saramago
Quando se encontram vestígios humanos antigos, são sempre de homens, o Homem de Cro-Magnon, o Homem de Neanderthal, o Homem de Steinheim, o Homem de Swans combe, o Homem de Pequim, o Homem de Heidelberg, o Homem de Java, naquele tempo não havia mulheres, a Eva ainda não tinha sido criada, depois criada ficou, Você é irónica, Não, sou antropóloga de formação e feminista por irritação.
Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d´água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.
Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, Não serias quem és se não o soubesses já.
Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos
nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os
dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.
Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido,
e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte.
É preciso variar, se não tivermos cuidado a vida torna-se rapidamente previsível, monótona, uma seca.
Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível não voltarmos a pensar mais no assunto.
O tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar.
A vida é uma aprendizagem diária. Afasto-me do caos e sigo um simples pensamento: Quanto mais simples, melhor!
...se antes de cada acto nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar.
Não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo; são duas escuridões separadas por uma pele, aposto que nunca tinhas pensado nisto. Transportas todo o tempo de um lado para outro uma escuridão, e isso não te assusta...
A cabeça dos seres humanos nem sempre está completamente de acordo com o mundo em que vivem, há pessoas que tem dificuldade em ajustar-se à realidade dos factos, no fundo não passam de espíritos débeis e confusos que usam as palavras, às vezes habilmente, para justificar a sua covardia.
Dentro ou fora de mim, todos os dias acontece algo que me surpreende, (...) desde a possibilidade do impossível a todos os sonhos e ilusões.
Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos.
Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.