas doem como feridas antigas.
um dia entendemos:
apaixonar-se não é escolha,
é cair de um penhasco
e descobrir que o chão
é mais macio do que o medo.
as provas de amor não estão nos gestos grandiosos,
mas no café frio que ninguém bebeu,
no silêncio compartilhado
quando as palavras já não bastam.
e o entendimento reside na quietude.
um dia saberemos:
quem nunca te liga
é quem carrega teu nome
como um segredo pesado no bolso.
e, sem saber,
somos o peso de uma ausência em alguém.
porque a pior saudade
não está no telefone que não toca,
mas nas fotos que ainda não tive coragem de apagar.
ao menos, em minha experiência.
sentimos a falta de um amigo
quando o telefone toca
e do outro lado só há vento.
um dia entendemos que a vida,
mesmo que longa,
é curta demais para beijar todas as bocas
que nos chamam,
para dizer tudo o que nos queima por dentro.
resta-me escolher:
aceitar o vazio
ou incendiar o relógio
e dançar nas cinzas do tempo.
o peso que não levo;
se um dia me ler,
saiba:
exagero na tristeza
só para escrever
linhas tortas.
sou melancólico,
dramático,
exagerado.
mas só porque
a saudade pesa mais
quando tento ignorá-la.
e se pareço intenso,
é porque carrego ausências
como quem guarda cartas
de quem nunca respondeu.
me perco em abstrações,
nessa coisa sem forma
que chamei de amor
por falta de outro nome.
às vezes, confundo lembranças
com desejos que nunca aconteceram.
e insisto.
porque prefiro a ilusão
ao vazio.
na vida real, sou leve,
tranquilo,
sem o peso do que escrevo.
escrevo para me livrar,
não para me prender.
porque o que escrevo
morre no papel
e não em mim.
então se quebre em mim.
sem minha ajuda.
e aguente, sem uma caneta,
para exagerar comigo.
quase real;
sou o homem nada.
não compactuo,
não pertenço,
não sou.
vejo tudo,
mas não enxergo…
sinto tudo,
mas não vivo.
me movo,
mas não caminho.
sou engrenagem de um relógio,
sem o tempo me carregar com ele.
o tempo passa por mim,
mas nunca me leva.
não sou lembrança,
apenas memória…
ainda assim,
eu sonho
em ser,
em ver,
em ter.
em me encontrar
sem me perder…
mas o nada me abraça,
e eu retorno,
já querendo partir,
já querendo sumir.
como se nunca tivesse estado aqui,
como se a inexistência fosse meu único vestígio.
mas no vazio que me cerca,
uma voz sussurra meu nome…
e por um instante,
quase me sinto real.
espelho quebrado;
como ouso amar,
se não sou amável?
como ouso julgar,
se sou imperfeito?
como ouso rir dos outros,
se a piada sou eu?
como me atrevo a sonhar,
se estou acorrentado no chão?
como ouso cobrar lealdade,
se eu traio?
como ouso gostar de alguém,
se me odeio?
como me atrevo à sensatez,
se eu sou a hipocrisia?
sou a mentira que condeno.
sou o erro que aponto.
sou o meu autoaprisionamento.
sou tudo o que enxergo em mim e condeno nos outros.
sou a sombra dos meus próprios julgamentos.
sou um espelho quebrado
meu reflexo distorcido
e, no entanto, ainda respiro,
ainda espero,
ainda sonho.
...
e, talvez um dia, em um kintsugi,
pinte meus trincos de ouro.
simbionte;
enterrado sob minha pele,
reside uma inquietude,
e sobre ela, mora você.
escondida dentro de mim,
me coçando para te tirar,
rasgar minha pele,
deixar você sair.
se alimente de mim:
da fuligem em meus pulmões,
do eco de quem fui,
daquilo que ainda há de pulsar
em meu peito vazio.
e mesmo sentindo você rastejar,
quero que fique.
prefiro um parasita de amor
a encarar que, sem ti, sou oco –
abismo, vazio,
somente sombras de mim.
então, devore aquilo que ainda bate,
sorva-se do meu silêncio,
engula meus sonhos,
coma as migalhas da minha felicidade.
simbiotismo parasitário:
andando em círculos,
consumindo pedaços de mim,
já sem lembrança de forma,
sem saber existir sem órgãos,
sem ti.
mergulhe nas profundezas de minhas entranhas,
e ao devorar o que fui,
refaça-me à tua imagem,
para que eu, ao menos, sobreviva em ti.
e ao fim,
quando eu não for mais que casca,
quando nem vísceras restarem,
que sobre apenas
o eco de tua fome.
equilíbrio;
quando imaginei o fim,
percebi que era apenas o começo,
e que a vida adiante não era muro,
mas estrada aberta a surpresas.
descobri que nada se perde sem custo,
em cada escolha, uma renúncia,
linhas invisíveis
cortadas à lâmina de dois gumes
do que decidimos ser
e para onde ir.
às vezes, o coração pede tanto
que a alma viaja pra buscar
te encontrar
e achar a nós.
a esperança é a última que morre,
mas quando morre,
arde como brasa nos pés.
amar é alimentar o fogo,
sem deixá-lo apagar,
sem permitir que nos consuma.
é o carvão que aquece,
mas queima se esquecido,
é chama que dança,
mas fere se solta ao vento.
e entre o frio da ausência
e o ardor do excesso,
só o equilíbrio mantém o amor
aceso sem destruir.
sangue e lápis;
aqui é onde me liberto
me encontro em mim
correntes e simbolismo
escrevem em mim
me perco e me refaço,
encontro-me nos versos
refúgio abstrato,
alma enfim segura
depois que te conheci,
ó poesia,
dei forma ao caos
que antes era torto
antes de te conhecer,
não me conhecia,
me observava
e não me entendia
quando te conheci,
meu eu-lírico,
me apaixonei por ti
e te incorporei em mim:
é meu sangue
meu respirar
minha voz silenciosa
dou forma à dor,
amplifico-a,
só para que ela
se enfrente ao lápis
transformar meu medo
em palavras,
angústia em ritmo,
e o silêncio, em mim,
vira canção
e me dissolver
na escrita,
morrer no papel
para renascer
em cada linha
no dia em que parar de escrever,
será o dia que morreremos juntos
meu verso e meu peito
victória;
há algo dentro de mim,
um nome que nunca se diz,
preso nas sombras do tempo,
repetindo-se em silêncios.
corri entre braços tortos,
tentando escutá-lo nas batidas
de corações que não eram meus.
me entreguei em camas rasas,
onde o calor de outros corpos
só me deixou mais frio.
procurei nos vestígios,
no bordado de lençóis,
nos toques que não deixaram marca,
nas cicatrizes invisíveis
que deixei em pele alheia.
e me parti aos poucos,
em cada movimento vazio,
em cada palavra não dita,
em cada olhar que não me tocou.
ainda assim, segui,
por caminhos que não prometiam chegada,
perdido nas ausências
que talvez existissem,
ou talvez nunca tivessem sido.
mas o nome permaneceu,
indecifrável,
como um eco que se esconde,
sussurrado na madrugada,
nos reflexos que se desvanecem.
agora, me encaro
e vejo o vazio que busquei preencher,
como uma pele que se rasga sem fim,
como braços que nunca souberam
o que é abraçar de volta.
procurei no asfalto cinza,
no vidro preto dos carros brancos,
algo que não me pertencia,
algo que ficou no ar,
e que nunca pude tocar.
havia algo insaciável
na fome que me consumia,
no desejo de algo que nunca se dizia,
nesse nome que jamais me chamou.
sempre te perseguindo,
num ciclo que nunca terminou,
tentando me encontrar
no que me faltava,
neste nome que permaneceu
como uma promessa sem rosto.
e agora, me pergunto:
se um dia te encontrar,
será que saberei reconhecer?
ou seremos apenas dois estranhos,
perdidos nas nossas próprias sombras,
condenados a nunca nos encontrar?
talvez você nunca tenha existido.
talvez seja só um reflexo
do que nunca pude alcançar.
insetos;
a criança brinca,
raspa os joelhos no asfalto.
entre formigas,
as vê carregando tijolos,
devorando ovos,
mordendo companheiras.
observa besouros sob folhas secas
e pisa — a vida
esmaga.
o jovem canta pneu em estradas falsas,
bebe promessas de bares sujos.
procura-se em soldados,
encontra:
refúgio
nas que rastejam;
mulheres baratas.
o adulto afoga o relógio no álcool,
engole dias
saudade seca.
o trabalho vira razão,
não pensa,
não sente,
abraça o conforto —
e cospe folgas
no cinzeiro do chefe.
crueldade precoce e,
caminhos engessados
cuspidos por máquinas.
sociedade autofágica:
faca em punho,
esfaqueia ponteiros
sangra calendários
e ri.
meritocracia insetóide:
asas podres,
pernas peludas,
seis olhos.
devora a prole
bota ovos
e ri.
e o velho encara retratos:
procura suas asas
rugas inundam o rosto
o tempo, o ladrão
que deixou
ossos em pele frouxa
e perguntas
sem resposta
e as formigas
comem olhos
no buraco
que ele mesmo
cavou.
lápide de açucar;
atravessando a rua, fui atravessado.
caminhão de sorvete me deixou gelado.
chocolate e sangue, doce e amargo,
rosa, azul e um branco pálido.
dançando juntos em cima do asfalto,
corpo fechado, pé numerado.
meu túmulo caramelizado,
que jeito melado de morrer.
e apesar da dor, virei sabor:
sorvete derretido, perdeu o valor.
agora sou história,
verso travado,
epitáfio doce
e congelado.
luxúria;
me vi em navalhas:
preto engoliu branco,
afeto sangrou agressão,
orgulho devorou o amor.
arranquei meus olhos —
agora as rosas brotam
onde restaram os buracos.
mordi frutas brilhantes
e mastiguei vermes
apenas para cuspir
seus caroços podres
e escolher estátuas douradas
com vísceras de barata:
beijei-lhes a boca
até engolir as asas.
e no rastro do desejo,
só restaram cinzas de abraços
e retratos sem face.
transformei camas em altares,
mas nenhum deus respondeu
às preces que sussurrei
entre pernas e gemidos.
nessa piada que me conto
enquanto me fodo —
só restam sílabas grudadas
e pegadas na poeira
da casa vazia
que já foi peito
antes de ser tumba.
orgulho;
no topo da prisão,
rei sem reino.
tranquei as celas —
encarcero e me aprisiono,
coroado pelo ego.
governo eu mesmo,
morro em mim,
mas não me curvo —
carcaça ereta,
mente cerrada.
voo acima de todos,
anjo de asas de couro.
no topo da colina cinza,
cuspo na miséria
que recuso a ver.
me ergui em chamas
e queimei a cidade.
governei o caos,
liderei a loucura.
egoísmo cego,
ouro falso.
e quem precisou,
virei a cara.
ego cheio,
coração oco.
queixo erguido sobre espinhos,
coroa em brasa.
e no fim, só restou o cheiro:
o santo churrasco,
primeiro que saboreio —
banquete de rei,
minha carne queimada.
sucumbo, enfim,
ao trono que ergui.
construção vazia.
ruína certa.
gula;
excessos e satisfação
nutrição perversa
não enche estômagos.
engulo coisas tortas
e permaneço vazio,
bocas insaciáveis
corpos devorados.
anseio pelo excesso,
nunca satisfeito,
mordo o vácuo
e cuspo o nada.
bares gordurosos,
carne feminina cozida,
fuligem preta na garganta.
mordo a língua
e bebo sede.
roí unhas ao osso,
bebi água do mar,
mastiguei pedras—
ainda assim, faminto.
e de não encontrar,
canibalismo infinito,
me mastigo em ciclos,
autofagia sem fim,
engolindo dentes
e cuspindo pó.
avazera;
farto, sem fome.
taças de cristal
transborda cianeto.
cobro juros
da água benta,
penhoro a hóstia,
pago até
meus 10%
para comprar casas no céu—
e os anjos trancarem as portas.
o amor? em leilão.
parcelo afeto,
cobro taxa
por abraços.
não devolvo,
mesmo emprestado —
são meus.
engulo moedas,
asfixio-me com níquel,
tossindo sangue
e centavos.
cheques sem fundo,
cheios de zeros—
cheios mág00000as.
peso ouro
na balança,
mas minha alma,
ainda segue:
com Rayban escuro
e carro importado,
minha falência
espiritual.
nos bolsos pesam
cédulas pretas,
alianças sem dedos,
e mendigos sem nome.
notas falsas
não compram vida,
mas Caronte aceita
cem dólares.
mesmo assim,
não entro no barco—
ele sabe:
não pagaria.
mas comprei terreno,
e construí mansão.
no meu gigantesco
umbral dourado.
IRA;
herdei do meu pai
um fogo engarrafado,
que ele herdou do avô
como herança de terra rachada —
pólvora seca na garganta,
ourobóricamente amarga.
grito contra o mundo.
as paredes explodem eco.
estourei os tímpanos;
os ouvidos sangram silêncio.
esmurro pontas de faca,
salivo ácido,
mastigo pregos.
me calo, mas fervo.
sublimo atos de cólera,
transpiro ódio em gotas
que corroem até o chão.
busco a paz
em meu próprio genocídio —
o capitão nascimento
atira no meu peito
e ri da bala perdida.
sou minha própria anátema,
injustiçado na fúria,
coração engatilhado,
marca-passo de pólvora.
rancor escarlate
com nome de filhos.
herança sangria:
vendaval de ruína,
semente de dinamite
germinando em útero.
testamento cinza:
até o fogo cansa
de queimar o mesmo inferno.
resto a gólgota
em meu esperor.