Paula Parenti
Vida
E se desnudasse tua pele e retirasse traços longitudinais que o tempo construiu em tua face? A presença de solitários átomos giram em tua áurea expondo teu frágil corpo, se tu és apenas uma parte imperceptível do universo. Ora, o que seria o amor tomando conta desse pedaço de matéria galáctica? Sensações comandam o que és, percepções dão poder a tua existência. Bem a vida é isso, ela não tem razão de existir, a vida apenas é.
Se tu és um aglomerado de partículas, um dia irás fragmentar até tua origem, e o tempo é aquilo que chamamos de narrativa.
A vida em seu íntimo aproximou singelas almas para um mundo de intensas sensações, ora belas, ora dolorosas. Nem todo ser vivo teria essa capacidade de comprazer-se destes pequenos e bravios impulsos percorrendo dentre sua própria essência. Visto de longa distância, é brutal perceber como a vida pode ser gélida e dolorosa com tantas almas. A dor tem sua função, ela une e engrandece todos que tem a capacidade de sintonizar-se com o seu real objetivo. Faz-se questionar ao sentido real de estar vivendo neste corpo celeste. Ao aproximar-se, a dor se cala dentro de um abraço encorpado de amor. Já a alegria é uma explosão de cores submergindo a atmosfera. É momento de perceber que valeu a pena o esforço, a esperança e dedicação, e já não importa o tamanho do êxito, a sensação é única. Por isso a vida é agora, e com cada pedaço de dos dias e noites viradas, engrandece-se a alma e a bagagem da vida. Os erros e acertos serão inerentes do ser humano até o fim, assim como os momentos e seu concernente balanço.
Silêncio Voraz
Andando com pés descalços no gelo, senti meu peito sendo aberto e arrastado pela brisa gélida do inverno. A cada passo, perdi minha força, extingui parte do meu coração, senti arrancar cada partícula da minha alma com a força escaldante do teu silêncio. Meu corpo foi amortecendo cada parte, implorando pelo ultimo suspiro. Não, mas não, ali permaneceu viva a flagelação do meu ser, por tempo indeterminado. Ai de quem tem coração destituído de razão.
Talvez o engano tenha tomado nosso mirante, talvez o brilho neste tenha se apagado com o pouco fôlego que restou.
O tempo assazona nossa armadura neste exíguo pedaço de cosmos, e no fim, o método de vida trajado de servilismo corrói o entusiasmo. Puro engano entre as idas e vindas festivas de cada ano, acreditar nas migalhas de amor e alegria de algumas horas, porque o importante neste mundo é o adorno que se coloca na armadura.
Engano este que toma o mirante, pois cada ser luta por dias melhores, morre para sobreviver neste servilismo.
It Will Rain
O tempo reduz a intensidade do tom de cores que um dia se misturaram em nossa alma, porém jamais as extingue. Em devaneios traiçoeiros, sua cor se exalta por um instante. Cor da profundeza dos mares, em sua serenidade repousam as chuvas que testemunharam cada ato de amor singular.
O elemento final é uma lacuna abrangendo a matéria pensante. Vive-se a percorrer pontos de partida e chegada cansativamente, até chegar ao vácuo da inutilidade pregada por padrões sem nexo.
Não existe amor indubitável, tão pouco a pessoa idealizada por este, ela somente perdura em nosso imaculado amor romântico. Por vezes é mais confortável sentar ao lado da utopia e saborear uma fração do repasto quimérico.
Quem tu és?
Por vezes meu corpo franze durante uma rajada de vento. Acordo velejando em marés ainda desconhecidas pela minha alma, ao passo que meu despertador me sacoleja para um novo dia de rotina. Ainda sinto o afago de algumas lembranças, não obstante alguns abalroamentos de dores antigas. O medo e a alegria se tornam facilmente pretérito, que podem se manifestar no horizonte a frente. Bem, sou mais um ser no meio de muitos suspiros. Díspar.
Vislumbrando em cores de anis, o radiante sol cobre teu rúbido e envolvente semblante, nem ao menos devaneia que em sua formosura me submergi. De todos os amores és o mais vedado, porém circunspecto. Cada traçado curvo em tuas palavras me traz tamanho fascínio, não por ser indeferido, mas pela sutileza que adentra teu ser. Afeição reprimida em tranquetas ocultas, lamentável o dissabor remanescente que abriga meu coração.
A luz bate no solo, e ao soar um impulso, meu olhar está compenetrado em pedaços de recordação. Em torno do meu pranto, fixo o olhar na ruína que me cerca, são fragmentos da minha vida, mais uma vez a aflição vem me visitar com seu envoltório ácido e sombrio. O olhar prostrado, observando o vazio e a dor entrelaçadas, lhe diz algo? Aparentemente sereno, mas com tochas de desgosto percorrendo meu arcabouço. Ali um dia esteve presente o amor.
O silencio ambíguo resgata frações da composição obsoleta, traz o incitamento anônimo de uma nova existência no tempo e espaço.
O mundo de fora continua com o movimento, o barulho das buzinas, em ritmo acelerado. O mundo que habita dentro de mim encontra-se inerte, nublado, suspirando em maus bocados. Ninguém avisou que a dor das lembranças abrem fendas obscuras em qualquer ponta de contentamento.
Querer fugir da dor é como esperar que o labirinto seja nivelado. O sorriso engana o vazio que cobre toda minha essência, relutando contra a maré. Sinto afogar cada esperança de evadir dessa escuridão, por horas as lembranças surgem como cortes profundos no meu peito, sutilmente adormeço meu senso de realidade.
Desde o dia que você se foi, os dias se tornaram intermináveis. Alguns abraços não preenchem o toque sensível e amável. Ao abrir os olhos vejo que era irreal a sua essência, um toque de projeção e intimidade acentuada. Já não encontro almas beirando a simplicidade.
Ao olhar no horizonte vejo a silhueta de uma montanha desenhada ao fundo de um azul obliterado. Não tão distante, há uma ribanceira familiar, cada pedra deslocada deixa uma fissura grifada na terra úmida. Em meu interior cada dissabor representa uma rocha, o aclive das montanhas desmoronam ao ponto de sufocar qualquer frescor proveniente de serenidade. As fissuras perturbam o sono mais profundo, desperto sem saber o motivo de tudo ser tão desarranjado nessa existência. Mas a verdade é que cicatrizes são vestígios da clivagem do meu íntimo.
Toda vez que meu olhar se recolhe, as lembranças recobrem meu pensamento e o tempo perde a ordem habitual. Em lapsos de realidade vislumbro que todos meus passos estão volúveis e que as lágrimas se resguardam em pontos cegos da rotina. Ainda não te esqueci.
Tudo começa com um vinho de cor rúbeo e paladar acentuado. Conforme os passos cruzam as linhas do semblante utópico, transparente é o vácuo que se revela. Não há diferenças, não há exceções.
Sentimentos deslizam ao toque tênue da tua pele ao entrelaçar minha mão. Encanta como o frescor de uma floresta em intenso calor de um dia tropical. O abraço parece insuficiente perante a ânsia de duas almas se tocarem. Parece que resta apreciar infindavelmente a cada contorno da tua face, aconchegando meus lábios nos teus.
Poucos fragmentos restam. Se ao cruzar desfiladeiros, deixei de constituir meu eu. Sigo sobrevivendo, sem vida.
Subsistir
Deixa estar. O silêncio pode consumir, pois o café esfriou, evaporou. Após a esperança morrer existe um vácuo entrelaçado com a dor. Não há pontes seguras, nem mãos para segurar. Uma palavra genérica não ajuda, tão pouco aquele abraço habitual. Existe apenas o sentir, o lutar, subsistir.
Um grito de dor, sensação do engano e da perda. Parece não haver um sentido para nada, apenas mais ensinamentos da vida. Como se esculpe palavras na pedra, se adquire a sabedoria em cada situação da vida. Há um preço em sentir e amar.