Ray Motta
É que eu gosto dele. Assim, com todas as letras. Com todos os significados. Gosto não só de sua presença, mas também das sensações e sentimentos que ele me faz transbordar. Gosto de suas manias que de pouco a pouco descubro e guardo comigo.Gosto do jeito como me olha e como me deixa sem graça, sem fala, sem fôlego. Gosto do seu abraço, dos nossos corações lado a lado , sentir o descompasso de suas batidas. Gosto do cheiro dele e de quando ele fica comigo após um longo abraço. Seus braços. Nossos laços. Gosto do sorriso dele, desde o formato à maneira como me encanta e me ganha. Gosto do menino e do homem que ele é. Gosto dele. Sim, dele. Assim, com todas as letras. Assim, com todos os significados.
Preocupava-se demais com tudo e todos. Era sim, toda exagerada. Menina louca, essa. Deixava de fazer suas coisas, mesmo que importantes, para ajudar alguém que estivesse precisando dela. Sempre foi de se doar , sabe? Sem esperar muito em troca, sem criar expectativas em vão. Só queria sentir-se útil, ajudando quem pudesse e como pudesse. Deixava-se de lado, não ligava. Os outros eram mais importantes. Os problemas dos outros primeiro. Por essa mania, sempre sofreu em dobro, em triplo. Mal conseguia carregar seus problemas e ainda abraçava os dos outros…louca! Mas o que queria mesmo era tirar as dores dos outros, amenizar o choro de quem vivia em pranto ou até mesmo resolver questões que não eram suas. Queria ver todos aqueles que ela tanto estimava felizes, por isso queria resolver tudo. Mas não dava, eram coisas demais. Um amontoado sobre ela, e coitadinha, tão pequenininha! A partir daí afastou-se de alguns problemas. Deixou algumas pessoas com os seus, pois viu que de tanto cuidar dos outros, seu coração havia tornado-se um vidro quebrado, todo cheio de cacos. Precisou desgrudar dos outros, para cuidar dela. Viu que no fim, de tanto cuidar dos outros, quem merecia cuidados era ela. Não abandonou ninguém, claro que não. Só não deixa mais de cuidar dela primeiro, para depois ter condições de cuidar de alguém.
Vai menina, abra suas asas. Voa, que a vida te espera. Por que deixa tão belas asas encolhidas e fica no seu cantinho assistindo os outros voarem? Voa, porque tem espaço. E você só conquista o seu se não tiver medo de voar. Abra suas asas, tire os pés do chão , vá. Não tenha medo. Apenas voe. Apenas não deixe de voar.
Um carinho, um afago seu. Seu cheiro deixado em minha roupa depois de um longo abraço e minutos de silêncio entre nós. O seu olhar de encontro ao meu, o seu sorriso que, instantaneamente faz com que o meu se abra. Sua fala, vagarosa ou por vezes agitada, cheia de energia. Seu modo como conclui os pensamentos, seus pontos finais e vírgulas. O modo como ri de alguma piada minha sem graça ou quando se atrapalha com suas próprias piadas que também são sem graça alguma. Mas que acabam nos fazendo rir por esse motivo. As nossas risadas bobas largadas por aí, os momentos que vão virando lembranças boas, lembranças do que somos nós dois. Você e seu jeito tão único, singular, quando chegou me fez plural, me acrescentou. E cada detalhezinho seu é grande, é valioso aos olhos de um coração bobo como o meu, que analisa e detecta qualquer sinal de adversidade ou sabe quando tudo com você realmente está bem. Esse meu jeito investigativo e misterioso me faz assim, tão detalhista. É que tudo de você me encanta, tudo de você pra mim também é meu. É que você faz parte de mim. É que você está em minha vida, não por um simples acaso, por destino. É porque há sentimento, é porque há algo bem maior que todas as coisas materiais , algo que poucos entendem hoje em dia. Há algo bem maior que nos une.
Ela olhava para a xícara de café pousada sobre a mesa e ficava ali, refletindo. Olhava a fumacinha subindo, subindo e sumindo. A fumaça ia, e ela apenas pensava. Seu olhar, apesar de fixo na fumaça, estava longe, assim como tudo o que pensava. Tantas coisas, tanta vida! Coração gritando, consciência sussurrando, estava toda enrolada. Ela sabia que sua vida, assim como a fumacinha do café, estava sumindo. O café estava esfriando, já sua vida havia esfriado há muito… Por fim, pegou a xícara com cuidado, levou aos lábios e tomou um gole do café. Estava frio. Já não fumaçava. Mas quem disse que se importou? A vida dela não estava diferente. Tomou o café, mesmo frio, pousou novamente a xícara na mesa e observou: vazia. Ela abriu um sorriso manso, balançou a cabeça numa negação boba. Quantas coincidências via numa mera xícara de café.
Suspirava. Pensava na vida. Revia os fatos. E quanto mais continuava nesse ciclo, mais via o quanto tudo estava fora do lugar. O cenário ali dentro era como um de pós-guerra, de tão destruído, deserto, morto. Tinha muita coisa pra organizar. Mas qual seria o ponto de partida? Era tanta coisa ali precisando de mudança, precisando de atitude, e nada dela levantar. Ficava ali, fitando o horizonte vazio, o chão frio, a brisa gelada arrepiando seu corpo. Ficava ali, vendo tudo fora do lugar, sem coragem, sem vontade de organizar. Ela precisava de algo. Só não sabia o que ao certo seria. E assim passavam-se os minutos, as horas, os dias : suspirando, pensando na vida ,revendo os fatos, observando sua bagunça interior.
A sacolinha de plástico
Estava na sala de aula. Primeira fileira, primeira mesa, primeira cadeira. À minha frente o computador, esperando meus comandos. Professor andando atordoado para todos os lados, resolvendo problemas. Ao meu lado, uma parede. Porém, cheia de janelas de vidro. A parede era quase toda tomada por essas janelas. A visão dali era privilegiada : é possível, dali, ver o céu e suas diferentes tonalidades de cor, a grama, as árvores, as escolas, os apartamentos. A vida urbana misturada à natureza. Por ora passavam aviões rumo ao aeroporto, suponho ,pois o mesmo fica naquele rumo. Numa dessas minhas costumeiras olhadelas, percebi um pontinho branco a voar pelo céu. Seria um pássaro? Possivelmente. Olhei melhor. Estava lento demais para ser um pássaro. Era , na verdade, uma sacolinha de plástico que, despreocupada, flutuava pelo céu azul , sendo banhada pelos raios de sol. Flutuava. O vento a carregava devagar, fazendo-a dançar pelo ar. Parecia um pássaro, sem asas. E quem disse que é preciso ter asas para voar? A sacolinha estava ali, para mostrar. Estava ali, flutuando livre. Voando livre. Sabe-se lá para onde o vento a levaria. Provavelmente continuaria a passear pela cidade, quase tocando os arranha-céus , observando lá de cima os carros, as pessoas, avenidas. Observando a vida. Sei que ela continuaria ali, assim, viajando sem rumo. E talvez seja esse mesmo o rumo daquela sacolinha de plástico.
Passamos lado a lado. Olhamos para direções diferentes, como se ambos quisessem fugir de um provável “Oi, lembra de mim?”. Ah, que nada. Quem seria o ousado a dizer isso, com receio de receber um “Não” logo de cara? Nenhum de nós - refleti comigo. Mas a vontade que eu tinha era de parar por alguns minutos ali e falar da vida, de como andam as coisas , do quanto tudo mudou, do quanto mudamos. Falar da saudade que me visita sempre ao relembrar momentos hoje de um passado distante. E relembrar das nossas risadas, dos momentos, das piadas, dos lugares que estivemos. Era vontade, era saudade, nostalgia. E silêncio. Entre nós, o que habitou foi o silêncio. Nada de abraço caloroso, de “Quanto tempo!” ou algo assim. O que nos demos foi um rosto para o lado, um rosto para o outro, seguindo em nossas diferentes direções sem dizer nada. E sabe-se lá quando a vida nos dará outra oportunidade como essa, de nos reencontrarmos por aí, nesses dias corriqueiros de hoje. Sabe-se lá quando e até quando continuaremos assim, como aparentes desconhecidos.