Ricardo Maria Louro
80 Anos de uma Vida bem vivida -
Oitenta anos de uma vida bem-vivida,
Com instantes de tristeza outros de alegria
Muitas vezes planeada nem sempre apetecida
Mas vivida intensamente, dia a dia!
Oitenta anos de uma vida bem vivida
De um destino construído, inventado,
Tantas vezes suportado em despedida
Ora rindo ora choranso sobre o passado!
Oitenta anos de uma vida bem vivida
Onde as feridas já não tem um lugar
Onde a verdade é esperança conseguida
Com uma imensa vontade de sonhar!
E passa a vida! Tudo passa sem passar ...
Para a Alma não há tempo nem corrida
O que importa é não deixar nunca de amar
É o segredo de uma vida bem vivida!
(Poema dedicado aos 80 anos da Avó Materna do Poeta ( Avó Clarisse)
Às Dores de minha mãe -
Eu que não era
vim de onde não sei
e foi em breve Primavera
que em teu ventre me gerei.
Mãe! Eu nasci das dores de minha mãe!
Oh minha mãe! Foi em teu ventre,
foi no ventre de minha mãe ...
Poderei algum dia esquece-lo?!
Deverei juntar minhas mãos
e algum dia agradece-lo?!
Serão apenas momentos vãos,
palavra alguma poderá agradecer
ao ventre de minha mãe.
Oh minha mãe! Foi em teu ventre,
foi no ventre de minha mãe...
Mãe minha, minha mãe ...
Em ti me fiz poeta
em águas-de-solidão
e masceu minh'Alma insurrecta
do teu sanguíneo coração.
Mãe, minha mãe! Foi em teu ventre,
foi no ventre de mimha mãe.
Naquela Campa -
Há um poema cansado
Nas rimas do meu sofrer
Mais um momento marcado
Pela vontade de morrer.
Há um silêncio que agito
No fundo dos meus sentidos
E o meu poema é um grito
São meus sonhos perdidos.
E o que ficou do que fomos
Está preso ao fado, à poesia
P'ra mim seremos e somos
Aquele amor que eu sentia.
Aquelas horas tão nossas
Só eu as guardo no peito
Talvez também 'inda possas,
Lembra-las tu ao teu jeito.
Naquela campa tão fria
Deixo uma rosa e um beijo
Que a Musa desta poesia
Fica virada p'ro Tejo.
(Poema escrito pelo Poeta junto ao túmulo da sua sua Inspiração, Celeste Rodrigues, no Cemitério dos Prazeres em Lisboa, no talhão dos artistas, virado para o Tejo)
Linda Leonardo -
Minha vida fez-se grito
Cheia de curvas de saudade
E num pranto entristecido
Atravessou a minha idade.
Veio de longe a solidão
deixando a vida por viver
E num momento sem razão
me dei ao fado sem saber.
E vai chorando o coração
Num anseio sem ter calma
E eu cantando desde então
Tantas penas da minh'alma.
Tanta vida por viver
Tanto fado por cantar
Tantos versos por escrever
E eu sofrendo por te amar.
(Versos que o poeta dedica à amiga e fadista Linda Leonardo)
Esse amor que trouxe o vento -
Esse amor que trouxe o vento
Mais veloz que o pensamento
Trouxe rosas ao meu leito
E num mar de água salgada
Fez nascer a madrugada
Como um sopro no meu peito!
Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer no firmamento
Uma estrela ilumimada
E aqueles sonhos que sonhei
Aquele amor que desejei
Fez-me andar por outra estrada!
Esse amor que trouxe o vento
É mais forte que o lamento
Que a saudade ou a tristeza
E ái daqueles que o não sentem
Na verdade é porque mentem
E só vivem na incerteza!
Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer um sentimento
Que nos veste o coração;
Disse adeus à amargura
E não sei se foi loucura
Disse adeus à solidão!
Como estou triste -
Como estou triste na indiferença deste amor,
Na alegria desta dor que me fez por ti sofrer,
Na lonjura das Marés, num turpor
Tão imenso que me faz anoitecer ...
Como estou triste por não ver o teu olhar
A passear-se no silêncio das manhãs,
Por não saber se algum dia irás voltar
Ou por sentir que a minha esperança é coisa vã.
Como estou triste, ó Deus, como estou triste,
Por tudo o que vivi, por tudo a que me dei ...
E porque teimas coração, porque insistes
Que continue a passar por aquilo que passei?!
Como estou triste p'la aurora que não chega,
P'la noite que não finda, por este mar
Que nos separa , p'lo amor que não sobeja ...
Como estou triste por não saber se irás chegar!
Inveja -
Eu não sou nada
Eu não tenho nada
Eu não atingi sitio nenhum,
Então, como é possivel
Que os outros sempre
Tivessem desejado o meu lugar?!
Deus, o deserto e a esperança -
Há momentos de solidão na vida que vivemos,
Horas tristes, tristes horas onde nada nos é dado
Que até parece que do amor nada sabemos
Como nada saberemos da cor do nosso fado!
São desertos dolorosos que atravessamos
Que as vezes nos são tão dificeis de passar!
E onde estão aqueles em quem confiamos?!
Todos nos abandonam, à deriva a penar ...
O que nos resta é dor, cansaço e solidão ...
Virar p'ra Deus nossos olhos cheios de nada
Porque de nada está cheio o nosso coração
Num percurso solitário pela estrada.
Mas quando tudo está perdido vem a luz
Renasce em cada um uma nova confiança
Entrega-te nos braços divinos de Jesus
E vive esse Deus, o deserto e a esperança!
Hoje sinto-me abraçado por Deus -
Hoje sinto-me abraçado por Deus
Sem recriminações nem vazios
Para além de tudo, de tantos véus,
Leve, aberto, esférico como um rio.
Hoje sinto-me abraçado por Deus
Que nem tenho vontade de falar
Tão perto de tudo quanto é Seu
Onde a vida só é vida se a gente amar.
Hoje sinto-me abraçado por Deus!
P'la sua Mãe e p'los seus Santos ...
Tão leve que sinto que este corpo não é meu
E até voo solenemente nas asas d'um Anjo.
Hoje Deus abraçou-me mais uma vez!
E se nada me pertence, nada é meu,
E se, no fundo, até foi Ele quem me fez,
Eu dou-lhe a minha vida, eu sou Seu ...
Sou o que sou -
Sou o que sou
por não poder ser mais!
Desprendo-me da vida,
desprendo-me do Mundo,
não sei aonde vou ...
Talvez soubera e não fosse!
E não sabendo irei?! ...
Parado não estou.
O que faço não sei.
Tristezas que a vida trouxe ...
E o destino passou ...
A vida é tão estranha ...
Há um fosso à nossa volta ...
E como uma teia de aranha
eu sou o que sou!
Passaste por aqui -
Passaste por aqui! Sei que passaste ...
Pelo aroma que ficou espalhado pela rua ...
As casas, os caminhos, as pedras que pisaste,
tudo mais intenso, transparente, à luz da lua.
Eras tu! Por certo que eras tu!
O amor das madrugadas por viver,
com aquele olhar que, por instantes, me deixava nú,
sem respirar, sem que eu consseguisse perceber.
Até as Primaveras acabadas de chegar reclinavam
ante o paladar da tua boca
e as flores, ao vento, até bailavam ...
Bailavam os olivais das pradarias,
as brisas eram feitas da voz roca
de um só vento, e tu, meu amor, a cada gesto renascias!
Entre a noite e a madrugada -
Entre a noite e a madrugada
Foste embora como um louco
Eu segui por outra estrada
E despedi-me do teu corpo.
Disse adeus à nossa história
Toda feita de jasmim
Hei-de tê-la na memória
Num compasso que há em mim.
Há em mim tanta saudade
Do que fomos um p'ro outro
Na madrugada da cidade
Despedi-me do teu corpo.
Vesti dias de saudade
Vesti noites sem passado
No silêncio e na verdade
Minha vida é cor do fado.
Guardo em mim aquele olhar
A nossa vida já passada
E p'ra sempre hei-de cantar
Entre a noite e a madrugada.
Foi assim que nasceu -
Tão estranho sentir o que sinto desde quando te vi
Mas o amor sempre chega quando a gente não espera
Talvez seja a vontade de amar que um dia perdi
Quem sabe se és tu o luar da minha quimera
Foi assim que nasceu este amor que eu sinto por ti!
E Vi nos teus olhos o destino que tanto pedi
E tu nos meus olhos o amor que tanto esperaste
Nem mar, nem silêncio, nem vendavais que vivi
Não voltarei a chorar porque tu já chegaste
Foi assim que nasceu este amor que eu sinto por ti!
O Porquê -
O Porquê daquela angústia
Tão pesada, tão sofrida
Tão lenta, tão calada?!
O Porquê daquela dúvida
Hora amarga de nós dois
Sem futuro nem abraço?!
O Porquê desse silêncio
Cheio de noite, de saudade
Sem dias nem esperança?!
O Porquê da tua ausência
Minha rosa, meu jardim
Meu poema inacabado?!
E o porquê de eu estar assim?!
Alguém sabe?! Alguém me diz
Porque dói tanto este porquê?!
Não procures a solidão -
Não procures a solidão
Sem saber d'onde ela vem
Deixa-a ficar pela estrada
Solidão é dor errada
No peito de quem a tem.
Não procures a solidão
Que ela vai atrás de ti
Solidão é dor sem nada
Traz a vida tão cansada
A solidão não é daqui.
Não procures a solidão
Na saudade ou no amor
Na tristeza ou na loucura
A solidão é dor sem cura
Travo amargo sem sabor.
Não procures a solidão
Como alguém que não tem fé
A solidão é dor parada
É palavra mal-amada
Vive a vida como ela é.
Vento sem Destino -
Passaste na minha vida
Num passar de despedida
Fiquei só no meu caminho
E o silêncio que deixaste
Foi a prova que passaste
Como um vento sem destino.
E o sono não chegou
Tudo em mim por ti passou
À luz d'uma lanterna
E as manhãs não acordaram
As noites não passaram
A Madrugada foi eterna.
E foi eterna a tua ausência
Uma dor em permanência
Que o silêncio não calou,
As estrelas não chegaram
Os sonhos não passaram
E eu nem sei por onde vou.
Mas se um dia o firmamento
Me trouxer por um momento
O teu olhar que sabe a fado,
Hei-de florir em verde esperança
Como um sonho de criança
A cair no teu regaço.
Até Depois -
Não partas, meu amor, que eu fico num tormento
Sou pedra de silêncio, sozinha no caminho
Sou chuva que se alteia ao sabor do vento
Um pobre sem saber qual é o seu destino.
Um cálice, um lamento, gemer de solidão
São horas que te espero, são horas que não chegas
A raiva que me aperta, que esmaga o coração
São flores, meu amor, que a vida leva secas.
Trago na voz solidão, o ser na vida um triste
O grito d'uma noite, teu corpo que não chega
E a ânsia que me escorre, que dói e que persiste
Minha taça, meu veneno, de loucura e d'incerteza.
Nao sei porque te espero, se quero ou não te quero
A vida é uma roda, tudo volta ao que já foi
Eu amo o teu olhar, mentiras não tolero
Adeus, digo-te adeus, adeus e até depois.
Disse Adeus -
Disse adeus, vi-te passar
Disse adeus ao teu olhar
Disse adeus, talvez p'ra sempre,
Nosso amor é como o vento
Um olhar, um pensamento
Que nasceu dentro da gente!
Dá-me um cravo de saudade
Uma rosa sem vaidade
Dá-me a mais bonita flor,
Que eu em troca dou-te o mundo
Um olhar triste e profundo
Dou-te um lirio, meu amor!
Já não quero a solidão
Esta agonia sem razão
Já não quero chorar tanto,
Muito sofre quem não ama
Mas quem ama é dor tamanha
Amargura, dor e pranto!
Muitas Vidas -
A minha vida é uma vida
igual à das outras pessoas!
Uma vida com tantas vidas
pelo meio ...
Nossa Senhora da Saúde de Évora -
Há festa em Santo Antão
Festa antiga, com virtude,
Sai à rua a procissão
Da Senhora da Saúde.
Senhora das mãos benditas
Senhora d'olhar profundo
Dá paz às Almas aflitas
E a quem padece pelo mundo.
Neste fado Virgem Santa
Trago a Ti esta oração
Nosso olhar nem se levanta
Vai aos tombos pelo chão.
Horas tristes que passaram
Tanta vida mal vivida
Nossos olhos enchugaram,
No Teu manto, Virgem Maria.
Aos Teus pés meu coração
Muito canta com virtude ...
É dia da procissão
Da Senhora da Saúde.
Observa sempre em silêncio o que te
rodeia, mas fá-lo com um sorriso nos lábios, facilmente saberás quem é quem e o que é o quê! Depois ri-te! Porque quem ri por último, diz o povo e muito bem, ri sempre melhor ...
Amar sem Medo da Idade -
A manhã está suja de saudade!
E há lá coisa mais bonita
Do que amar sem medo da idade,
Viver, conforme o vento agita?! ...
Pois conforme o vento agita
Também se agita a saudade
E há lá coisa mais bonita
Do que amar sem medo da idade?!
A vida é feita de ansiedades,
Tantas vezes, de sonhos por cumprir,
Mesmo assim, nas dificuldades,
Ela ensina a nunca desistir.
Não importa de onde vimos
Nem tampouco com quem estamos
Só importa o que sentimos
E o lugar onde chegamos.
As Estrelas -
As estrelas que brilham nos céus
São olhos de quem grita bem fundo
São botões no Manto de Deus
Que paira sobre as dores do mundo.
E é triste o vazio sem destino
Que veste o silêncio dos homens
Tão longa é a noite, o caminho,
Que lhes veste a vida de nuvens.
Tempestades, agruras, lamentos
Mil horas de silêncio e solidão
Tanta gente vivendo contra o tempo
Dia-a-dia matando o coração.
E é mentira quem diz que nos ama
Porque a vida é feita de réus
Mas há sempre uma voz que nos chama
Para pormos os olhos nos Céus.
Eu sonho, eu quero, eu desejo -
Eu sonho tanto em amar-te no alegre despertar das horas
Na melancolia dos dias fugidios
Como um pássaro que voa sem demoras
Ou como a água que se entrega, plena, aos rios ...
Eu quero tanto amar-te no triste adormecer dos dias
À sombra da quietude feita de solidões
Como folhas secas ao sabor das ventanias
Ou como aqueles que já não sentem os corações.
Eu desejo tanto amar-te, só por amar,
A cada hora, a cada dia, a cada instante
Como a terra que só existe para nos amparar
Ou como a chuva que persiste em ser constante.
Eu sonho tanto em amar-te!
Toma-me ó Vida -
Toma-me ó vida
em teu regaço extenso
em teu seio Sagrado e
oculto
num gesto longo e
profundo!
Deus!
Vida implantada no meu
Rio
espiral de brilho e memória
onde a morte desvanece!
És sopro, tempo, alento,
vento ...
(Poema para Maria Flávia de Monsaraz)