Thomas Merton
A finalidade da Quaresma não é só expiação para satisfazer a justiça divina; é, sobretudo, uma preparação para nos alegrarmos em seu amor. E essa preparação consiste em receber o dom de sua misericórdia — dom que recebemos na medida em que lhe abrimos nosso coração, lançando fora o que não pode permanecer juntamente com a misericórdia.
“ O que é terrível em nossa época é precisamente a facilidade com que as teorias podem ser postas em prática. Quanto mais perfeitas, quanto mais idealistas são as teorias, tanto mais horrendas sua realização. Estamos enfim começando a redescobrir o que os homens conheciam talvez melhor nos tempos muito remotos, nos tempos primitivos, antes que se pensassem em utopias: que a liberdade está vinculada à imperfeição e que limitações, imperfeições, erros são não somente inevitáveis, mas até salutares.
O melhor não é o ideal. Onde aquilo que é teoricamente melhor é imposto a todos como norma, não há mais lugar nem mesmo para ser bom. O melhor, imposto como norma, torna-se um mal.
Em suma, pode acontecer (ou não) que o que Deus pede de mim me faça parecer menos perfeito aos olhos de outros, e que isso poderá me privar de seu apoio, afeto ou respeito. Portanto, santificar-me pode significar a angústia de parecer um pecador, um pária, e, num sentido real, “sê-lo”. Isto pode significar um aparente conflito com certos critérios talvez mal compreendidos por mim, por outros ou por todos nós.
O homem não pode viver sem alguma forma de fé. A fé, no sentido mais largo, é a aceitação duma verdade sob a evidência de um outro. A essência de toda fé é a submissão do juízo ao critério de um outro, a cuja palavra aceitamos verdades não evidentes à nossa mente. Fé natural ou humana é a aceitação de verdades baseadas na autoridade de outros homens. Fé Sobrenatural é a crença em verdades reveladas por Deus, segundo o testemunho de Deus e por causa da autoridade de Deus que no-las revela."
("Ascensão para a verdade")
"Gandhi tinha o maior respeito pelo cristianismo, por Cristo e pelo Evangelho. Seguindo seu caminho da satyagraha* acreditava seguir a Lei de Cristo. Seria difícil provar estar ele inteiramente enganado nessa crença ou que fosse ele, em qualquer grau, insincero.
Uma das grandes lições da vida de Ghandi é a seguinte: Ele, um indiano, descobriu, através das tradições espirituais do Ocidente, sua herança indiana e, com ela, seu reto pensar. Ora, na fidelidade à sua própria herança e ao seu sadio equilíbrio, pôde apontar aos homens do Ocidente e de todo o mundo um meio de recuperar o reto pensar dentro de sua própria tradição, manifestando, assim, o fato de que existem certos valores essenciais e indiscutíveis – religiosos, éticos, ascéticos, espirituais e filosóficos – sempre necessários ao homem e que, no passado, conseguiu ele adquirir.
Valores sem os quais não pode viver, valores atualmente em grande escala por ele perdidos, de modo que, sem preparação para enfrentar a vida de maneira plenamente humana, corre agora o risco de destruir-se completamente. Esses valores podem ser denominados “religião natural” ou “lei natural”, seja como for, o cristianismo admite sua existência, pelo menos como preâmbulos à fé e à graça, se não, por vezes, muito mais que isso (Rm 2, 14-15; At 17, 22-31).
Esses valores são universais e é difícil ver-se como possa haver alguma “catolicidade” (cath-holos significa “tudo abranger”) que, mesmo implicitamente, os exclua. Uma das marcas da catolicidade é precisamente a de que valores em toda parte naturais ao homem se realizem, no mais elevado nível, na Lei do Espírito e na caridade cristã. Uma 'caridade' que exclui esses valores não pode reivindicar para si o título de amor cristão."
(*Uma palavra fabricada por Gandhi. Sua raiz significa “apegar-se à verdade”)
Assim como uma lente concentra os raios do sol num pequenino foco de calor que pode atear fogo a uma folha seca ou a um pedaço de papel, assim o mistério de Cristo no Evangelho concentra os raios da luz de Deus e seu fogo num ponto que inflama o espírito do homem.
Somente quando nossa atividade procede da base na qual consentimos nos dissolver ela tem a fertilidade divina de amor e graça. Só então ela atinge realmente os outros em verdadeira comunhão. Muitas vezes nossa necessidade dos outros não é absolutamente amor, mas apenas a necessidade de sermos sustentados em nossas ilusões, assim como sustentamos as dos outros. Mas, quando renunciamos a essas ilusões, então podemos ir ao encontro dos outros com verdadeira compaixão. É na solidão que as ilusões finalmente se dissolvem."
Muitas vezes nossa necessidade dos outros não é absolutamente amor, mas apenas a necessidade de sermos sustentados em nossas ilusões, assim como sustentamos as dos outros. Mas, quando renunciamos a essas ilusões, então podemos ir ao encontro dos outros com verdadeira compaixão. É na solidão que as ilusões finalmente se dissolvem."
"Não vamos para o deserto com o intuito de fugir das criaturas e sim para aprender como encontrá-las.
Não nos separamos delas com o fim de não mais nos interessarmos por elas, mas para encontrar o melhor modo de lhes fazer bem."
O Deus vivo, o deus que é Deus e não a abstração de um filósofo, ultrapassa infinitamente tudo o que nossos olhos podem ver ou nosso espírito compreender."
Até quando hei de aturar-vos?
21 de maio de 1940
Nova York
Dizem que enquanto os alemães estavam profanando uma igreja, em certa localidade da Polônia, um sargento alemão, enfunado pelo espetáculo excitante, plantou-se diante do altar e berrou: se acaso Deus existe, prove Sua existência liquidando, ali mesmo, um sujeito tão arrogante, importante e tremendo como era ele. Deus não o liquidou. O sujeito saiu dali muito agitado e sentindo-se provavelmente o homem mais infeliz do mundo: Deus não tinha agido como um Nazista. Deus não era de fato Nazista e a Justiça de Deus (que todo o mundo conhece obscuramente, no fundo da alma, por mais que não consiga exprimi-la) é substancialmente diversa da brutal e sanguissedenta vingança dos Nazistas.
Deus de acordo com a Sua impenetrável Vontade, liquida, de vez em quando, um louco dessa espécie. Mas quem foi morto na crucifixão de Cristo? A Paixão e a Ressureição de Cristo são maiores do que todo milagre que possamos imaginar. A transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo é muito mais milagrosa do que a execução, por Deus, daquele que comete um sacrilégio contra o Santíssimo Sacramento. É qualquer coisa de muito maior, de mais aterrorizador que Cristo, no Sacramento, se deixe submeter a um sacrilégio.
Ninguém foi fulminado no Calvário. Os céus se abriram, rasgou-se o véu do templo e a terra estremeceu. Tudo, porém para os homens de pouca fé. E quem de nós não pertence a este número? Quem foi, entretanto, o fulminado? Os Fariseus? Foi um raio que fulminou Judas ou foi ele que se enforcou a si mesmo?
O fato mais terrível que ocorreu no Calvário não foi a terra ter estremecido até seus fundamentos, e sim aquele grito do Filho de Deus: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?'
Deus deixou no mundo o pecado, para que fosse possível o perdão; não somente esse perdão secreto pelo qual Deus nos purifica a alma, mas também o perdão manifesto pelo qual exercemos uns com os outros a misericórdia, dando com isso expressão ao fato de que Deus vive, por sua misericórdia, nos nossos corações."
Se não formos capazes de humildade, não teremos capacidade para a alegria, pois só a humildade consegue destruir o egocentrismo que torna a alegria impossível."
A oração é inspirada por Deus nas profundezas do nosso nada. Ela é o movimento de confiança, gratidão, adoração, ou pesar, que nos coloca diante de Deus, vendo tanto a Ele como a nós mesmos à luz da sua verdade infinita, e nos move a pedir-Lhe a misericórdia, a força espiritual, o auxílio material de que todos precisamos."
O começo do amor é permitir que aqueles que amamos sejam perfeitamente eles mesmos, e não torcê-los para que correspondam à nossa própria imagem. Caso contrário, nós amamos apenas o reflexo de nós mesmos que encontramos neles.
Ora, basicamente, alguém que está obcecado pela sua própria unidade interior deixa de se conscientizar de sua desunião com Deus e com os outros. Pois é na união com os outros que nossa própria união interior se estabelece natural e facilmente. Estar preocupado em conseguir a unidade interior em primeiro lugar e, em seguida, amar os outros é seguir uma lógica de ruptura contrária à vida."
Se você quiser me conhecer, não me pergunte onde eu moro, ou o que gosto de comer, ou como penteio meu cabelo, me pergunte o que eu estou vivendo, em detalhes, me pergunte o que eu acho que está me impedindo de viver totalmente por aquilo que quero viver.
"Tradicionalmente, o evangelho de João é chamado o “Evangelho dos Contemplativos”. O símbolo do Evangelista é a águia, a única criatura capaz de olhar diretamente para o sol sem precisar desviar o rosto ou ficar obcecada por seu esplendor excessivo. Foi este Evangelho que, mais que qualquer outro livro, me trouxe para a Igreja Católica; foi por amor dele que escolhi o nome de João como meu nome batismal. Levei muitos anos antes de conseguir compreender como alguém poderia ter outro evangelho predileto a não ser o de João".
O amor é o nosso verdadeiro destino. Não encontramos o sentido da vida sozinhos, e sim com outro.