Verônica H.
Não desiste de mim. Por trás de tanta indecisão tem alguém que precisa de companhia mesmo fingindo que não. Tem alguém que odeia todo mundo num segundo e chora de saudades de todos no segundo seguinte. E de você principalmente.
Esse não era o papel que eu queria, pode ter certeza. Queria fazer valer seus instantes perdidos me observando numa festa cheia e tentando entender meus enigmas. Eu sou uma decepção. Parecia tão interessante, tão cheia de luz. E agora sou essa criança que só quer agarrar você e proibir de brincar com os outros amiguinhos. Só meu, não empresto.
Eu compreendo os mais diversos medos, porque abrigo em mim os mais estranhos. Sei das precisões absolutas de carinho e proteção. Eu seria perfeita pra você, se você ao menos existisse.
Talvez eu nunca entenda o real sentido das borboletas no estômago, da boca seca e joelhos frágeis. Ou talvez nunca seja a palavra mais ridícula do dicionário; e eu sei do poder que as palavras exercem sobre mim.
Eu não sei de onde você surgiu. Com uma rapidez absurda, me fez sorrir espontânea, enquanto caía num abismo desconhecido. Minha capacidade de manipular sumiu, minha mania de mentir sumiu, minha vontade de enganar sumiu. Eu fico vulnerável demais enquanto falamos e acho que você sabe disso.
Nós dividimos a espécie mais triste de solidão: aquela em que as outras pessoas do mundo só significam companhia em casos extremos e mais fazem volume num espaço pequeno do que preenchem alma.
Lembra da minha coleção de decepções? Você faz parte dela agora. Não definitivamente pela minha mania de preferir acreditar na inocência. Foi tudo uma coincidência até que se prove o contrário. '
Não sangra nem deixa marcas, mas escrever dói. Dói como a saudade do que não acontece, porque exterioriza sentimentos que eu escondo até de mim.
Eu invejo quem ignora os motivos da dor. A inocência é linda, o não saber é reconfortante. Eu sei o que eu sinto e sei o motivo de sentir. Sei finais escritos e imprevistos.
Eu sempre acho que amanhã será o dia de mudar de vez, de me assumir por completo. Mas daí o amanhã chega e tenho uma imensa preguiça de sair da minha área de conforto, porque é bem provável que ninguém entenda. E dá medo encarar o que é definitivo. E porque é mais fácil reclamar da vida do que torná-la leve de sobreviver.
Eu não sei citar motivos, mas alguma coisa me falta. Estou ao mesmo tempo feliz e deprimida, tenho companhia e nunca fui tão sozinha, tenho sucesso e nunca me senti tão fracassada.
Eu crio mil planos pra mim e boicoto todos eles. A vida é tão cheia de ciclos e fases e eu me agarro doentiamente ao conhecido. Eu evito mudanças drásticas, sabendo que são meus impulsos mais interessantes e busco o conforto da mesmisse.
"Então aqueles olhos, que já se liam durante toda uma noite, finalmente se entenderam. As palavras pareciam tão fracas e inexpressivas diante da comunicação mais profunda que existe, os enlaces faziam tanto sentido... E tudo parou."
E a razão vai tomando conta de mim de novo. Como vou tropeçar se sempre calculo meus passos? Como vou me entregar se sempre calculo meus braços?
Cansei de só ocupar espaço sem existir. Tento me fazer acreditar que meu natural agrada mais do que as personagens, mas na prática a história é outra. Ao invés de surpreender a plateia à cada novo espetáculo, repito as falas decoradas sem improvisar nem uma vírgula.
Eu não sei se eu devo ganhar essa batalha, não sei se tenho condições, se mereço assumir a direção. Talvez essas meninas medíocres aqui dentro sejam mais eu do que eu mesma. Dá pra entender onde eu quero chegar? Esse meu lado consciente, esse momento de sobriedade não é maioria em mim. Que poder tenho sobre os votos de uma população gigantesca de personalidades, todas unidas contra uma só - contra mim?
Meus segundos de lucidez estão chegando ao fim. A cortina se abre, as conversas e as luzes diminuem. Eu me rendo. Se tudo está errado, assim permanecerá. Se este script não me satisfaz, ninguém mais tem que saber. Mais um dia se passou sem que eu exigisse meus direitos. Habito, mas não comando.