Taciana Valença
Ausente do mundo
O mundo gira em torno de ti,
cansa, pára, senta ao teu lado.
Olha, língua pra fora,
espera, balança o rabo.
Volta a girar, de longe te olha,
não vês, não sentes, ele implora.
O mundo gira em torno de ti,
e enfim percebe, não estais aqui.
Fotografia
Ah, esse riso tão lindo, tão teu,
que arrebenta a alma, envolve,
sem cerimônia, abraça, acalma.
Assim mais leve me deixa, devolve.
Ah, essa voz, sempre firme, certeira,
que se confia, fazendo sentido,
ditas em tom sério ou brincadeira,
a embrenhar-se pelos ouvidos.
Assim tu és, um querido amuleto,
de sentimentos justos e humanos
e coração que mal cabe no peito,
grande alívio aos meus desenganos.
Uma palavra pelo mundo
Caminhamos por caminhos confusos, incertos, amedrontadores. O mundo virou do avesso, jogou luz no que estava escondido, nos fez ver a face real, o submundo dos interesses mundiais e, paralelamente, das pessoas.
E quanto mais mergulho, mas me espanto com o forjar das falsas informações. A guerra informação x desinformação.Mas a ideia é essa, confundir a todos para que fiquem bem tontos e tão tontos que passem a agredir uns aos outros.
Verdadeiros combates e ataques que continuam, dia após dia, e não sabemos onde nem quando isso vai parar.
É uma luz forte, pode causar tontura, pois são muitas as informações ao mesmo tempo.
Os ânimos se exaltaram, a sujeira subiu, a pandemia trouxe para nós a clara face dos nossos medos, fragilidades e limites.
Aliado a isso, o lado cruel, primitivo e egoísta do poder, que desconhece a palavra empatia e humanidade.
Falar em amor é banal, porque banalizaram a palavra. Mas eis que ela traduz a salvação do ser humano por aqui. Mas como eu disse, amor virou apenas uma palavra mais ou menos fofa que as pessoas usam muitas vezes para enganar as outras. Na há respeito pelo que sai das próprias bocas.
Haveremos de passar por problemas seríssimos, mas talvez necessários para uma grande transformação. E me pergunto: ou não? Quem está pronto e disposto a reparar os próprios erros e reconhecer os próprios limites?
Até que ponto o ser humano quer mesmo mudar? Até que ponto ele quer parar para entender pelo menos o que se passa ao seu redor?
Por certo o amor é única opção. O amor é a ÚNICA religião.
O amor é humilde, despretensioso, grandioso demais e por isso mesmo só grandes doses de amor por nós, pelo próximo e pelo mundo poderá mudar a nossa essência cega, surda e cruelmente muda.
Na beirada encantada,
a lua se fez prata,
o sol seguiu a estrada,
na doce vida pacata.
Taciana Valença
Tenho um caso com acaso,
que por acaso me segue,
nas profundezas do raso,
cajado que me carregue.
Taciana Valença
Inda ontem me falaste das traças a roer as calças guardadas pela falta de ocasião. Pensei na traça da vida mastigando os dias que vivemos em vão.
Poiésis
Deitam-se as letras
bem antes de mim.
Em algazarra
sobre o travesseiro,
em risos cetim.
Falam coisas bem ligeiro,
parecendo mensageiro,
mas que chega
aos meus ouvidos
neste secreto festim.
Isso não se faz,
eita que é madrugada,
e é como subir bêbada
por uma bamba escada.
Inda arrumo um senão,
um vestígio de uma quase
explosão, que implodiu.
Aí danou-se, o tempo fechou-se,
a lua acendeu, a janela se abriu.
E a Coca-Cola lerda,
na porta da geladeira,
pronta p’ruma gafieira
quando o sono se despediu.
Quando vieres a aplaudir
talvez o palco esteja vazio
e o monólogo recolhido,
agora exausto e silencioso,
na solitária coxia da vida.
Incognitando
Morrem-se tantos aos poucos,
dentro d’um mundo intuiado
de gente, gente que morre
em silenciosa e mísera solidão,
disfarçada de risos vestes.
E se uns comem,
muitos fomem
até morrer,
sem direito às sobras
do muito que sobra
do teu comer.
Tênue é a linha,
que nos separa
do outro lado.
Como dizem, um sopro;
e o mundo acabado.
E do jeito que entenderes
está bom, para mim já deu,
já não espero tanto
dos entretantos
que a vida prometeu.
Estou farta de regras
e lógicas ilógicas,
das cópias tantas
dos marchantes a esmo.
E no meio dessa loucura
de um povo sem cura,
a debater-se em súplica,
continuo sob a incógnita esma
de ser assim, eu mesma.
Texto de 2013
MEDOS
Já não tenho medo do asfalto quente
ou do transeunte de olhar descontente.
Muito menos do remédio ruim
que nem é tão amargo assim,
como no dito Rei de Roma.
Já não tenho medo do escuro,
antes o que não vejo, pois não decepciona.
Já não tenho medo dos que me falam pelas costas,
não merecendo nem um olhar de soslaio.
Com as mãos apenas esfrego, como quem retira o pó,
pó preto e nojento da hipocrisia humana.
Já não tenho medo de fantasmas,
a bulir com a imaginação.
Se há o que temer, temo aos vivos,
ou temeria, se não fossem
zumbis ignorantes e deveras distraídos,
seguindo a mesma direção, atraídos por um cão,
o cão da Ilusão...
Não tenho medo mais do abismo,
do destino impreciso,
daquele por onde andei pelas beiradas
nas noites mal iluminadas,
a pensar nos confins, nos fins e desafins.
Pois o abismo
onde a vida dia desses se perdeu,
esse abismo sou eu!
Eu era apenas um verbo triste,
desses verbos tristes de ser,
largado no cais, olhos fixos no horizonte.
Eu era apenas um verbo triste,
na complacência de ser,
até que me veio você.
Manifesto
Há um manifesto preso,
não parido,
atingido sem munição,
submisso a uma ordem padrão,
com regras claras
de desumanidade
e escravidão.
Para todas nós, mulheres de luta!
Não há canto quando todo canto é canto. É difícil estar em todo lugar e mesmo assim fazer acontecer, tentar colocar as coisas em ordem mesmo quando se está tão desarrumada por dentro.
E às vezes, surpresa, ver uma lágrima escorrer, empurrada pelas emoções. Mas o tempo é curto quando se nasce mulher, então com as costas das mãos a gente tira a invasora e segue caminho, sabendo que há tanto a fazer e pensar todo santo dia.
Engolir o choro, esquecendo suas tristezas não é lá muito fácil, mas é humano e recompensador quando se é mulher. Só uma mulher sabe o que é estender a mão com amor mesmo quando sua fragilidade a quer derrubar.
Parecemos sempre correr contra o tempo, numa certeza absurda que somos agentes transformadores do mundo.
Ah! Se todas as mulheres soubessem a força que tem!
Seu peito é foice que abre caminhos na mata quando necessário, mas que explode em choro ao ver alguém sofrendo ou quando a carga parece demasiadamente pesada.
É capaz de chorar convulsivamente quando o tempo a deixa desabar, enfim, num canto qualquer, mas também de gargalhar feito criança por uma bobagem.
Sim, não é fácil ser mulher. Além de tudo, de todas as funções, há de ter fôlego extra para proteger seu canto numa sociedade machista, que parece não ter evoluído o suficiente durante toda a existência. Não, ela não entende, mas não se rende.
É capaz de arrumar a bagunça da casa e ficar linda em 5 minutos, assim como descer do salto, colocar uma roupa qualquer e sair por aí, respirar o mundo, jogar-se no mar ou apenas ficar quieta, num momento unicamente seu.
E que perdoem todas as pseudo loucuras que fazemos, todos os impulsos de emoção vindos do coração e todas as nossas explosões num implorar de se fazer entender, mas é que nossa luta é grande, nosso relógio é acelerado e nosso amor é muito.
Além do mais alguém nos disse antes de chegarmos aqui:
Não vai ser fácil, mas só não vale desistir!
Sim, e a gente comprou essa briga.
(Taciana Valença)
Por uma nova tela
Não hão de calar a voz,
cortar braços, olhos e mãos.
Nadarei contra maré lixo tóxico,
sobre pedras serei sola de borracha.
Insano algoz de incertas flechas.
Covarde!
Fogo sobre povo que ingênuo arde.
Maldade em homeopáticas doses;
tesoura em asas de babilardes.
Não, não hão de congelar meu sangue,
nem destruir nossos propósitos,
minha argúcia inda resiste sob o peso,
apesar dos dedos, apesar da gangue.
Liberdade há de acordar triunfante,
força da maré a ralé carregará,
dias inglórios vencidos serão,
tintas em nova tela surgirão.
Heroica poesia
Preso suplica o estro
por falsa alvorada,
pelo poder da palavra
já tão desautorizada.
Confrangido a depor
contra a subjetividade
que oprime e degrada
a humana (?) sensibilidade.
sofríveis relações,
frouxas e provisórias,
sólidas imperfeições
vidas sem memórias.
Mortas ideologias,
nenhuma alteridade,
acéfalo discurso
em pleno curso.
Mundo omisso,
descompromisso,
tecnologica(mente)
decadente.
Desesperada
em vã agonia
sonha contos de fada
a heroica poesia.