Sandra Boveto
Leve, levito
e levo comigo cada poeira do que passou.
Lívida estou.
O que restou da poeira menos algo que fui é o que sou:
Poeira que pensou
não ser poeira.
Fazes a cada fase frases diferentes,
pois difere em ti tudo o que sentes.
Senta-te aqui e ouvirei o novo,
novamente.
Vontade de não saber quem sou...
ou de não ter vontade de saber.
Vontade de não ter vontade,
pois, saber mesmo, ninguém sabe
de nada.
Não lido bem com um único ângulo.
Essa gula de ângulos me afasta de vértices.
Graus me confundem, quero a circunferência inteira.
Fui herói quando calei
dores, revoltas e aflições.
Herói eu fui quando gritei
a vida fora dos padrões.
Vejo o escuro.
Somente o escuro realmente enxergo,
sem ruídos multicoloridos.
Ouço o silêncio.
Somente o silêncio posso ouvir,
sem ruir em ruídos.
Foi um marcador de muitos textos que eu não havia lido.
A cor do marcador? Não importa.
A vida do marcador é marcada por marcar, seja lá qual for a cor.
O que importa é que marcava, era marcante, e marcou!
Todos os textos seriam lidos agora com esse marca-dor.
Sou um constante antes,
antes que me percebas
e sejas meu presente
que, enquanto embrulhado,
é futuro permanente.
Espero, pois quero.
Não quero esperar, portanto!
Por tanto espero, que o que eu quero não mais espero.
Fui logo ali e voltei. Eu sei, não avisei.
Mas não vou chorar sobre esse leite que derramei.
Limpá-lo-ei!
Nunca diga nunca, porque o sempre não existe,
pois nada é absoluto.
Se nada é absoluto, o nada mesmo não existe.
Então algo é absoluto.
Se algo é absoluto, nem tudo é relativo
Mas o tudo também não existe, pois é absoluto
Seria o tudo, então, o algo absoluto?
Tanto penso, que quase não existo.
Na existência do meu pensamento
está a essência da minha inexistência.
Então não penso,
para pensar que existo.
Pensando que não penso,
pretendo existir além de todo o pensamento.
Ao Poeta
Poeta, eu te suponho santo,
pois se hoje há verso, já houve pranto.
Do pranto que dá medida à alegria
pariu-se o verso da tua poesia.
Santo, eu te suponho poeta,
pois sua dor não é mais secreta.
Mesmo os versos de contemplação
foram embriões na dor e na paixão.
META: METAMORFOSE
Isso ainda me mata...
A vida!
Hei de morrer disso.
Quero que a vida me mate,
para permanecer viva.
Que me desmantele,
que me dilacere e
que me desintegre.
Depois me reconstrua,
pois a vida continua.
Serei o fruto da boa morte,
em vida,
até que isso me mate...
outra vez,
e até que me mate...
de uma vez.