Ricardo Maria Louro
Ainda antes de nascer
Cada um de nós
E o seu percurso
Já estava presente
Na Mente de Deus.
Maktub, estava escrito!
Certa vez perguntaram-me porque não falava dos meus versos.
Respondi:
- Porque para mim fazer poesia é como respirar! E como da respiração ninguém fala mas todos respiram, também faço poesia sem falar nela!
Alguém me perguntou:
... e você não têm medo da escuridão?!
Respondi:
Não porque os meandros da minha solidão são mais densos que a própria escuridão!
Pensa se o teu cansaço é mais forte que o desejo de vencer! Avança! Passa por cima! Caminha! Importa onde queres chegar e não o que fica para traz. O que não mata dá força!
Bem - aventurados aqueles que, tendo medo, vão em frente, porque deles será, a coragem, a vontade é a força de viver!
Alguém disse sobre mim:
" - RIcardo, tu nasceste depois do teu tempo! És de uma época passada e caíste aqui , neste mundo, onde ninguém te entende ...
A propósito de estar todo vestido de preto nas cerimónias religiosas da Sexta-feira da Paixão, alguém me disse:
" - Ricardo, realmente, a Morte, cai-lhe muito bem!
Porque choras coração
Porque cantas a chorar
Que retalhos de solidão
Andas tu a namorar?!
Porque teimas incerteza
Em aninhar-te no meu peito
Tu semeias a tristeza
Ao teu gosto e ao teu jeito.
Porque escorres solidão
Pela vida num olhar
Tu queres ter uma afeição
É só cantas a chorar.
Não insistas coração
Em bater tão magoado
Que afinal a solidão
É mais um verso do meu fado.
"Porque choras coração"
IN FADO
Se a ideia da morte vir ao nosso encontro nos enche de terror, então, tratemos nós, calmamente de ir ao encontro dela!
Senhor,
Aceita-me como sou!
Com esta sede de amor
Que me consome o viver
Que me tira o fulgor
E antecipa o morrer ...
Aceita o vidro partido
De que é feito o meu coração
A alma entornada
Sem casa nem chão
Cheia de noite, vazio e nada ...
Aceita os versos que te canto
Que no caminho te dou
Os que ponho no pranto
Por não ver o eterno
No transitório que sou ...
O QUE SOBRA?!
Vou dormir no teu silêncio
Vou morrer na minha cama
Adeus amor, estou cansado
Muito padece quem ama.
E desce a noite lentamente
Em mim desce um estranho medo
Desce a Lua sobre o mar
Quero contar-te um segredo.
Meu coração está parado
Nem de mim te despediste
E os meus olhos magoados
Desde a hora em que partiste.
E a saudade é um vendaval
É um barco em alto mar
Que se afunda em Solidão
Na solidão do teu olhar.
Muito doem os meus lábios
Na ausência dos teus beijos
E mordo flores, mordo rosas
No calor dos teus desejos.
Vou pra lá deste sofrer
Destas noites sem dormir
Meu amor o quanto dói
Saber que finges não sentir.
Já gastámos nossos sonhos
Até a voz de quem nos chama
E o que sobra meu amor?!
Só morrer na minha cama ...
Não sou feliz!
Nunca fui feliz!
À parte isso,
Antes de ser o que sou
Sei que tudo fiz
P'ra encontrar o amor ...
E a vida passou
Foi andando
Não esperou ...
As rosas que me deram
As flores que plantei,
Tudo, sem excepção, secou!
Minha vida foi embora
Minha esperança morreu
Meu coração parou ...
- TRISTES BADALADAS -
(Aos sinos da Velha igreja de
Santo Antão em Évora)
Batem Tristes, magoadas
Madrugadas, badaladas
Na igreja de Santo Antão
E a minh'Alma nesta Praça
Não se cansa e abraça
Cada instante de solidão!
Há um pedinte que passa
De olhar triste, sem graça
E soa o sino no torreão
Ai que triste Madrugada
Junto às velhas badaladas
Da igreja de Santo Antão!
Tudo passa, tudo sofre
E até daquele pobre
Que se arrasta pelo chão
Sinto passos e tormentos
Que me vem dos lamentos
Dos sinos de Santo Antão!
E oiço uma badalada
Oiço duas badaladas ...
Morri! Parou meu coração!
Batem tristes, magoadas
Madrugadas, badaladas
Na igreja de Santo Antão!
Na vida de cada um de nós
Ainda há muito por viver,
'Inda há muito por sentir,
Tanto por amar,
Mais ainda por escrever!
Tantas e tantas vezes
Que caminho de mão dada
Com o desejo de morrer ...
Quem dera nao sentir deste jeito!
DIREI À MINHA LINHAGEM:
Jamais aceitem ruas, praças
Ou avenidas com meu nome.
Não queiram bustos e estátuas
Em jardins ou mesas de café.
Fujam de homenagens e medalhas
de metal. Tudo é vão!...
Em vida nunca me quiseram!
Depois de morto sou eu quem
Os não quer! E se assim não for,
Será apenas o meu nome
Ou o meu rosto que usarão ...
O Poeta não estará nessa mentira!
... as vozes calaram - já posso adormecer!
A noite é longa e a dor é vil.
Estou exausto mas completo.
Em breve ... o dia chegará.
Adeus ... eu vou com as aves ...
- VERDADES CRUÉIS -
Em noites tristes, caladas
Quando a vida parece morta,
Há silêncios pela estrada
E ninguém bate à nossa porta!
Em dias floridos, com vento,
Passam flores a cismar,
Passa a vida, passa o tempo
E até cansamos de esperar!
E tudo passa sem parar
E passamos nós também
Passa a vida devagar
Neste eterno vai e vem!
Évora - Portas de Moura.
Há uma fonte ondulada
Entre portas na cidade
Uma janela trabalhada
E um mirante de saudade!
No mirante dessa casa
Ou na fonte engalanada
Uma só cousa nos abraça
Outra Era já passada!
Lá de fronte, essa Janela,
Traz Garcia de Rezende
Um Poeta, uma Estrela
Diz a voz de toda a gente!
Mas na casa Cordovil
Antepassados 'inda moram
Cavaleiros de Perfil
Qu'inda rezam, 'inda choram!
E a saudade é tão discreta
Nos olhares de quem passa
Que só o punho d'um Poeta
Nos dá corpo e nos abraça!