R.M. Cardoso
ULTRAPASSAGEM PROIBIDA
No trânsito
do teu
corpo,
a minha
mão,
com
habilitação
e meio
atrevida,
quase
sempre
ignora
as sinalizações.
Principalmente,
onde
avisa:
ultrapassagem
proibida!...
TROVA - 72
Roubei-lhe um beijo, atrevido,
E, depois, pedi perdão!
Porém ela, ao meu ouvido:
- E quem disse que és ladrão?!...
ABORTO
Ergue-se
um
grito
do oco
da noite
rasgando
os trajes
do silêncio...
a solidão
se assusta
e aborta
um
poema!
CANTO SIMPLES PARA UMA MOÇA
Moça,
Ouça
Este
Canto!
Ouça,
Moça,
Sem
Pranto!
Moça,
Ouça,
É
Teu!
Ouça,
Moça,
Sou
Eu!
Moça,
Ouça,
Sou
Só!
Ouça,
Moça -
Tem
Dó!...
INDESCRITÍVEL
Amadurecem
as horas
à
beira
do anoitecer...
Há
um
mistério
tatuado
no semblante
do crepúsculo...
Das metáforas
do poeta
nascem
versos
prematuros
descrevendo
o indescritível.
TROVA - 73
Ao poeta - uma só musa -
Isto parece perfeito,
Mas meu coração recusa
O teor de tal conceito.
CATÁSTROFE
Olhos
sangrando
diante
da realidade!
Até
quando
fanáticos,
psicóticos
ou
mesmo
suicidas
vão
promover
uma
catástrofe?...
ENAMORADOS
O instante dos que se amam,
Intensa e fielmente,
É feito de esplendor,
É feito de afinidades;
É feito de cada gesto,
É feito de emoções,
É feito de encantamento
E da essência das verdades!
O instante dos que se amam
É feito de alegria,
De beleza e ventura,
De luz e serenidade!
O instante dos que se amam
Não abriga a renúncia...
O instante dos que se amam
É feito de eternidade!...
TROVA - 74
Já é loucura... sei lá...
Isso tanto me consome,
Pois, por onde quer que eu vá,
Vou soletrando o teu nome!
AERONAVE DO TEMPO
Anônimo
passageiro -
carrego,
na aeronave
do tempo,
uma
porção
de ideias,
dentre
as quais,
algumas
descartáveis.
SÍNTESE DE NÓS
Algumas
vezes -
serenos,
pacíficos...
Outras
vezes -
inquietos,
impulsivos!...
Somos
um
misto,
afinal,
de brisa
e vendaval.
TROVA - 75
Teus olhos são brilho d'aura
Inspirando o trovador,
Poesia que restaura
O sonho do sonhador!
ATORDOADO
Eis
que me atordoa
a ulcerosa
madrugada
que vomita
fragmentos
de indigestas
e quiméricas
noitadas!
Nas imediações
do silêncio,
o vislumbre
do medo
e o espectro
do nada!...
TROVA - 76
Dos beijos que ela me dera
Tecendo juras de amor,
Embora tudo quimera,
Eu guardo n'alma o sabor.
TROVA - 77
Há um passado que tem
Na memória o seu abrigo
E existe outro, porém,
Que lembrar é um castigo!
TROVA - 78
Em murmúrio, ela jurou:
- Amar-te-ei toda a vida!
Mas o tempo revelou
Que a jura foi esquecida.
TROVA - 79
Ao fitar o firmamento...
Das estrelas o fulgor,
Quem não aplaude o talento
Desse Artista Criador?!...
TROVA - 80
Quando provo do seu beijo,
Eis o efeito, acredite:
Mais aumenta o meu desejo
E (muito mais) o apetite!...
O COITO
Manhã
escancarada
e salpicada
de sol.
As flores,
no cio,
exalam
aroma
e quimera.
É
doce
o coito
entre
poema
e primavera!
TROVA - 81
Por maior que seja o mal,
Não despreze a sua fé,
Que desprezá-la, afinal,
É nadar contra a maré!...
TROVA - 82
Quando eu a vejo, não escapo
Do desejo que consome!
Seu encanto é um cardápio -
E no entanto (eu) com fome!.
TROVA - 83
Saudade - espécie de flor
Que às vezes nos tange a paz.
Ela tem perfume e cor,
Mas, espinhos, muito mais!..
MOMENTOS
Muitas vezes, caminhando
Do passado pela estrada,
Vejo vultos mergulhando
Em volúpia desvairada...
Vou, aos poucos, vislumbrando
Resumos de madrugada
E ilusões desmoronando,
Feito casa abandonada.
Lampejos de falso encanto,
Utópicos sentimentos
Alicerçaram meu canto.
Floriram alguns tormentos,
Irrigou-se o desencanto,
Mas não maldigo os momentos.