Raniere Gonçalves
Sinto minha mente se esvaindo.
Escolho lembranças a serem deletadas.
Aquelas amareladas irão primeiro.
Preservo a todo custo
você.
Bugintrecos espalhados sobre a mesa.
Papéis amarelados pelo tédio.
Lampejos.
Olho para trás e vejo
a gata preta espreguiçar espíritos.
Dor..
Deitado em berço esplêndido.
Eternamente
digerindo problemas alheios.
Negros neurônios na gosma fluida.
Lentas sinapses.
Saudades de quando vivia solitário
e melancólico pelas vinhetas de São Paulo.
Saudades de um certo amor cujo cheiro
nunca desgrudou de mim..
Día de los muertos..
Penso no cemitério da vida.
E nas lembranças mais
e mais amareladas.
Homenagens aos idos,
saudades!
Brislar, brislar.
Pisco-e-durmo-e-pisco.
Roromingor voist. Redemptoris...
BBarbosa trocou a msk
e 1 besouro me sobrevoa.
Sou um bobo.
Me esqueço que o meu desejo é tão velho
quanto eu, que minha princesa
está toda enrugada.
Sorrisos que não cabem no tempo.
Pena!
Tanta saliva escorrida inutilmente.
Setas que não alcançaram o alvo,
espermatozóides nadando na cerâmica.
Dormirei com saudades..
Lambislar, lambislar...
O viscouvisco escorre.
Mouvar lugubremente.
Prosvo, murgo.
Sonrisar vors.
Vítreo olhar: chups!
Navegadores antigos
tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso;
viver não é preciso"... FP.
Internet naquele tempo era apenas
oceano.
Lascas, postes, palanques...
A motosserra mastigava a madeira derrubada pelo vento, ressecada pelo tempo.
Um lamento insistente desfiando na medida as peças perfumadas, coloridas.
Angico, sucupira, amarelinho...
Era preciso aproveitar as árvores mortas
para o reparo sem fim das paraguaias.
E também para a limpeza das pastagens: Uma árvore caída
é morada certa de cascavéis..
Outro dia na lida: olhares infinitos
sobre os pedaços de tempo
costurados na barra do Piancó..
O scotch honesto me olha de dentro do copo.
Bronzeado pelo malte
ele me diz: me tire dessa redoma
que te colocarei um brilho dourado nos olhos..
O sol se foi e já é quase hora
de buscar a alegria dos bares,
de reencontrar gentes,
de sentir os perfumes da noite.
Lá vou eu, já vou eu
em busca de alguma chama
que me clareie o tédio,
que transmute em multicolorido
esse tempo tão gris.
Pulei cedo e fui passar a vista na caracada.
Saudoso eu estava do manejo,
da berração.
Contornei a capoeirinha
e fui chamando: Vem moirinha, vem cigana,
vem campeão.. Vem!
Reuni e fui tocando.
De começo já percebi duas paridas: um bezerrão malhado, uma terneirinha roxa.
E foi.
Fechei, apartei, curei bicho no umbigo,
passei remédio pra caganeira...
Minhas meninas me rodeavam: Olhares mansos,
confiados, majestosos.
Dei mais um repasse e pensei: sem mais novidades.
E elas foram passando uma a uma pela porteira.
Conta certa, falei pro meu umbigo.
Sol alto eu voltei pra terra dos bancos..
Agora é seguir o rastro oloroso do almoço.
É bom estar de volta
aos meus domínios,
à barra do Piancó,
à vidinha besta desse canto
de Minas.
Pequei pelo olvido.
Estive pelos lados do Piancó nesse princípio de semana.
Percebi uma novilhota caraca com um sinal vermelho na barbela.
Pensei comigo: É nada!
Apenas algum carrapato caído. Ou arranhão em árvore espinhosa.
Dei por olhado o plantel e voltei pra cidade.
Nem me lembrei mais disso.
Ao voltar por lá, hoje, constatei o estrago feito.
Uma bicheira feia lhe comia parte da barbela.
Grande mesmo de caber a mão.
Reuni o gado, fechei no curralzinho da vargem
e fui ver de perto, no tronco.
A danada não deixava de atarantada que estava.
Coloquei-lhe a formiga nas ventas, amarrei bem e curei.
Unguento, prata e um larvicida pour-on, para garantir.
É isso: um descuido que seja e o leite entorna.
Soltei a bichinha no meio da vacada
e fui despontando pra acurar a conta enquanto apreciava
a subida delas pra cabeceira, em fila,
emagrecidas por essa seca infinda,
por esses dias vulcânicos.
Quem trabalha, quem produz, quem cria alguma coisa
não muito raramente erra.
Errar é da natureza humana.
Com nossos erros aprendemos a acertar.
Já quem critica nunca erra: É sempre infalível.
De cima de um pedestal é fácil imaginar
o quão perfeitas poderiam ser as coisas.
Afinal quem critica ferozmente os outros
quase nunca trabalha,
quase nunca produz,
quase nunca faz nada parecido àquele
que é objeto da sua critica.
Todos erramos.
O importante é sempre a boa fé
com que fazemos o que fazemos.
Mesmo na crítica deveríamos nos transportar
para o lugar daquele que criticamos.
Imbuídos de boa fé nossa crítica poderia ser positiva
e melhoraríamos, assim,
um pouquinho o nosso dia-a-dia.
Ajudando a corrigir erros
ao invés de simplesmente expô-los maldosamente
a um mundo cada vez mais voraz
de futilidades.
E veja: a sabedoria em criticar construtivamente
reside justamente na intenção.
Toda crítica que ajuda,
que edifica,
que é positiva
sempre muda nosso mundo pra melhor.
O contrário não nos leva a lugar nenhum.
Apenas expõe situações constrangedoras
à execração pública,
nada mais.
Hoje é apenas sexta.
Uma sexta com cara de sábado.
Escruto as possibilidades quase inexistentes
de sair e ser feliz.
É preciso tentar.
Afinal nenhuma princesa pálida
baterá na minha porta perguntando por mim.
E mesmo as cervejas ficam destemperadas
na porta de qualquer geladeira.
Alçarei uma outra vez olhares caçadores
sobre a mesma manada.
Levarei comigo aquele sorriso emoldurado
para socorrer o acaso.
Ainda que nada ímpar aconteça
eu saberei se a chuva molhou a cidade...
E, então, poderei deixar que o álcool
afogue o meu tédio.
Existem dois tipos de homem.
Aquele que segue intrépido
rumo ao seu objetivo
e aqueles que param no boteco
para tomar uma.
O primeiro fica rico,
famoso,
vira herói.
Nós, os outros,
apenas aproveitamos,
vivemos a vida.
.
Pinguelei memórias: piscadelas.
Pedaços de realidades passadas.
Vislumbres em recortes.
Lá estava eu com os cabelos longos ao vento,
no meio de carros e arranha-céus.
Ou em cima do abacateiro olhando a vizinha no banho.
Ou num faluka subindo o Nilo.
Ou no meio da vacaria...
Fatias de tempo embaralhadas:
um vazio transbordando retalhos da vida. Recorrências.
Com o tempo as lembranças ficam assim: realçadas, avivadas.
A-mei-a-idade com os seus vieses de melancolia real
e de euforia ingênua.
Outros tempos virão,
outras saudades no caderno do futuro.
Mas agora com meus olhos sem o brilho colorido da inocência..
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Isso nos prova que a perplexidade não envelhece: Anarquista, romântico, coração mole... Sua cabeça sempre esteve onde seu coração a levou. E isso é tudo que se pode desejar. Eu também sou um pouco assim: prefiro ser inadequado, inadaptado que me enquadrar ao jugo de regras que não acredito. Outsiders?!
E mais te digo: Se nos incomodam algumas gotas de insatisfação com essa nossa vida sem louros, imagine os rios de culpa dos que infringem sua própria consciência por alguns tostões a mais, ou dos bilhões de alienados que acham a felicidade na tarde de domingo vendo a TV.
Nessa senzala de vida nossa consciência é o que nos resta. Nossos braços: os vendemos barato para manter um sustento pífio. Entretanto temos de seguir.
Não será em vão termos vivido como vivemos. Nossa vida é o prelúdio doutros tempos. Tempos germinados no nosso imaginário.
E termos conhecido verdadeiramente a amizade, a ética, a realidade por detrás das linhas que manipulam tudo... Apenas isso já é de um prazer incomensurável.
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E é isso.
Nostalgias e gastrite.
Um dia mais perto da morte.
Duas ou três escolhas.
Apenas um caminho.
Lá vou eu, já vou eu.
Vento no rosto
e sorriso nos lábios.
Cerrei meus olhos
como quem fecha as portas de
um empório.
Nada.
Nem sonhos,
nem sono.
Apenas barbies esqüálidas
and ebony babies.
Masco chicles: dtrmndmnt.
Ouço latidos.
Uivos que não são meus.
Lá no fundo instintos primários
devoram minha inocência.