Valter da Rosa Borges
O povo não entende o sábio. O sábio será sempre uma gota de óleo, boiando na superfície da água plebéia.
Quem anseia pelo aplauso do povo, mesmo que seja um erudito, não é um sábio. O sábio não busca a aprovação popular.
O sábio, quanto mais sabe, mais se isola. A sua convivência com as outras pessoas é sempre superficial. Porém isso não o torna um misantropo. Pelo contrário: ele é afável com as pessoas, mas só se relaciona com elas em assuntos triviais. Embora acostumado às profundezas, ele sabe, nos momentos necessários, subir à superfície e até mesmo divertir-se com as pessoas comuns.
As religiões transformam o ser humano em pecador, imperfeito e perdido, necessitado, portanto, de salvação. Quem nisso acredita, precisa de salvação.
O maior castigo que Deus infligiria aos demônios seria obrigá-los a fazer eternamente o bem. É lamentável que os teólogos não tenham pensado nisso.
Somente um Deus antropomórfico e cruel se rejubilaria com o aviltamento e sofrimento voluntários das pessoas que pensam, com isso, glorificá-lo. Eis uma divina relação sadomasoquista entre um Deus vaidoso e essas criaturas ingênuas.
Quando alguém diz que viu Deus, falou com Ele, é o Seu enviado, por certo, alucinou ou está enganando as pessoas crédulas, que constituem a grande maioria da humanidade.
A humildade é também uma forma sutil de poder. Uma pessoa externamente humilde e famosa por sua humildade se transforma, aos olhos dos outros, em um ser superior.
A vaidade é sempre sincera. A modéstia, nem sempre.
Ninguém se finge de vaidoso. E há os que se envaidecem de sua própria vaidade.
São as mentiras convencionais que sustentam a vida social. E, para nossa tranqüilidade, acreditamos nelas, porque precisamos estar convictos de que são verdadeiras.
Toda a propaganda em prol da verdade jamais a tornou apetecível, a não ser convencionalmente. A mentira, embora publicamente combatida, continua sempre forte, vivendo na sua clandestinidade social.
Envelhecer é cultivar adeuses
e empobrecer em cada despedida.
Os afetos morrendo com os mortos.
Lembrar é praticar necromancia.
O que fazer de tudo o que já foi,
mas fica latejando em nossa vida?
É o incurável câncer da saudade:
o que passou matando o ainda vivo.
Todo ditador é um megalomaníaco. Julga-se um Messias político. Alguns são paranóicos e enxergam inimigos em toda parte. Até os seus aliados mais próximos estão sob suspeita. Governa pelo medo que impõe às pessoas e manda eliminar quantas forem necessárias para exibir a força do seu poder. Torna-se adorado pelo povo mediante manipulação da mídia. Acusa seus opositores de inimigos do povo e se diz ameaçado por eles. Inventa atentados para punir os adversários e os classifica como inimigos da pátria. Proclama ser o pai dos pobres, mas se faz amigo dos ricos e deles se utiliza para seus propósitos.
Há ditadores cultos, ignorantes, brutais, populistas, reservados, falantes. Prometem ou o que não podem ou que não querem cumprir, e culpa os adversários pela não realização do prometido. Corruptores, são cercados por uma alcateia de corruptos. E todos enriquecem à surdina ou ostensivamente. Há corruptos que têm o dom da invisibilidade e, quando descobertos, fazem o papel de vítimas. Há, porém, os corruptos debochados, que se vangloriam de sua capacidade de ilusionistas, proclamando os seus atos ilícitos como algo natural e aceitável. Os tesouros da corrupção estão a salvo do conhecimento do povo e geralmente inacessíveis à investigação da justiça.
A quadrilha de governos aparentemente democráticos ou ostensivamente tirânicos está ligada a outras quadrilhas e elas permutam benefícios recíprocos. É um acordo secreto e dificilmente investigado por parte da imprensa que não foi subornada pelo tirano. As verdades oficiais não são contestadas e o povo desinformado e despolitizado acredita nelas.
A corrupção, em muitos casos, é a alma do poder, notadamente na política. A sociedade apodrece moralmente e as pessoas, gradualmente, passam a não mais sentir o cheiro da podridão. Esta perda olfativa da ética faz com que elas achem natural conviver com a podridão e dela tirar o maior proveito possível.
O ditador é um camaleão e sua cor depende do tipo de regime em que vive, seja democrático ou não. Por isso, o povo não percebe a diferença quando se trata de um tirano na democracia.